Como os robôs superaram os humanos no xadrez?
Por Roberta Duarte
Se a série “Gambito da Rainha” fosse ambientada hoje, a protagonista seria substituída por uma inteligência artificial
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A serviço da agência de inteligência britânica, o matemático Alan Turing quebrou o código nazista Enigma, feito decisivo para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial (sua história é contada no filme “O jogo da imitação”, mas isso você já deve saber). Considerado herói, ele focou seu trabalho na área de ciências da computação e inteligência artificial (IA), na qual foi pioneiro. Foi dele a ideia de botar um computador para realizar atividades humanas.
Em 1948, junto com o colega David Champernowne, Turing começou a trabalhar em um algoritmo que jogasse xadrez. O algoritmo Turochamp –junção dos nomes Turing e Champernowne– ficou pronto em 1950, porém as limitações computacionais da época não permitiram que o código pudesse ser implementado. Só restou a Turing e a seu outro colega, o também cientista da computação Alick Glennie, seguir o algoritmo usando lápis e papel, além da lógica, naturalmente. Naquele mesmo ano, o matemático publicou seu célebre artigo “Computing Machinery and Intelligence”.
“Máquinas podem pensar?” Era assim que começava o paper, no qual ele apresentou o teste de Turing: dois seres humanos e uma máquina se confrontam num jogo de perguntas e respostas. Se a máquina conseguir enganar um jogador, fazendo-o acreditar que ela é um ser humano, ela passou no teste. Nascia aí a base que fundou a ideia de inteligência artificial como a conhecemos hoje.
Turing, porém, morreu em 1954, antes de ver seu código rodando em um computador. Mas seu trabalho abriu muitas portas e o conceito de uma máquina jogando xadrez permaneceu um desafio para futuros cientistas que por décadas desenvolveram e estudaram o tema.
Corta para 1996, que é quando as coisas começam a ficar ainda mais interessantes. Foi nesse ano que a IBM apresentou o DeepBlue, um computador que calcula posições para jogar xadrez. O campeão mundial de xadrez era o russo Garry Kasparov e ele foi desafiado a jogar contra a máquina. De um lado Kasparov, representando a humanidade, de outro DeepBlue, em nome da inteligência artificial. O russo saiu vitorioso, mas alertou que provavelmente seria o último ser humano a conquistar o cinturão contra um computador.
Dito e feito. No ano seguinte ele perdeu para uma versão atualizada do DeepBlue. O representante do nosso time não digeriu bem a derrota e acusou a IBM de trapacear. Anos depois admitiu não ter lidado bem com a situação, e em 2017 até chegou a escrever um livro sobre inteligência artificial.
A história acaba aí? Esse foi só o começo. Desde então, cada vez mais algoritmos que usam inteligência artificial para jogar xadrez foram sendo publicados. Em 2010 teve início o campeonato Top Chess Engine Championship (TCEC), uma competição entre computadores cujo objetivo é encontrar o melhor algoritmo de xadrez. Os jogadores são convidados pela organização do evento, que dura alguns meses. O modelo Stockfish, guarde esse nome, foi consagrado campeão por dez vezes.
Em 2017 a DeepMind, uma empresa com foco em IA, apresentou o AlphaZero, uma inteligência artificial capaz de jogar xadrez, Go e shogi. O computador recebeu as regras básicas do xadrez e aprendeu o jogo sozinho. Jogou contra si inúmeras vezes, e em quatro horas o algoritmo era especialista em xadrez.
O AlphaZero disputou uma partida contra o Stockfish, vencedor do Top Chess Engine Championship daquele ano. Conseguiu derrotar o campeão, tornando-se então detentor da honraria. Se um computador ultrassofisticado não foi capaz de vencê-lo, o que dizer de um ser humano?
Não sabemos como será o futuro, mas no xadrez já podemos jogar a toalha. Kasparov tinha razão: ele foi o último campeão que a humanidade teve.
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Roberta Duarte é física, faz doutorado em astrofísica pela Universidade de São Paulo (USP) e trabalha com aplicações de inteligência artificial na astrofísica de buracos negros.
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