O que fazer com os jovens que se inspiram nos cientistas de hoje?

Ilustração: Larissa Ribeiro
Ciência Fundamental

Por Hugo Fernandes

Os holofotes jogados sobre nós na pandemia não podem ser em vão

*

“Minha filha te acompanha e agora quer ser cientista!” A máscara esconde meu sorriso, mas creio que os olhos não. Saindo do elevador, peço entusiasmado que ele leve a menina a meu laboratório quando a pandemia tiver acabado.

A urgência da pandemia de covid-19 jogou holofotes em muitos de nós, cientistas. A angústia em explicar resultados complexos à população levou acadêmicos a programas de tevê, rádio, lives, revistas e jornais. Alguns saíram do anonimato para o status de celebridade, outros, já famosos na bolha científica, viraram figuras públicas, enquanto outros tantos aumentaram bem o volume do que já era algum barulhinho. Estou nesse último time, creio. Dezenas de entrevistas e milhares de seguidores fizeram com que a minha exposição, por consequência, trouxesse consigo a inspiração daquela garota.

Mas o que eu vou dizer para a filha do vizinho daqui a alguns anos, quando ela entrar na universidade e encontrar veteranos e pós-graduandos angustiados pela falta de perspectiva de mercado e carreira? Como vou explicar que, no mestrado, ela vai ter de se virar com uma bolsa equivalente aos 1500 reais de hoje, congelada há sete anos? E que vai exigir dedicação integral, pois é vetado ao bolsista exercer outra atividade? E que a opção de ter um emprego e cursar a pós ao mesmo tempo quase nunca combina com tempo hábil para desenvolver pesquisas de ponta?

Para explicar a situação, pensei numa analogia: “Vamos supor que seu pai ganhava 5 mil por mês e teve o salário cortado a cada ano até chegar a 1 mil reais, o que daria apenas para pagar o aluguel. Além disso, o valor mensal do vale-alimentação para toda a sua família passou a ser de meros cinco reais.”

A comparação seria proporcionalmente justa. Em 2014, o orçamento do principal órgão de fomento à pesquisa do país, o CNPq, era de mais de 13 bilhões de reais, corrigidos pela inflação. No ano passado, chegou a míseros 4 bilhões. Só que a maior parte desse dinheiro é destinada a pagamento de pessoal, sobretudo bolsistas de pós-graduação, que carregam a maior parte da produção científica brasileira nas costas. O valor reservado ao fomento à pesquisa, aquele usado para equipar laboratórios, comprar reagentes, pagar diárias e, de fato, alimentar a ciência brasileira, é de apenas 22 milhões para 2021. O fomento anual da maior agência do Brasil abasteceria não mais do que um único laboratório de alguma universidade mediana nos Estados Unidos.

Não, não vou frustrar a menina. Ao longo de sua vida, gostar de ciência lhe trará benefícios muito maiores do que as frustrações que ela possa sofrer ou não caso realmente queira seguir a carreira acadêmica. Porém, precisamos ter a responsabilidade moral de pressionar, pautar, espernear, se necessário, para que agentes políticos assumam a responsabilidade não só do sonho dessa garota, mas principalmente da única saída que temos para vencer a crise e trilhar um progresso justo: investir massivamente em pesquisa e desenvolvimento.

Espernear, porém, pouco adianta se quase nenhum daqueles que teoricamente nos representam enquanto cidadãos nos representam enquanto cientistas. Onde estão os cientistas no Congresso? Em meio à classe política, quem foi eleito sustentando essa pauta? Em meio aos pesquisadores, quem se dispõe a isso?

Muita gente não sabe, mas nem sempre foi assim. Não há como mencionar a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, por exemplo, sem ressaltar sua importância para o processo de redemocratização do país, graças à forte atuação política de diversos pesquisadores nacionais.

Que esses holofotes adquiridos em momento tão trágico possam iluminar um futuro espelhado nesse passado. Afinal, 2022 está logo aí. O brilho em nossos olhos que faz com que a juventude se apaixone pela ciência não pode vir desacompanhado da faca entre os dentes para evitar que ela seja sucateada.

*

Hugo Fernandes é biólogo, professor da Universidade Estadual do Ceará e divulgador de ciência.

Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar mais novidades do instituto e do blog Ciência Fundamental. Tem uma sugestão de pauta? Veja aqui como colaborar.