Uma nova psiquiatria para superar a pandemia

Ilustração: Julia Jabur
Ciência Fundamental

Por Eduardo Schenberg

Por que precisamos dos “manifestadores da mente”

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São Paulo é a capital mundial dos transtornos mentais. Embora não seja reconhecido oficialmente, o título pesa. Em 2012 a Universidade Harvard coordenou um estudo com a USP entre as megalópoles planetárias, e a cidade levou o ouro. O Brasil também sobe ao pódio em vários outros levantamentos psiquiátricos. Não estamos todos loucos, mas temos alta prevalência de depressão, transtornos de ansiedade e trauma por violência epidêmica que afetam mais de 80% da população de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

O desafio é gigantesco e requer políticas públicas de prevenção e mitigação. Mas a psiquiatria parece mal preparada para enfrentar a magnitude da tarefa. Grandes farmacêuticas se retiraram do setor em 2010, um “annus horribilis”, e essa retração se refletiu no aperfeiçoamento dos fármacos: os medicamentos atuais oferecem ganhos pequenos comparados aos de quatro décadas atrás. E mais: em toda a medicina, a maior taxa de eventos adversos provocados por medicação incide sobre o tratamento psiquiátrico, afetando 80% dos medicamentos, o dobro da taxa da neurologia.

Enquanto a situação piora durante a pandemia, um campo há pouco pequeno e marginal ocupou o centro das atenções: o estudo do uso terapêutico das substâncias psicodélicas. Nos últimos anos, os investimentos privados saltaram de um para trezentos milhões de dólares, após sete revistas científicas dedicarem suas capas ao assunto. Assim como a ciência nos trouxe as tão necessárias vacinas contra o coronavírus, será ela que poderá providenciar novos tratamentos psiquiátricos, mais rápidos, seguros e eficazes.

A natureza psíquica dos efeitos dos psicodélicos (em grego, “manifestadores da mente”) dispensa apresentações: visualizações caleidoscópicas e fractais multicoloridas, sensação de sinestesia (fusão dos sentidos, como visão e audição), fragmentação ou dissolução do ego e picos emocionais intensos compõem o cerne de uma experiência capaz de marcar vidas. Cerca de 70% dos participantes de um estudo classificaram o efeito da psilocibina como um dos cinco momentos mais importantes da vida. Uma experiência psicodélica pode propiciar profunda ressignificação de si mesmo e de nossas relações humanas e não-humanas. Por que foram precisos quase oitenta anos para levar a sério uma possibilidade como essa?

Não fossem os estigmas e armadilhas semânticas da guerra contra as drogas, a história poderia ter sido outra. Quando resolvi estudar o assunto, há quinze anos, me disseram que seria um “suicídio profissional”. Felizmente estavam errados. Em São Paulo, mapeei ondas elétricas cerebrais de voluntários sob efeito da ayahuasca. No Imperial College, em Londres, participei do primeiro estudo de neuroimagem com o LSD, que revelou o que ocorre no cérebro humano quando milhões de neurônios são ativados pelo famoso psicodélico. De volta ao Brasil, realizamos a primeira pesquisa com MDMA no tratamento de casos graves de transtorno de estresse pós-traumático, e seu uso com prescrição provavelmente será aprovado nos EUA até 2023. A substância é administrada num modelo chamado psicoterapia assistida por psicodélicos (PAP), que pode ser comparada a uma “cirurgia psiquiátrica” por sua ação pontual, de eficácia quase imediata e duradoura.

E estamos prontos para muito mais. Identificamos entre profissionais de saúde brasileiros um desconhecimento significativo sobre o assunto. Em 2020, lançamos um curso online sobre psicodélicos e saúde mental pelo Instituto Phaneros, e ainda em 2021 iniciaremos uma formação especializada em PAP para médicos, psicólogos e psicoterapeutas. Para colocá-la em prática de forma legítima e segura, obtivemos aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para uma série de estudos com MDMA e psilocibina em quase trezentos pacientes com transtornos mentais relacionados à pandemia de Covid-19, que lamentável e desnecessariamente se estende no Brasil.

A devastação desta pandemia só será superada se também cuidarmos da saúde mental.

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Eduardo Schenberg tem doutorado em neurociências pela USP e é diretor do Instituto Phaneros.

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