Como as plantas sabem que horas são?

Por Carlos Takeshi Hotta
Ao fazer pequenos cálculos, elas garantem a sobrevivência
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As plantas são seres muito subestimados. Por trás de uma simplicidade aparente, porém, elas estão aptas a executar operações sofisticadas, tanto assim que há quem confunda essa habilidade com inteligência. Para nos atermos a apenas um exemplo dessa complexidade, basta dizer que a fim de evitar morrer de fome durante a noite, elas são capazes de elaborar cálculos simples.
As plantas têm uma “rotina”. Assim como outros seres vivos, elas possuem um relógio interno, o relógio circadiano, que gera ritmos diários a fim de sincronizar seu corpo com os ritmos ambientais. Elas se preparam para colher a luz do sol antes do amanhecer; emitem cheiros para atrair polinizadores quando estes estão mais ativos; evitam perder água de tarde, quando a umidade do ar é menor e, de noite, se sustentam com reservas energéticas produzidas de dia.
O amanhecer e o anoitecer são eventos previsíveis, e os vegetais sabem disso. Ou seja: eles sabem que horas são.
De dia as plantas fazem fotossíntese e produzem os esqueletos de carbono necessários para a sua sobrevivência, seu crescimento e reprodução. Uma das moléculas por elas criadas é o amido, polissacarídeo que lhes serve de reserva energética. É esse açúcar que lhes fornece energia à noite, permitindo-lhes crescer e se preparar para o novo amanhecer.
A dinâmica do amido parece simples: ao alvorecer, ele é escasso. Com o passar das horas, sua quantidade aumenta de dez a vinte vezes, resultado da assimilação de carbono por meio da fotossíntese. De noite, a quantidade da molécula diminui linearmente até atingir os baixos níveis do início. Se por algum motivo esse polissacarídeo falta, a planta sofre de estresse energético e tem seu crescimento afetado.
Um grupo de pesquisa liderado pela dra. Alison Smith, do John Innes Centre, na Inglaterra, fez um experimento para entender melhor a dinâmica do amido. Os pesquisadores adiantaram em quatro horas o anoitecer de plantas cultivadas em câmaras de crescimento e observaram, surpresos, que elas passaram a utilizar a molécula mais devagar, de forma a fazer render o estoque até o amanhecer. Apesar da noite abrupta, não houve estresse energético. No dia seguinte, as plantas passaram a acumular amido mais rapidamente, de modo a atingir, em um dia quatro horas mais curto, níveis mais altos do polissacarídeo de reserva para sobreviver a noites mais longas. O mais interessante é que ainda não sabemos exatamente como elas fazem isso.
Para que as plantas consigam racionar o amido, elas precisam saber quanto elas possuem e estimar de quanto tempo dispõem até o próximo amanhecer, para então calcular a taxa de uso da molécula. Sabemos como as horas do dia são estimadas: o relógio interno das plantas tem um ritmo semelhante aos ritmos ambientais de claro e escuro. O mesmo relógio circadiano é usado para a percepção do encurtamento do período diurno que prenuncia o inverno, ou seu alongamento, antes do verão.
Em seus experimentos, o grupo da dra. Smith também utilizou plantas com relógios circadianos defeituosos. Quando esse relógio marcava um dia com menos de 24 horas, isto é, era um relógio mais apressado, a reserva acabava antes da chegada do sol, tanto em dias normais quanto em noites estendidas. Ou seja: quando a percepção do tempo das plantas é alterada, elas não conseguem racionar direito a molécula durante a noite e sofrem de estresse energético. Plantas com o relógio biológico avariado fazem menos fotossíntese, usam mais água e acabam crescendo menos.
Os modelos matemáticos desenvolvidos para tentar entender melhor como ocorre o racionamento do amido ressaltam a importância do relógio circadiano no processo e mostram que as plantas precisam ter mecanismos para saber quanto desse polissacarídeo possuem, quanto estão utilizando ou o seu nível energético. Não sabemos ainda como elas fazem isso, nem como integram essas informações. Entender como as plantas gerenciam sua energia ao longo das horas é uma das grandes perguntas nessa área. A resposta não avança somente nosso conhecimento básico sobre esses complexos organismos, mas também pode nos ajudar a fazê-los crescer mais e melhor para nosso próprio benefício.
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Carlos Hotta estuda o relógio biológico das plantas e é professor associado do Instituto de Química da Universidade de São Paulo.
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