Por que o coração bate?
Por Rossana Soletti
A origem dessa estrutura complexa
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O texto abaixo responde à pergunta de Pedro Henrique Nagai, paulistano, 5 anos, para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”.
A batida de um coração tem um simbolismo todo especial: ela significa vida, amor, paixão, ansiedade. Mas quando Pedro Henrique, de 5 anos, pergunta por que o coração bate, a resposta precisa ser reduzida a uma explicação biológica.
Vamos começar pelo coração já pronto, e depois voltamos para o início, quando nosso corpo ainda estava se formando. O coração é uma estrutura complexa, uma obra-prima que tem quatro câmaras: dois átrios, que recebem sangue do corpo e o repassam para dois ventrículos, que então bombeiam o sangue para grandes vasos. E ele produz seus próprios impulsos. Suas batidas são controladas por sinais elétricos que se espalham pelas células das câmaras cardíacas. Os átrios se contraem primeiro, para depois contrair os ventrículos, e assim surge a batida que a gente conhece.
Em geral imaginamos o coração como uma grande estrutura, mas ele não passa de um conjunto de células individuais: células musculares cardíacas formam as camadas de músculo; algumas células ajudam na sustentação e na forma do órgão; células nervosas coordenam os batimentos cardíacos e outras compõem os vasos sanguíneos. E é a interação entre todas elas que confere a habilidade de bombear sangue ao coração, o primeiro órgão funcional a ficar pronto, ainda quando somos um embrião. Uma das maiores descobertas sobre seu desenvolvimento foi constatar que muitas de suas células derivam de uma mesma célula-mãe logo nas primeiras semanas de vida.
À medida que o embrião vai se desenvolvendo, as células se diferenciam e se especializam, num processo comandado por sinais químicos. Algumas enviarão sinais a suas vizinhas, que se transformarão em células cardíacas, e por isso todas as células precursoras precisam estar no lugar certo e na hora certa. Por volta da terceira semana, o embrião é um sanduíche de três camadas e o coração começa a surgir na camada intermediária a partir de dois aglomerados de células que se diferenciam e originam outros tipos celulares.
Num embrião humano com quatro semanas, o coração é um tubo de duas câmaras que depois passará por um dobramento. Nessa etapa as células já fazem uma contração rítmica e há um fluxo de sangue, e essa pressão ajuda o coração a se dobrar e formar as quatro câmaras enquanto o embrião cresce. É por essa pulsação precoce que uma gestante consegue ouvir as batidas do coração do bebê logo nas primeiras semanas de gestação, quando o embrião ainda é muito primitivo.
Se separarmos essas células musculares cardíacas que se contraem e as pusermos em uma placa para serem cultivadas em laboratório, elas poderão reproduzir o batimento cardíaco. Se isoladas na placa, o batimento de cada célula é independente; quando aumentam em número e se encostam, o batimento começa a ser uníssono. Essa habilidade fantástica já foi observada por cientistas há mais de duas décadas e agora as pesquisas continuam, com o intuito de fazer com que essas células pulsantes se desenvolvam num coração de verdade, e de produzir tecido cardíaco a partir da transformação de outros tecidos nossos, como a pele, e encontrar explicações e tratamentos para diversas doenças.
E essas condições não são poucas: como vimos, com toda sua complexidade, depois que o coração está pronto tudo precisa funcionar em harmonia, como numa orquestra. As câmaras e as passagens entre elas precisam funcionar corretamente, as células devem bater no ritmo certo. Caso isso não aconteça, os batimentos podem ficar dessincronizados ou o volume de sangue necessário pode não ser bombeado. É por isso que as alterações cardíacas estão entre os defeitos mais frequentes em recém-nascidos, e que as doenças cardiovasculares estão entre as causas de morte mais comuns.
Há séculos os cientistas procuram compreender essa estrutura fantástica, complexa e poética, no encalço de mais longevidade e qualidade de vida para as pessoas.
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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida um cientista a responder uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta? Veja aqui como colaborar.