Como as plantas identificam inimigos?

Ilustração: Maria Palmeiro
Ciência Fundamental

Por Pedro Lira

Paulo Teixeira busca a resposta nos pés de cacau da Bahia

*

Quando, ainda no colegial, escutou falar do Projeto Genoma, Paulo Teixeira soube que seria cientista. As conversas com o pai, médico, sobre o genoma humano e as infinitas possibilidades da biologia molecular o levaram à carreira de pesquisador. Hoje professor da Universidade de São Paulo, seu laboratório investiga o sistema imunológico das plantas. Mais precisamente, como elas reconhecem os microrganismos que representam perigo.

Plantas, bem como humanos e outros animais, detectam a presença de organismos invasores. Tal percepção provoca uma resposta imune, mas os patógenos –fungos, vírus ou bactérias que causam doenças– possuem estratégias para manipular esse mecanismo de defesa. “A maior parte dos microrganismos com que as plantas interagem não são patogênicos. Algumas bactérias e fungos são benéficos e as ajudam a crescer, obter nutrientes, se defender de invasores. Como uma planta filtra o que é bom?”

O interesse do pesquisador se consolidou na graduação, na Unicamp. Na disciplina de genética e biologia molecular, ministrada pelo prof. Gonçalo Pereira, Teixeira teve seu primeiro contato com a genômica. “O professor –que anos depois se tornou meu orientador de doutorado– fez um miniprojeto genoma da vassoura-de-bruxa, doença que ataca os cacaueiros da Bahia. Simulamos todas as etapas de sequenciamento para entender a fundo o DNA do fungo”, conta.

O impacto da experiência foi tão positivo que Teixeira fez sua iniciação científica no laboratório de Pereira, onde trabalhou por anos. “Meu primeiro projeto de pesquisa, financiado pela Fapesp, foi para trabalhar com o fungo da vassoura-de-bruxa. Foi aí que mergulhei na relação entre plantas e microrganismos.” Quinze anos depois, ele ainda estuda os cacaueiros. “Olhando para trás, vejo que essa experiência na graduação construiu o que eu faço e o que sou como cientista.”

A pesquisa, que buscava melhorar a produção de cacau no Brasil, tomou outro rumo quando o pesquisador ingressou no pós-doutorado na Universidade da Carolina do Norte (EUA), com o objetivo de entender mais a imunidade das plantas. Adotou como objeto de estudo a Arabidopsis, organismo modelo sem importância econômica, mas de grande valor científico. “Mergulhei na ciência básica e exercitei minha criatividade na manipulação genética”, conta.

De volta ao Brasil, Teixeira retornou às origens, agora como professor. Em 2019, passou no concurso da USP e montou seu próprio laboratório, no qual onze cientistas investigam o sistema imune das plantas, incluindo um fenômeno muito conhecido mas pouco compreendido: a resistência do “não hospedeiro”. Funciona assim: em uma floresta habitada por diferentes espécies de plantas existe uma bactéria que adoece apenas uma espécie. Esta bactéria pode entrar em contato com outras plantas, as chamadas não hospedeiras, mas não lhes causa mal algum. O que determina a compatibilidade entre planta e patógeno?

A resposta talvez esteja nos receptores do sistema imune das plantas. “Os não hospedeiros conseguem detectar o patógeno usando receptores que a planta infectada não possui. O desafio é identificar quais são eles”, explica. No laboratório, eles utilizam como modelo uma bactéria que infecta laranjas. Mas em vez de estudar a ação do patógeno na laranjeira, injetam-no em plantas não hospedeiras, como o tomate e o tabaco. O passo seguinte é ver qual delas apresenta uma resposta imune. Ou seja, se o tomate ou o tabaco a reconhecem como ameaça. Em caso positivo, precisam saber como ocorre tal reconhecimento.

Uma bactéria invasora injeta no interior da célula em média trinta proteínas que são nocivas para a planta. A equipe se dedica a identificar qual a proteína responsável por ativar o sistema imunológico do hospedeiro. “É como estar numa sala com apenas uma lâmpada, mas trinta interruptores. Qual deles acende a lâmpada? É preciso testar um por um.”

Entender bem esse sistema pode, no futuro, ser a resposta para extinguir doenças como a vassoura-de-bruxa. Mas Teixeira avisa que pode levar um tempo até aplicar essas descobertas. “Estudo ciência básica para entender o que estou investigando. Primeiro vamos saber como funciona o sistema, depois transferir esse conhecimento para aplicar na prática.” Se o receptor imune de uma planta não hospedeira funcionar em uma planta hospedeira, a transferência de genes pode se tornar uma prática comum.

*

Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar mais novidades do instituto e do blog Ciência Fundamental.