Uma guerra sob nossos pés

Ilustração: Larissa Ribeiro
Ciência Fundamental

Por Pedro Lira

Embaixo da terra, plantas travam briga silenciosa por água e minerais

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Como estudar a parte da vegetação que se esconde no subsolo? O crescimento das raízes das plantas se pauta por alguma regra? Pesquisadores do Brasil, Espanha e EUA se uniram para responder a essa questão fundamental da ecologia e as conclusões foram surpreendentes. As árvores competem entre si e “calculam” como e onde suas raízes devem crescer, de acordo com a proximidade das plantas vizinhas –e concorrentes.

A lógica é simples. Uma planta só vai expandir suas raízes se os recursos naturais no ponto onde ela se encontra forem suficientes para lhe gerar benefícios. Quem explica é um dos principais autores do estudo, o físico Ricardo Martinez-Garcia, docente no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e no Instituto Sul-Americano de Pesquisa Fundamental, em São Paulo. “É mais custoso para uma planta absorver recursos a dois metros de seu caule do que a dez centímetros dele, pois, como ela não pode se deslocar, é necessário produzir uma raiz mais longa.” Ou seja, ela precisa ponderar custos e ganhos.

O grau de complexidade aumenta se houver uma segunda planta nos arredores, quando então as duas passam a competir pelos recursos disponíveis. Imagine certa quantidade de água em determinado ponto, que fica a dois metros de uma planta e a meio metro de outra. Mesmo que as duas plantas dividissem essa água disponível de maneira idêntica, a mais próxima da fonte a obteria a um custo menor.

Os pesquisadores chegaram a essa conclusão graças a uma simulação de como as plantas espalham suas raízes sob a terra. O cálculo foi pensado a partir da teoria dos jogos, ramo da matemática que investiga situações estratégicas nas quais os objetos de estudo escolhem como agir em busca de um resultado melhor.

O estudo ganhou destaque após estampar a capa da revista Science, em dezembro de 2020. Até então havia duas teorias contraditórias para explicar o comportamento das raízes de uma planta em presença de uma concorrente. Uma sustenta que as plantas respondem à competição reduzindo o tamanho de seu sistema radicular, ou seja, elas investem menos em raízes diante de concorrentes. Já a outra mira a massa total de raízes produzidas, seja quando a planta cresce sozinha, seja quando disputa os recursos com concorrentes, quando então ela produz mais raízes.

Afinal, uma planta, na presença de outras plantas, reduz seu sistema radicular ou produz mais raízes? “Como nosso trabalho incorpora o número de raízes que uma planta produz e também a posição do espaço onde ela as produz, conseguimos conciliar as duas teorias: se têm concorrentes, as plantas produzem mais raízes perto do caule e menos longe dele.”

Do ponto de vista teórico, a descoberta é fundamental para entender melhor os ecossistemas do planeta. Segundo Garcia-Martinez, a ferramenta pode ajudar a prever como os biomas otimizam recursos hídricos e respondem a mudanças climáticas. “Em termos de ciência aplicada, o modelo pode nos ajudar a desenvolver cultivos otimizados, distribuindo as plantas de tal modo que elas produzam mais frutos, já que vão gastar menos energia espalhando raízes”, explica.

Esta foi apenas a primeira etapa do estudo. Os pesquisadores partem agora para aprofundar o modelo, investigando as interações em sistemas com mais de duas plantas, com espécies e em condições climáticas diferentes.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira

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