Que segredos estão escritos nas estrelas?

Ilustração: Camilo Martins
Ciência Fundamental

Por Murilo Bomfim

Na física de astropartículas, descobertas surgem do que não podemos ver

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Qualquer um que tenha contemplado um céu cheio de estrelas já matutou sobre esses pontos de luz. Talvez procure as Três Marias ou tente entender se determinada luzinha é estrela ou planeta. Mais raro é se perguntar a respeito da área escura onde as estrelas flutuam.

Hoje se sabe que essa área não é um imenso vazio. Tem matéria, a tal matéria escura. Um dos grandes desafios da ciência é desvendar a composição das partículas dessa matéria, tarefa dificultada justamente por essas partículas não emitirem luz. Ou seja: não conseguimos enxergá-las.

Entender mais sobre a matéria escura é abrir espaço para uma revolução na ciência. A física tem um modelo padrão para partículas elementares que explica o comportamento de todas as partículas… menos as partículas de matéria escura. Decifrar o mistério pode dar novas direções à ciência, sobretudo no campo da cosmologia, astronomia e astrofísica.

Poucos pesquisadores no mundo se debruçaram sobre a questão. Um deles foi o brasileiro Farinaldo Queiroz.

Quando o filho de Francisco Farinaldo Queiroz entrou no curso de física da Universidade Federal da Paraíba, em 2002, o mundo acadêmico lhe parecia uma matéria escura. “No início, achei que não daria conta de me formar. Quando vi uma disciplina de seis créditos, não entendia que era uma referência à carga horária. Achei que custaria seis reais por semestre, ou por aula, o que seria difícil de bancar”, lembra.

Ao longo da graduação, tudo foi ficando mais claro: ele entendeu o que eram créditos e aprendeu física de partículas quando conseguiu uma bolsa de iniciação na área. Logo tomou gosto pelo tema, aprofundado no mestrado e no doutorado –com direito a premiação da Sociedade Brasileira de Física como melhor tese em 2013.

À época, o cientista teve uma sacada que marcou o início de sua trajetória meteórica. Sabe-se que, para cada partícula, há uma antipartícula –com atributos semelhantes, como a massa, mas com características opostas, como a carga elétrica. Se partícula e antipartícula se chocam, o que ocorre aleatoriamente, há emissão de fótons (ou raios gama).

Em seus estudos, Queiroz entendeu que, se fosse possível captar um sinal destes fótons, haveria grandes chances de que as partículas de matéria escura fossem de um tipo específico, as chamadas WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles, ou partícula massiva de baixa interação).

O físico conseguiu captar um raio, e o trabalho foi bem sucedido. Mas o resultado é apenas uma boa hipótese. Com possibilidades restritas de pesquisas no país, ele buscou um pós-doutorado na Universidade da Califórnia. Seu desejo por desvendar a matéria escura rendeu um financiamento da Nasa, o que acabou por lhe abrir portas para pesquisar e lecionar em universidades europeias.

Após observar o universo a partir de outros países, o físico foi selecionado para atuar como cientista em um local muito mais próximo de sua origem paraibana: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

As ambições, no entanto, seguem astronômicas. Hoje ele é um dos poucos no mundo que tentam desvendar as particularidades da matéria escura pelo método específico da análise de estrelas de nêutrons. Presentes em diversas galáxias, essas estrelas têm massa superior à do Sol, mas têm um raio muito menor.

Esta grande densidade gera um forte campo gravitacional, ou seja: tudo que passa por uma estrela de nêutron é engolido. Ocorre que, no ciclo de vida da estrela, sua temperatura reduz gradativamente. Caso se registre algum aumento, Queiroz e seus colegas apostam na entrada de partículas de matéria escura nas estrelas. Pela mensuração da temperatura, é possível inferir a natureza das partículas.

A ideia é animadora e desafiante. Sobretudo porque exige um trabalho multidisciplinar: Queiroz entende de física de partículas, mas precisa de quem entenda de astrofísica e de astronomia (para medir a temperatura das estrelas de nêutrons, por exemplo).

“Estamos competindo com outros grupos internacionais, vendo quem chega primeiro”, diz o cientista. “Se tivermos sucesso, você nos verá na cerimônia do prêmio Nobel.”

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Murilo Bomfim é jornalista.

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