O que esperar da grande revolução astronômica
Por Thiago Gonçalves
Promessas dos telescópios que vêm por aí
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Estamos à beira de uma revolução em nosso entendimento sobre o universo. Nos próximos 10 anos, assistiremos à inauguração de telescópios e observatórios que nos permitirão ver mais longe e mais detalhadamente. Mas, ainda que munida de novos olhos, a ciência não trabalha apenas com dados –vale-se de modelos e teorias. E é a partir de estudos que se constroem instrumentos que vão confirmar os modelos aventados.
Para compreender como funciona esse processo, tomemos como exemplo o telescópio James Webb, prometido para meados da década passada. Com novas câmeras e um espelho de 6,5 metros de diâmetro, 4 metros maior que o do revolucionário Hubble, ele foi desenhado para observar as primeiras galáxias do Universo. Se lembrarmos que a luz tem uma velocidade finita, podemos concluir que quanto mais distante um objeto, mais tempo a luz leva para chegar a nós, e mais antigo é o objeto observado. O Hubble , que reescreveu a astronomia nos últimos 30 anos, foi crucial para quebrar récordes, mas não alcançou às primeiras estrelas, às primeiras galáxias. Diversos modelos preveem as características desses fósseis cósmicos, mas sem dados não há como avaliar qual é o correto.
Tal feito caberá ao James Webb, com o qual poderemos não só ver a primeira geração de estrelas no Universo, mas também encontrar nossas origens cósmicas e tentar entender como tudo começou. Mas não só. Ele também poderá investigar as atmosferas de planetas ao redor de estrelas diferentes do Sol. Nos últimos anos, descobrimos milhares de planetas, muitos deles semelhantes à Terra, simplesmente medindo a diminuição do brilho da estrela quando o planeta passa na frente dela.
Já a descoberta de vida é muito mais difícil. Uma das principais estratégias consistiria em medir a alteração da luz da estrela quando ela atravessa a atmosfera planetária. Para tanto, seria necessário um telescópio com enorme sensibilidade –e mais uma vez o James Webb figura com potencial de protagonizar essa descoberta.
E ele não virá sozinho. Até 2029, serão inaugurados três telescópios colossais: o Magalhães Gigante, com 24 metros de diâmetro; o Trinta Metros (de nome autoexplicativo), e o Europeu Extremamente Grande, com impressionantes 39 metros de diâmetro. (Hoje os maiores do mundo têm 10 metros.)
Em conjunto, esses observatórios terrestres poderão acompanhar as descobertas espaciais, oferecendo pistas como o movimento de estrelas ou a composição química das primeiras galáxias, ajudando a compreender os processos físicos que culminaram na primeira geração de estruturas no cosmos. Ao criar novos instrumentos, porém, devemos estar abertos ao que não esperamos encontrar –é a tal serendipidade.
Alexandre Fleming e Henry Becquerel, responsáveis pela descoberta da penicilina e da radioatividade, respectivamente, ilustram a surpresa positiva do inesperado. Para ambos, os avanços se deram por acaso, se bem que decorreram de técnicas com as quais eles já trabalhavam –e os dois estavam permeáveis a evidências que à época fugiam da compreensão.
O mesmo pode ser dito de Fritz Zwicky, que na década de 1930 descobriu a matéria escura. Seus estudos, no entanto, foram descreditados por seus pares, e a matéria escura só foi levada a sério a partir da década de 1970, com Vera Rubin.
Outros astrônomos tiveram melhor sorte. Arnold Penzias e Robert Wilson observaram pela primeira vez a radiação cósmica de fundo (uma confirmação observacional do Big Bang); Jocelyn Bell e seu supervisor Anthony Hewitt descobriram os pulsares, remanescentes energéticos de estrelas mortas; as equipes lideradas por Adam Riess, Brian Schmidt e Saul Perlmutter viram as primeiras evidências da energia escura. Todos esses trabalhos obtiveram resultados imprevisíveis, e todos foram agraciados com o prêmio Nobel .
O importante com a revolução tecnológica é manter a mente aberta. Os novos telescópios poderão observar fenômenos inéditos, e os cientistas deverão esperar o inesperado.
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Thiago Gonçalves é astrônomo no Observatório do Valongo/ UFRJ e divulgador de ciência.
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