Quantas galáxias existem no universo?
Por Thiago Signorini Gonçalves
O desafio de fazer um censo do cosmo
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O artigo abaixo responde à pergunta feita por Penélope Alves, 6 anos, baiana, que quer ser astrônoma, para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”.
A pergunta pode parecer trivial, mas a resposta é complexa, senão desconhecida. Estimativas variam entre 200 bilhões e 2 trilhões, e esse valor assim alto já justifica nossa ignorância.
Para começar, quantas galáxias já foram catalogadas? Como determinar quantas são, se há centenas de projetos astronômicos, cada um mapeando uma parte do céu? O Levantamento de Energia Escura, um dos maiores, uma colaboração internacional com participação brasileira, recentemente anunciou um total de 226 milhões.
Muitas vezes, porém, elas não passam de borrões em uma imagem. Um algoritmo de computador sugere que seja uma galáxia, mas a identificação dos astros –sobretudo os menos brilhantes– é imprecisa. O que para um telescópio é uma galáxia, para outro pode ser uma estrela.
Levando tudo isso em conta, somando os esforços dos diferentes projetos e as possíveis duplicatas, podemos supor que temos um catálogo de alguns bilhões de galáxias catalogadas. Um número muito distante do total de talvez mais de um trilhão. Como chegamos então a este valor?
Nesse ponto, estamos sujeitos a estimativas estatísticas. Imaginemos uma campanha presidencial: não podemos perguntar a todos os eleitores do país em quem eles pretendem votar, e as pesquisas dependem de uma amostra de alguns milhares para prever como dezenas de milhões se comportarão nas urnas.
A definição dessa amostra é fundamental. O voto de eleitores do Sudeste do Brasil provavelmente será distinto daqueles do Nordeste: não se pode fazer a pesquisa em um único estado e projetar o resultado para o país todo. Da mesma forma, não podemos contar as galáxias em uma região do céu e supor que aquele número se aplique a todo o universo.
Como, então, fazer um censo do universo? Um dos grandes problemas é que as galáxias mais numerosas são as menos luminosas, de difícil detecção, portanto. Quanto mais poderoso o telescópio, melhor nossa capacidade de observar uma galáxia — mas qual é o limite de sensibilidade dos observatórios? Quais são as menores galáxias do universo? Para responder, devemos conhecer intrinsicamente o processo de formação desses sistemas, o que em muitos aspectos ainda é um mistério.
A Segue 2, distante de nós cerca de 100 mil anos-luz, ilustra essa diversidade. Ela brilha com intensidade de apenas oitocentas vezes a luminosidade do Sol; em comparação, a Via Láctea tem o brilho de 100 bilhões de estrelas. No entanto, a massa total de Segue 2 é 500 mil vezes a massa do Sol, o que, combinado com o seu brilho fraco, indica a presença de enorme quantidade de matéria escura, que não emite luz. Como essa galáxia se formou? Quantas iguais a ela existem? São incógnitas que afetam as estimativas do total de galáxias no cosmo.
A questão fica mais complexa se pensamos em distâncias consideradas grandes mesmo para os astrônomos. Conseguimos ver vários tipos de galáxias vizinhas, como Andrômeda ou as Nuvens de Magalhães, mas a bilhões de anos-luz, só vislumbramos as mais brilhantes.
Isso não seria um problema se as galáxias tão distantes fossem idênticas às nossas vizinhas. A velocidade da luz é finita, porém. Se uma galáxia está muito distante, isso significa que a luz levou muito tempo, bilhões de anos, até, para chegar aqui. Estamos vendo o universo em sua infância.
Podemos supor que as galáxias no passado eram as mesmas de hoje? De jeito nenhum. Continuando com a analogia das pesquisas eleitorais, imagine se perguntássemos a opinião política dos eleitores da década de 60 sobre candidatos à eleição de 2022! Os movimentos políticos estão em constante evolução, e não podemos admitir que a população se comporte de maneira idêntica em épocas tão distintas.
Da mesma maneira, o universo distante reflete determinado momento da evolução de galáxias, e a contabilidade deve ser calculada à parte. Como fazer isso se só vemos a ponta do iceberg, somente as galáxias mais luminosas? Telescópios mais poderosos poderão responder com precisão –tomara que o James Webb, a ser lançado no final do ano, possa nos ajudar.
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Thiago Gonçalves é astrônomo no Observatório do Valongo/ UFRJ e divulgador de ciência.
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