Alienígenas dos mares: conheça a bioinvasão marinha

Ilustração: Julia Jabur
Ciência Fundamental

Por Larissa Pires-Teixeira

Como a chegada de uma nova espécie pode arruinar o ambiente

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Quem estuda biologia marinha tem observado uma crescente ameaça ao equilíbrio dos oceanos, cujo nome, “alienígenas dos mares”, bem poderia ser título de filme de ficção científica. Poderia, mas não é: o fenômeno é real. Pouco conhecido, mas cada vez mais perigoso. As tais “alien species” atravessam longas distâncias, na maioria das vezes por meio de algum tipo de transporte, pegando carona no casco de embarcações ou em plataformas de petróleo.

Essa viagem que empreendem pode constituir um problema se, ao encontrar condições favoráveis no endereço novo e nele se estabelecer, a inquilina recém-chegada causar quaisquer tipos de dano ao ambiente, sejam imperceptíveis, sejam impactos difíceis de serem revertidos, e a partir daí se tornar uma espécie invasora.

Na maioria das vezes é o ser humano o principal responsável pelo deslocamento das espécies, tanto por terra quanto por mar, de forma proposital ou não. É o caso dos corais invasores do gênero Tubastraea, popularmente conhecidos como coral-sol. Nativos do oceano Pacífico e considerados invasores no mar do Caribe e no golfo do México, navegaram – e chegaram ao Brasil – de carona nas pilastras submersas de plataformas de petróleo, às quais se fixaram.

Pesquisas mais recentes dão conta de espécies transportadas no casco e na água armazenada no interior de embarcações, em boias de navegação, aviões anfíbios ou hidroaviões, e até no lixo marinho flutuante. (Ou seja: o que é jogado no mar não só polui como também pode ser um agente facilitador na introdução de espécies invasoras.) Outras atividades realizadas pelo ser humano que podem propiciar o acesso de uma espécie não nativa são o cultivo em mar aberto de ostras, mexilhões, vieiras, caranguejos, lagostas, peixes ou algas, a oferta de organismos como alimento para outras espécies, e o descarte acidental ou intencional de espécies de aquário. O coral mole Sansibia sp., nativo do oceano Indo-Pacífico, por exemplo, possui uma coloração azul que cativa qualquer apaixonado por espécies marinhas e faz dele um item comum em aquários de água salgada. Infelizmente, em 2017 essa espécie foi encontrada no fundo do mar em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e pesquisas sugerem que a introdução aconteceu após o descarte ilegal de organismos de um aquário marinho particular.

Os impactos ecológicos da bioinvasão podem ser considerados um dos principais responsáveis pela perda de biodiversidade em todo o mundo. Mas as complicações não se resumem a impactos ambientais, uma vez que a chegada e o estabelecimento de uma nova espécie podem acarretar problemas econômicos e até para a saúde humana. O molusco Isognomon bicolor, por exemplo, nativo do Caribe, introduzido no Brasil na década de 1990, vive na costa rochosa e está matando outras espécies de molusco, inclusive espécies economicamente importantes, usadas para cultivo e alimentação humana. Outro molusco, o caramujo africano Achatina fulica, que é terrestre, foi importado ilegalmente para o Brasil na década de 1980. O objetivo era servir como alimento substituto do famoso escargot, porém, quando os criadores perceberam que o brasileiro não tem o hábito de consumir esse tipo de comida, soltaram os caramujos na natureza. Ocorre que em pouco tempo esse molusco destrói hortas e jardins e pode transmitir doenças como meningite.

Em 2020, um levantamento feito por mim e pelo dr. Joel Creed, outro pesquisador que estuda bioinvasão marinha, identificou 138 espécies marinhas introduzidas no Brasil, cifra que representa um aumento de 160% no número de “alien species” invasivas desde o último levantamento, realizado há dez anos. Existem formas eficientes de evitar ou reduzir os impactos causados pela bioinvasão que, associadas, podem apontar a solução desse problema. Estudar os hábitos das espécies introduzidas e identificar os meios de transporte são algumas das alternativas para impedir novas introduções. Políticas públicas eficientes, conscientização e listas atualizadas de espécies introduzidas também ajudam.

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Larissa Pires-Teixeira é bióloga, professora de ciências e biologia e doutoranda do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Evolução da UERJ.

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