Por que o Nobel de Física representa o futuro da ciência

Ilustração: Joana Lavôr
Ciência Fundamental

Por Ricardo Martínez García

Sistemas complexos estão na fronteira do conhecimento

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O prêmio Nobel de Física de 2021 reconheceu três cientistas por seus “aportes inovadores para nossa compreensão dos sistemas físicos complexos” e o desenvolvimento de métodos para descrever e prever o comportamento deles. Metade do valor caberá a Syukuro Manabe, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e a Klaus Hasselmann, do Instituto Max Planck de Meteorologia, na Alemanha, que apresentaram contribuições fundamentais para o desenvolvimento de modelos que permitem fazer predições mais precisas sobre as mudanças climáticas. Já a outra metade irá para Giorgio Parisi, da Universidade de Roma La Sapienza, na Itália, que se destacou por descobrir padrões ocultos em materiais complexos e desordenados que permitiram melhorar nosso entendimento sobre vários processos aleatórios em campos tão diversos como a matemática, a biologia, a neurociência e o aprendizado de máquina.

Neste ponto, são muitas as perguntas que podemos nos fazer: o que é um sistema complexo? O que têm em comum dois climatologistas e um físico teórico como Parisi para compartilhar prêmio tão importante? Por que esses trabalhos são merecedores de um Nobel? As respostas não são simples, mas podem nos ajudar a entender a força extraordinária da ciência da complexidade, o papel que pode desempenhar nas próximas décadas e por que são necessários cientistas multidisciplinares sem medo de navegar entre as fronteiras de diferentes áreas do conhecimento.

Um sistema complexo é um conjunto de múltiplas entidades que interagem entre si; dessas interações resulta o desenvolvimento de novos comportamentos, diferentes dos observados em suas entidades, quando consideradas individualmente. Tais fenômenos são comumente chamados “fenômenos emergentes”. Como sempre acontece na física, uma definição tão abstrata se torna muito mais fácil de entender com exemplos. O cérebro é um sistema complexo no qual as interações entre milhões de neurônios causam fenômenos emergentes como a inteligência, a consciência ou a memória. Outros exemplos típicos são as sociedades (humanas e animais), as cidades, os ecossistemas ou, voltando ao objeto de estudo da dupla laureada, o clima.

Essa variedade de exemplos e sua relação com muitos dos problemas que nos assombram explica, em grande medida, o crescimento espetacular da ciência da complexidade nas últimas décadas, endossado essa semana com o Nobel de Física. Muitos dos problemas que a humanidade enfrenta e enfrentará no futuro se relacionam com os sistemas complexos. A propagação de doenças, por exemplo, na maioria das vezes decorre do modo como estão estruturadas nossas cidades, nossa sociedade, e os padrões de deslocamento da população. A perda de biodiversidade e o colapso de muitos ecossistemas são fortemente determinados por alterações, muitas vezes causadas pelos humanos, nas interações complexas entre espécies que sustentam esses ecossistemas. Muitas das doenças que nos ameaçam, como o câncer, e a maneira como nosso organismo responde a elas são, de certo modo, resultado de mudanças na interação de nossas células entre si e com o entorno.

Para abordar todos esses problemas na fronteira entre disciplinas e com uma transferência tão ampla de ferramentas entre uma e outra, é necessária uma nova forma de treinar nossos cientistas. Pessoas que relevem a classificação da ciência em áreas, movidas pela curiosidade e o debate, com uma visão ampla do mundo a seu redor e munidas de um potente arsenal de ferramentas matemáticas e computacionais. Só assim poderemos identificar, atacar e resolver os grandes desafios que nos esperam. O prêmio Nobel de Física de 2021 reconhece essa visão e essa nova abordagem de estudar a natureza.

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Ricardo Martínez García é físico e pesquisador SIMONS-FAPESP no Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) e no Instituto de Física Teórica da UNESP.

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