Por que um país sem vulcões ainda deve se preocupar com eles?
Por Adriana Alves
Nem todos são tão inofensivos como o que está em erupção na Islândia
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Nas últimas semanas os noticiários nos brindaram com belas imagens da erupção de um vulcão islandês situado a 30 km da capital, Reykjavik. Cientistas aproveitam a oportunidade para coletar amostras frescas de lava, enquanto moradores jogam vôlei nas cercanias do vulcão que acabou se tornando uma atração turística. A aparente placidez da erupção pode enganar os espectadores sobre os perigos que vulcões ativos representam. Mas nem todo vulcão do país é tão inofensivo assim.
No século 18, nove mil islandeses morreram em decorrência de uma erupção vulcânica de grande magnitude. No vale do Nilo, a 5,5 mil quilômetros dali, os egípcios experimentaram uma das maiores crises agrícolas de sua história, que gerou uma onda de mortes por inanição e dizimou 1/6 dos habitantes da região.
Aparentemente desconectados, os dois eventos foram provocados por diferentes agentes de um mesmo autor: o vulcão Laki, no sul da Islândia. Os efeitos imediatos foram sentidos pelos islandeses, que inalaram gases tóxicos e conviveram com os funestos efeitos dos vastos volumes de lavas. No segundo sítio, as mortes foram desencadeadas pela nuvem de cinzas que se espalhou em direção ao sul, carregando, além de material particulado, gases como enxofre, que em altas concentrações pode levar à diminuição das temperaturas e causar chuvas ácidas, ambas com efeitos catastróficos para a agricultura.
Outro vulcão islandês teve efeitos que ficaram conhecidos no mundo todo. A explosão do Eyjafjallajökull em 2010 foi responsável por uma interrupção do tráfego aéreo global que acarretou graves consequências econômicas e sociais.
Mas por que vulcões de um mesmo país suscitaram efeitos significativos em áreas geográficas tão diversas? A resposta, desoladora para os cientistas, foi delineada em trabalho publicado na revista Nature Communications no início de 2021.
Historicamente, os vulcanólogos acreditavam que quanto maiores as partículas expelidas durante explosões vulcânicas, menor seria seu tempo de permanência na atmosfera e, por conseguinte, menor o alcance da nuvem de cinzas.
Entretanto, os resultados do trabalho indicam que, mesmo com diâmetros relativamente grandes, as partículas se mantêm em suspensão e viajam por dias e até meses a distâncias tão impressionantes quanto os mais de cinco mil quilômetros das cinzas do vulcão Laki, ou mesmo distâncias supra-oceânicas, como ocorreu com o Eyjafjallajökull.
Os mecanismos que governam a dispersão dessas partículas envolvem sofisticados fatores aerodinâmicos, mas as simulações numéricas e as observações de campo revelaram um sistema extremamente eficiente em que partículas de menor tamanho formam um invólucro em torno de partículas maiores, permitindo sua sustentação em suspensão. Essa viagem sustentada se dá em decorrência da maior interação proporcionada pelo aumento da área superficial do agregado de partículas e das intrincadas células de convecção do ar que se formam nos contatos entre elas. É como se ao pegar carona em uma partícula relativamente grande, as menores encontrassem um meio mais eficiente de chegar em maior número a distâncias substancialmente maiores. Não por acaso, o mecanismo foi apelidado de rafting, em alusão ao esporte radical.
A notícia é desoladora por um motivo em particular: os estudos foram conduzidos a partir da observação de vulcões relativamente pequenos, que não fazem sombra às maiores erupções que a Terra já testemunhou. Um desses gigantes, o sistema de Yellowstone, ora adormecido, tem potencial de causar explosões cuja magnitude sequer pode ser mostrada em livros, já que a magnitude do vulcanismo é representada em uma escala logarítmica –que está para os vulcões assim como a escala Richter está para os terremotos.
A cadeia vulcânica de Yellowstone, nos Estados Unidos, é composta por cerca de 60 mil quilômetros cúbicos do tipo mais explosivo de lava do planeta (as ricas em silício e gases). Se tal cenário já é assustador por si só, ele se torna mais catastrófico quando considerado o subsistema mais profundo, que apesar de menor potencial explosivo tem um volume quatro vezes maior que o sistema superficial.
O que aconteceria caso Yellowstone entrasse em erupção? Os seres petrificados de Pompéia e as superproduções hollywoodianas nos sugerem um prognóstico nada animador.
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Adriana Alves é geóloga e professora da USP.
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