Em que lugar do cérebro fica a memória?
Por Eduardo Zimmer
Somos aquilo que decidimos esquecer
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O artigo abaixo responde à pergunta feita por Violeta Reys, de 7 anos, para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”.
Iván Izquierdo, neurocientista argentino naturalizado brasileiro, costumava dizer que “somos aquilo que decidimos esquecer”. Para ele, o esquecimento era o fenômeno biológico mais fascinante da memória. De fato, precisamos esquecer para lembrar. Em um milissegundo consigo lembrar da data de nascimento da minha mãe, mas não preciso acionar sempre essa memória, ela fica guardada em lugares específicos do cérebro. Mas onde?
Para entender as bases neurobiológicas desse fenômeno, dois conceitos são essenciais. O primeiro é que o cérebro é segmentado em regiões que desempenham funções específicas, mas conectadas de modo a nos permitir desempenhar funções cognitivas superiores, como ler, falar e raciocinar. O segundo é relacionado aos tipos de memória: existe a de curto prazo, que guardamos por algumas horas (o número do telefone de uma loja de entregas) e a de longo prazo, que é retida de forma prolongada e pode ser recuperada (o que aconteceu no último Natal), e que podem ser declarativas (“saber que”) e não declarativas (“saber como”). Existem ainda outras classificações, diferentes do ponto de vista biológico, como memória semântica e episódica. O início da expansão do conhecimento a respeito da memória merece ser… lembrado.
Em 1953, o paciente Henry Molaison, conhecido como H.M., foi submetido a uma lobotomia para controlar ataques epilépticos. A epilepsia foi contida, mas H.M. não conseguia formar novas memórias declarativas, embora pudesse formar as de curta duração e não declarativas. Assim: H.M. mantinha uma conversação normalmente, mas assim que o papo terminava e ele começava outra atividade, ele esquecia por completo que aquela conversa tinha ocorrido –esquecia inclusive da pessoa, se fosse uma pessoa “nova”. Era como se ele tivesse sido submetido ao “neuralizador” da trilogia “Homens de Preto”, equipamento fictício utilizado para apagar a memória das pessoas.
O estudo desse caso foi um divisor de águas. E ele ficou a cargo de Brenda Milner, considerada por muitos a fundadora da neuropsicologia, que o apresentou à comunidade científica ainda em 1957. (Hoje, aos 102 anos, a dra. Milner continua na ativa e pode ser vista pelos corredores do Instituto de Neurologia de Montreal no Canadá. Eu mesmo tive a honra de conduzir parte de meus estudos de doutorado nessa instituição, graças ao extinto programa “Ciência sem Fronteiras”. Uma memória inesquecível).
A chave para o entendimento do caso H.M. apontou para as áreas que foram removidas na lobotomia, sobretudo o hipocampo, principal região do cérebro responsável por memórias de curta duração e declarativas. Hoje em dia a neuropsicologia sugere que cada tipo de memória é armazenado em um lugar especial no cérebro. Ou seja, outras áreas além do hipocampo também têm a habilidade de armazenar memórias, como o córtex.
Mas o entendimento de um processo neurobiológico ainda mais fundamental se faz necessário. Seria intuitivo pensar que surgiria um neurônio novo a cada nova memória, ou que um neurônio pudesse acomodar um número limitado de memórias. Ora, como poucos neurônios nascem em cérebros adultos, com a quantidade massiva de informações que recebemos, nosso “HD neuronal” já estaria lotado.
Ambas as hipóteses estão incorretas. A plasticidade do cérebro é que está em questão. Os neurônios formam novas conexões ou até fortalecem conexões prévias com os outros neurônios. Essa conectividade faz com que os disparos elétricos –as sinapses– coordenados por uma série de neurônios formem, retenham, “esqueçam” e permitam a evocação das memórias.
Pode ser que alguns leitores lembrem desse artigo por muito tempo, pode ser que outros já não lembrem dez segundos depois de o lerem. Mas aí a conversa entra em outra região do cérebro, a amígdala, que coordena um dos fenômenos neurobiológicos mais bonitos de nossa vida: a emoção. Ela ajuda a decidir quais memórias a gente deve guardar. Quer fazer um teste? Quem não lembra do primeiro beijo? Eu sei, são tantas emoções…
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Eduardo Zimmer é bioquímico e professor no Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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