É hora de produzir uma ecologia com a cara do Brasil

Ilustração: Maria Palmeiro
Ciência Fundamental

Por Pedro Lira

Referência na área, Mercedes Bustamante aposta em novas formas de pensar os sistemas naturais brasileiros

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“Você pode trabalhar com plantas, bactérias, bichos, mas em última instância está trabalhando com gente.” Essa visão holística foi o que moveu Mercedes Bustamante rumo à ecologia de ecossistemas, área em que ela investiga os impactos causados pelos seres humanos e como nós modificamos as relações entre os seres vivos e o ambiente. Referência no campo há quase 30 anos, a pesquisadora e professora da Universidade de Brasília defende: está na hora de produzirmos nosso próprio corpo teórico em ecologia.

Afinal de contas, somos o país com a maior biodiversidade do mundo e, apesar do reconhecimento internacional das ciências biológicas produzidas aqui, ainda temos muito a crescer na ecologia. Com experiência internacional em gestão de política científica e educacional na ONU, Bustamante aposta em mudanças na academia brasileira. “Estamos há anos testando como se aplicam aos sistemas tropicais teorias geradas lá fora, pensadas para sistemas temperados”, diz. Segundo ela, o salto qualitativo na pesquisa brasileira se dará quando começarmos a gerar um corpo teórico de ideias que vêm do entendimento de nossos próprios sistemas.

“Nós estamos em um cinturão tropical. Isso significa que a pesquisa que for desenvolvida aqui tem um potencial grande de ser replicado na África e Ásia”, explica. “O Brasil tem capacidade científica e técnica para isso, além da experiência necessária em monitoramento ambiental.”

A aposta de Bustamante é embasada pela evolução dos estudos de ecologia no país. Integrante do comitê de biodiversidade da Capes durante os anos 2000, ela explica que programas de pós-graduação mais tradicionais, com foco no trabalho de campo, começaram a se expandir em disciplinas teóricas. “A transformação dos sistemas naturais e a atividade humana são os principais motores dessa evolução. Os estudos da biologia passaram a conversar com outras áreas do conhecimento”, conta.

A lógica é simples. Se o problema passa por aspectos não apenas biológicos, mas sociais e econômicos, a solução também precisa passar por eles.

Mas como unir humanidades, ciências exatas e naturais? A resposta está na interdisciplinaridade. As duas últimas décadas foram marcadas pela exploração de ferramentas capazes de juntar informações de campo a aspectos teóricos. Matemática, computação, modelagem e outras áreas da informação nos permitem lidar com o enorme conjunto de dados biológicos e sociais que foram coletados. Exemplo disso é o desenvolvimento das metodologias de sensoriamento remoto: um levantamento que demandava anos de pesquisa em campo foi abreviado a dias, a partir de dados enviados por satélites.

“O que preocupa os especialistas nesse momento é que estamos vivendo essa expansão da ecologia em um momento de crise no financiamento. Enfrentamos um grave problema de governança que enfraqueceu a sociedade civil e o setor acadêmico.” A especialista lembra que o Brasil tinha um papel central nas negociações sobre mudanças climáticas, mas a nova gestão afetou esse direcionamento.

“Temos uma grande quantidade de dados e ferramentas para trabalhá-los. Como, a partir disso, a gente pensa novos conceitos sobre mudanças climáticas e impactos ambientais? O desafio atual é engajar a comunidade acadêmica nessa questão.” Mais do que vontade dos pesquisadores, no entanto, a ecóloga ressalta a necessidade de espaço nas instituições e sistemas de avaliação. “O momento é de estruturar um corpo teórico.”

O conselho que sempre passa aos alunos é abrir a mente a novas possibilidades. “Os limites da ecologia estão na cabeça do ecólogo. Você não precisa ser especialista em tudo, mas tem que estar apto a dialogar e manejar um conjunto mínimo de ferramentas nesse diálogo.” Por isso, a pesquisadora acredita também na formação em humanidades dos cientistas. “O diálogo com as ciências sociais é importante e será essencial daqui para frente.”

Na natureza, Bustamante lembra que nenhum organismo existe em absoluto isolamento e transpõe esse entendimento para as relações humanas na sua própria área. “Acho que isso se aplica à nossa carreira também. A forma como interagimos e nos conectamos é capaz de absorver pessoas para o nosso trabalho. Só temos a crescer se fizermos essas conexões. Não é fácil, mas é enriquecedor.”

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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