Por que os humanos têm Alzheimer e os cães não?

Ilustração: Valentina Fraiz
Ciência Fundamental

Por Eduardo Zimmer

A resposta pode estar nos astrócitos menos evoluídos dos nossos amigos

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Em 1820, a expectativa de vida dos humanos era de cerca de 33 anos. Hoje todo mundo conhece pelo menos uma pessoa centenária (ou conhece alguém que conhece…). Os progressos na área da saúde, associados ao processo evolutivo da espécie, permitiram que alcançássemos idades avançadas. Mas essa evolução tem seu preço: ela veio acompanhada de uma série de doenças relacionadas ao envelhecimento.

Para a pessoa viver a chamada terceira idade com qualidade de vida, é preciso entender essas moléstias que vêm se tornando cada vez mais prevalentes em idosos. O Alzheimer, por exemplo, é a principal causa de demência no mundo, e no Brasil afeta mais de 1 milhão de pessoas –número muitíssimo subestimado, segundo especialistas. Além disso, como não existem medicamentos que consigam impedir a progressão da doença, compreendê-la melhor é uma das prioridades mundiais da pesquisa em saúde.

Para entender essa patologia, nossos melhores amigos, os cães, que já nos ajudam a caminhar quando não enxergamos, a viajar de avião quando sentimos pânico, a nos recuperarmos de quadros neuropsiquiátricos, podem mais uma vez vir em nosso auxílio.

A expectativa de vida desses animais dobrou nos últimos trinta anos. Um cachorro de porte pequeno, que costumava viver cerca de nove anos, hoje pode chegar a espetaculares dezoito anos. Outro fato marcante é como eles vivem. Enquanto trabalho, acompanho o dia a dia da minha cachorra, Baleia (isso mesmo, uma homenagem ao livro “Vidas Secas” de Graciliano Ramos). A rotina dela é muita parecida com a minha: ela tem seus horários para comer, para passear, para dormir e para se distrair com seus brinquedos. No auge dos seus dez meses, ela já responde aos comandos, morre de medo da palavra “não”, e recentemente aprendeu a me avisar quando quer um biscoito.

Será que, quando velhos, esses cães “humanizados” podem desenvolver Alzheimer? Os cães até podem apresentar certo grau de declínio cognitivo, mas raramente manifestam os sintomas graves de demência que acometem a fase final da doença nos humanos. O que nos intriga, porém, é que eles, à semelhança dos humanos, acumulam grumos insolúveis da proteína beta-amiloide no cérebro –minúsculas “pedrinhas” que ajudam a caracterizar o Alzheimer. Acredita-se que essas “pedrinhas” atrapalhem a comunicação entre os neurônios, fazendo com que o cérebro atrofie e que apareçam os sintomas. Apesar da presença desses grumos, os cães não desenvolvem manifestações graves como nós. O que os torna resistentes? O que nos torna vulneráveis? Compreender as diferenças entre o cérebro humano e o canino pode ter grande utilidade para entender e até tratar as enfermidades que afetam o nosso cérebro.

Pouca gente sabe da existência do astrócito, uma célula cerebral que foi primeiramente descrita em meados do século 19 e parece ter evoluído muito mais nos humanos do que nos cães e em outros mamíferos. Em formato de estrela, essa célula especializada é muito abundante no cérebro humano: para se ter uma ideia, o córtex cerebral, que é a nossa região cerebral mais evoluída e que constitui 82% da massa do cérebro, parece ter mais astrócitos do que neurônios. Nos últimos anos, eles, que sempre foram considerados os auxiliares dos neurônios (o Robin da dupla), estão conquistando o papel de protagonista.

Diversos estudos têm demonstrado que essas células podem controlar nossa memória e cognição –cientistas têm conseguido manipular nossa capacidade de lembrar de algo ou não, somente as ativando e desativando. Seriam elas as responsáveis pela vulnerabilidade dos humanos ao mal de Alzheimer? As diferenças entre as características dos astrócitos dos humanos e dos cães podem ajudar, quem sabe, a responder essa pergunta. Uma resposta já temos de antemão –os cães, realmente, são os nossos melhores amigos.

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Eduardo Zimmer é bioquímico e professor no Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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