O nome disso é evolução
Por Frederico Henning
O vírus está se adaptando a nós por seleção natural e por enquanto segue passos previsíveis
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“Mutações” e “variantes” se tornaram palavras frequentes na imprensa, lançando sobre a sociedade algumas perguntas importantes: as vacinas continuarão funcionando? As pessoas poderão ser reinfectadas? O vírus está mais perigoso? Outro dia um especialista explicava em uma entrevista que “surgem mutações e algumas se tornam variantes de maior propagação”. Pois bem, esse processo tem nome e sobrenome: evolução por seleção natural. Ouvimos com frequência que as novas variantes são as culpadas pelo descontrole da pandemia. Mas a evolução é mesmo imprevisível?
As pessoas costumam associar a evolução das espécies às grandes transformações que ocorrem nas formas de vida ao longo de muito tempo. Geralmente se pensa que a evolução leva ao “progresso” dos organismos em direção à perfeição ou complexidade. Na realidade, a evolução opera de forma contínua a passos curtos e o “progresso” ou “adaptação” devem ser vistos como “a resolução de problemas imediatos”. Para um coronavírus, progresso é aumentar a taxa de transmissão. Não há direção para a evolução no longo prazo, pois os rumos da vida mudam devido a alterações drásticas no ambiente, como por exemplo a queda de meteoros. No entanto, na escala de tempo em que nós vivemos, a evolução é surpreendentemente previsível.
A evolução adaptativa ocorre sempre que houver duas coisas: mutação e seleção natural. A primeira parte, a mutação, ocorre ao acaso e sozinha não torna os organismos mais adaptados. Cada vez que um vírus se multiplica, um em cada cem mil nucleotídeos –representadas pelas letras A, C, U e G que formam a sequência genética de RNA– é copiado de modo errado, resultando em mutações aleatórias. Mas há alguma regularidade no caos. Não podemos prever qual letra será trocada por outra em um evento de mutação, mas sim quantas mutações irão ocorrer a cada geração. Como o genoma do vírus é constituído de 30 mil letras, cada novo vírus tem uma chance de cerca de 30% de ser mutante.
Devido a esta regularidade, podemos comparar as sequências genéticas de organismos atuais e inferir quanto tempo se passou na evolução com base no número de diferenças entre elas. Este “cronômetro de mutações” é a principal ferramenta usada nas investigações científicas para saber de onde o vírus se originou, como chegou e se espalhou no Brasil e também para monitorar o aparecimento e dispersão das novas variantes.
A segunda parte da equação, a seleção natural, explica por que alguns desses mutantes dominam a população e “se tornam variantes de maior propagação”. Não é um processo fortuito, tanto que a produção de alimentos tem se beneficiado da previsão de geneticistas há mais de um século. Uma mostra da previsibilidade da seleção natural é que as diferentes linhagens de coronavírus, mesmo isoladas umas das outras, estão evoluindo de forma parecida. Um vírus pode mudar de mais de 150 mil jeitos diferentes, mas as variantes estão acumulando as mesmas mutações que aumentam a transmissão e a evasão da defesa imune. Esta evolução “convergente” –que sai de pontos distintos e chega à mesma resposta– indica os caminhos genéticos pelos quais o vírus evolui, as variantes que devem ser o foco de vigilância e os próximos passos na evolução viral. Sabemos como neutralizar a evolução adaptativa. Se cortarmos a transmissão, particularmente das linhagens contendo mutações compartilhadas, impediremos a ação da seleção natural. Embora as mutações continuem a ocorrer, não haverá o acúmulo daquelas que são boas para o vírus.
Antecipar a evolução é fundamental para que as vacinas mantenham a eficácia frente a novas variantes e até mesmo para fazer o diagnóstico, já que o exame de RT-PCR só detecta a presença do vírus se soubermos parte de sua sequência genética. Portanto, cientistas precisam prever as mudanças genéticas que ocorrerão para interpretar e desenvolver testes que continuem a funcionar à medida que o vírus evolui.
“Há grandeza nesta visão de mundo”, escreveu Darwin ao encerrar seu livro mais famoso. Há grande utilidade também, mas controlar o processo começa por dar nome aos bois e isto se chama evolução.
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Frederico Henning é biólogo e professor na UFRJ, onde coordena projetos de pesquisa, ensino e extensão em genética, genômica e evolução.
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