Biodiversidade brasileira, uma recompensa desconhecida

Ilustração: Maria Palmeiro
Ciência Fundamental

Por Mario Moura

Oitenta por cento das espécies do planeta ainda não têm nome

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Imagine se 80% das pessoas do planeta não possuíssem nome. Provavelmente teríamos muita dificuldade em nos comunicar, um simples diálogo sobre a parentela poderia ser um verdadeiro problema: “Você é filho de quem?” “Eu sou filho da… sobrinho do… irmão do… É, não sei dizer!”.

Percebeu o drama? Pois é isso o que acontece com a nossa biodiversidade. Embora estima-se que existam cerca de 10 milhões de espécies no planeta, menos de 20% delas possuem nome próprio, isto é, foram formalmente descritas pela ciência. Sem a descrição formal dessas espécies ainda desconhecidas, permanecemos ignorantes sobre os possíveis valores ecológicos, serviços ecossistêmicos e relevância econômica que elas possam apresentar, seja na saúde, produção de alimentos, polinização, seja como pestes invasoras ou vetores de doenças. Em um estudo publicado na revista Nature Ecology and Evolution, mapeamos as regiões do planeta que abrigam o maior número de espécies desconhecidas.

Mas se são desconhecidas, como foi possível mapeá-las? Existem características das espécies que podem facilitar ou dificultar a sua descoberta na natureza. Algumas espécies foram nomeadas há mais de 200 anos, como a ema, ave de grande porte que é distribuída por quase toda América do Sul. Outras são verdadeiras miniaturas e ocorrem em locais remotos, como o sapinho-pingo-de-ouro descrito no final de abril. Tamanho do corpo, área de distribuição geográfica e outras características podem ser reunidas para construir modelos matemáticos que informam o percentual de espécies conhecidas em diferentes regiões do planeta.

Sabendo o percentual de espécies conhecidas para uma dada região, e também o número de espécies conhecidas, pode-se aplicar uma simples regra de três para encontrar a quantidade total de espécies esperadas. O próximo passo é ainda mais simples, basta subtrair o número de espécies conhecidas desse total estimado. A quantidade que sobra é, justamente, o número estimado de espécies desconhecidas.

O mapa da vida desconhecida revela que 10% da superfície terrestre do planeta pode abrigar quase 70% de todas as espécies ainda não conhecidas. Cerca de metade das futuras descobertas de novas espécies devem ocorrer em florestas tropicais úmidas, como a Mata Atlântica e a Amazônia. Em segundo e terceiro lugar nessa lista, empatadas com 12% das futuras descobertas, estão as florestas tropicais secas, como a Caatinga, e regiões de savana tropical, como o Cerrado.

Pessoas familiarizadas com os biomas brasileiros já devem ter notado que Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga cobrem a maior parte do Brasil. Qual a consequência dessa geografia biomática? Nosso país tropical bonito por natureza lidera o ranking de nações com maior número de futuras descobertas, abrigando cerca de 10% de todas as espécies inéditas do planeta. Esse achado reforça a posição do Brasil como país megadiverso, e acende um alerta para a importância de pesquisas em biodiversidade no país.

Elaborar o mapa do descobrimento é apenas o primeiro passo para conhecer essa biodiversidade sem nome. Comunidades tradicionais e organizações não governamentais podem usar os achados dessa pesquisa para agregar importância ambiental a regiões com alto potencial para descoberta de novas espécies. Na esfera governamental, a quantidade de espécies desconhecidas pode ser incorporada a estratégias de definição de áreas prioritárias para a conservação. Existe ainda a possibilidade de que esses resultados orientem políticas globais no pós-2020. No final de 2021 ocorrerá a COP15 –reunião da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade–, quando serão determinadas as metas internacionais de biodiversidade para 2030.

Tão grandiosa quanto a biodiversidade brasileira é a tarefa que temos pela frente. Para evitar a extinção de espécies ainda não conhecidas, é primordial a adoção de mecanismos eficientes para a proteção das florestas, incluindo zerar o desmatamento ilegal. Além disso, são necessários investimentos em pesquisas que acelerem a descrição de espécies novas. No mundo pós-pandemia que se aproxima de uma economia verde, o Brasil emergirá com destaque caso seja capaz de retirar do anonimato a sua biodiversidade.

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Mario Moura é biólogo, professor da Universidade Federal da Paraíba, e trabalha com biodiversidade, ecologia e conservação.

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