A cientista que se inspira em princesas

Por Saulo Pereira Guimarães
Gabriela Leal é a primeira brasileira a chegar à final da “Copa do Mundo” da comunicação científica
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Gabriela Ramos Leal está vivendo um conto de fadas. Aos 34 anos, ela foi a primeira mulher a vencer a etapa brasileira do FameLab, a Copa do Mundo da comunicação científica, e a primeira pessoa a representar o país na etapa final da fase internacional da disputa, que terá seu resultado anunciado nesta quinta-feira, dia 26 de novembro. Com vídeos sobre medicina veterinária, a pesquisadora provou que o limite de três minutos por apresentação é suficiente para traduzir de forma clara temas tidos por muitos como difíceis de entender.
Estabanada, a carioca é capaz de quebrar uma caneca no afã de atender o celular. Fala de forma contagiante e tem um jeito divertido que conquista o interlocutor. Porém, diante das câmeras, ela vira estrela de cinema. A dicção expressiva combina com o carisma, surgem sorrisos à la Kamala Harris e passa a ser impossível não ouvir o que Leal tem a dizer. Foi assim em todas as etapas do FameLab 2020, a 15ª edição do concurso criado na Inglaterra, em que cientistas de 32 países apresentaram seus temas de pesquisa em vídeos de até 90 segundos transmitidos pela internet e foram julgados em função do conteúdo, clareza e carisma das apresentações. São qualidades básicas para uma professora, ofício que ela aprecia desde pequena e hoje exerce nas aulas de embriologia veterinária na Universidade Castelo Branco, no Rio de Janeiro.
Foi na infância que começou a relação da atual cientista com seus objetos de estudo. Nascida em Quintino, na Zona Norte do Rio, ela cresceu num prédio em que a entrada de animais era proibida, e por isso na primeira infância seu amor pelos bichos foi meramente platônico. Aos 11 anos Gabi se mudou e ganhou seu primeiro cão, que viveu longevos 18 anos, tendo morrido em 2016. Àquela altura, já veterinária formada, ela descobria uma nova paixão: a pesquisa científica. A convivência com a fauna a ensinou a admirar a lealdade dos cães e até as raras demonstrações de afeto dos gatos, que considera “bons julgadores de caráter”. “Conseguimos ser bem mais humanos quando estamos em contato com os animais”, ela diz.
Fã de princesas, Leal tem em seu quarto 15 peças ligadas ao universo Disney. Mas ela está longe de fazer o gênero princesinha cordata. Em agosto, quando pipocaram críticas contra a nomeação de um médico veterinário para o comando do Programa Nacional de Imunização, ela defendeu a escolha do profissional. Lembrou que seus colegas têm um papel importante no controle de doenças, a ponto de setores como a inspeção de produtos de origem animal só poderem operar com veterinários. “Estamos vivendo uma pandemia que começou porque alguém entrou em contato com carne de animal silvestre não inspecionada em Wuhan, na China. Aqui no Brasil, o trabalho da vigilância sanitária existe justamente para evitar que este tipo de situação aconteça”, ela explica.
No FameLab, a cientista conquistou o público ao falar sobre animais geneticamente modificados para a produção de substâncias que ajudam no tratamento de doenças, como a insulina produzida no leite da vaca (a apresentação pode ser vista aqui, a partir de 47m20s). Agora aguarda ansiosa pelo resultado do concurso, que poderá ter um significado especial não só para ela.
Filha de mãe negra e pai branco, ela demorou a aceitar seu cabelo, foi a única negra de sua turma de graduação, e até hoje só viu um palestrante negro nos congressos dos quais participou. Em seus atendimentos no hospital veterinário em que trabalha, tutores de animais já duvidaram de sua condição de médica. A pesquisadora identifica esta e outras situações como efeitos colaterais do chamado racismo estrutural.
Suas conquistas mostram que, nesta história, o final feliz pode ser o menos importante. “Tenho consciência de que meu trabalho é essencial para inspirar outras pessoas a chegar mais longe”, resume a veterinária.
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Saulo Pereira Guimarães é jornalista.
Este artigo é o segundo de uma série de três textos do blog Ciência Fundamental em homenagem ao mês da consciência negra.
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