Cientistas introvertidos, não estamos sós
Por Fernanda Gervasoni
O meio acadêmico me obrigou a explorar um aspecto extrovertido que não é da minha natureza
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Foi numa conversa entre amigas, depois que lamentei como eu havia me tornado uma pessoa super antissocial, que uma delas comentou: “Você não é antissocial, é introvertida”. Nem sabia o que era uma pessoa introvertida de verdade, só conhecia bem os extrovertidos, que afinal são mais reconhecíveis. Introversão sempre me soou um pouco mal. Então fui pesquisar sobre o termo e me senti quase que abraçada.
No meio científico, saltam aos olhos pessoas que têm mais facilidade em se expressar, que sabem vender seu peixe, pessoas mais expansivas, didáticas e falantes –os tais extrovertidos. Por outro lado, não é tão difícil identificar os mais quietos, os tímidos que às vezes gaguejam, inseguros, ao tentar demonstrar a importância do próprio trabalho. Só depois de refletir sobre a dicotomia introversão/extroversão eu pude ter um olhar mais complacente sobre os introvertidos.
No início da década de 20, o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Jung fez uma distinção entre dois tipos de disposição no ser humano, os extrovertidos e os introvertidos –os primeiros basicamente se interessam mais pelo mundo externo, os segundos, pelo mundo interno. E isso em geral define várias características dessas personalidades –o extrovertido é mais falante, gosta de estar com pessoas; os introvertidos preferem o silêncio e apreciam a solidão.
Mas como isso afeta a nós, cientistas? Quando pensamos em cientistas, a primeira imagem que nos ocorre são pessoas enfurnadas em laboratórios, de jalecos e óculos de proteção, segurando uma pipeta e um tubo de ensaio –enfim, pessoas que arriscaríamos dizer que são mais caladas e tímidas. Mas o meio científico está longe de ser um mundo para quietos. Hoje, além de realizar pesquisas, obter e publicar dados em revistas de alto impacto, os cientistas precisam saber dar palestras e apresentar seus dados de maneira muito afirmativa para uma comunidade científica, na maioria das vezes nada amigável e bastante competitiva. Sem mencionar a necessidade premente de divulgar a ciência para um público bombardeado de “informações” desprovidas de evidências e argumentos. Cientistas não podem deixar seus dados confinados ao mundo científico. Esse ambiente midiático parece inóspito aos introvertidos.
O meio acadêmico e científico me obrigou a explorar cada vez mais um aspecto extrovertido que em princípio não é da minha natureza. Isso foi bom, me ensinou a ressaltar a importância da minha pesquisa. Por outro lado, no mundo tagarela em que vivemos, precisei abafar muitas qualidades do meu lado introvertido, aspectos que poderiam ser úteis para minhas pesquisas.
Os introvertidos precisam se conectar consigo mesmos para buscar sua criatividade e entender suas questões, muitas vezes revolucionárias para o meio. Sem momentos de quietude, pode ser que não alcancem tal façanha. O livro “O Poder dos Quietos”, de Susan Cain, fala muito sobre essa necessidade que pessoas introvertidas têm de conseguir elaborar suas ideias e agir. Além de contar sua experiência, a autora cita muitos cientistas que eram também introvertidos e realizaram grandes feitos, como Charles Darwin, Albert Einstein, Marie Curie e o próprio Carl Jung, que sempre se reservaram momentos de quietude para estudar, questionar e elaborar suas ideias.
Com a leitura desse livro pude enxergar mais de mim, dos outros e aceitar que a introversão é minha tendência natural. Pude identificar que tipo de socialização se espera nos diferentes meios, traçar estratégias pessoais para minimizar as desvantagens dessa disposição e facilitar as exposições, ou pelo menos torná-las menos custosas emocionalmente.
No entanto, ter desenvolvido a extroversão, mesmo que indo contra minha natureza, me trouxe muitas conquistas que não teriam sido possíveis se tivesse me conformado à introversão, e, portanto, digo por experiência própria que ninguém precisa ser uma coisa ou outra. Abrace a sua natureza e explore além da sua zona de conforto.
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Fernanda Gervasoni é professora do curso de geologia da Universidade Federal de Goiás.
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