Nesta notícia, nenhum asteroide se choca com a Terra
Por Renata Fontanetto
Títulos caça-cliques mais desinformam do que comunicam os processos da ciência
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Que atire a primeira pedra (ou meteorito) quem nunca se deparou com um título sensacionalista sobre astronomia. No dia 7 de janeiro, um jornal informou que, segundo a Nasa, o asteroide 2009 JF1, de 130 metros de diâmetro, poderia se chocar com a Terra em 6 de maio de 2022. No dia seguinte, Thiago Signorini Gonçalves, professor no Observatório do Valongo (OV) da UFRJ e membro da Sociedade Astronômica Brasileira, foi ao Twitter dizer que o objeto tem 0,026% de chance de colidir com o planeta e que, na realidade, ele tem 13 metros.
Ai ai ai e lá vamos nós…
Um asteroide de 130 metros tem 0,026% de chance de se chocar com a Terra em maio do ano que vem.
Isso NÃO quer dizer que “a NASA falou que asteroide pode causar destruição em massa em 2022”.
Parem, gente, por favor. pic.twitter.com/fuMUoWTPVR
— Thiago S Gonçalves (@thiagosgbr) January 8, 2021
Notícias que pintam a astronomia com as tintas do fim do mundo, ou que apenas pensam na conversão de tráfego on-line para um site –a famosa tática “caça-cliques”– prestam um desserviço: “Transformam o noticiário científico num sensacionalismo que não tem a ver com a pesquisa, separando o público mais ainda da comunidade científica”, diz Gonçalves. Para o astrônomo, que estuda a formação e evolução de galáxias, o propósito seria mais impressionar do que informar: “Estamos perdendo a chance de apresentar o que é o método científico”.
E quais seriam as chances reais de um asteroide colidir com a Terra? Depende. Um objeto é considerado potencialmente perigoso se, ao passar próximo à órbita da Terra, chegar a uma proximidade menor do que 20 vezes a distância até a Lua e caso tenha mais de 100 metros de diâmetro. O monitoramento é efetuado, entre outros, por astrônomos que trabalham com a mecânica celeste e estudam a dinâmica das órbitas dos objetos que estão no Sistema Solar. Diana Andrade, também pesquisadora no OV, tem entre seus objetos de estudo os meteoritos. Com o grupo Meteoríticas, ela viaja o Brasil com outras pesquisadoras em busca de materiais caídos do céu para analisá-los em laboratório.
“Entre Marte e Júpiter, existe um cinturão com muitos asteroides, a maioria com diâmetros pequenos, menores que 100 metros. Há três grupos que têm órbitas próximas à da Terra: Apollo, Atenas e Amor. Os Objetos Próximos à Terra (NEOs, na sigla em inglês) são muito estudados porque duas destas classes –Atenas e Apollo– podem cruzar com a nossa órbita e oferecer algum tipo de risco”, explica a astrônoma. Isso não significa que eles cairão no planeta, mas apenas que as trajetórias precisam ser monitoradas. “A própria atmosfera terrestre consome objetos pequenos por meio do atrito ocasionado por sua entrada. Ele não chegará aqui ou, então, chegará em pedaços menores”, esclarece.
No site da Nasa, existe uma lista com corpos celestes em constante monitoramento. O 2009 JF1 está lá, em quarto lugar. A página traz muitos termos técnicos, mas uma coluna, a última, comunica de forma simples e objetiva, utilizando a escala de Torino. Criada pela União Astronômica Internacional, a escala informa se um corpo próximo à órbita da Terra é perigoso, se pode cair e qual seria o grau de devastação no planeta. De zero a dez, cada número informa o potencial risco, onde zero significa baixíssimo risco de colisão e dez, colisão certa, com destruição em escala global. Atualmente, na última coluna a maioria dos objetos apresenta risco zero.
“Mesmo que um objeto seja sinalizado nos níveis um, dois, três ou quatro, é possível enquadrá-lo no nível zero a partir de novas observações”, informa a astrônoma. Do nível cinco em diante, os corpos são considerados grandes e muito próximos à Terra, o que motivaria um esforço internacional para estudá-los e, se for o caso, buscar minimizar os danos decorrentes do impacto. Eventos dos últimos três níveis são raros –o último acontecimento no nível dez foi o provável asteroide que contribuiu para a extinção dos dinossauros há cerca de 66 milhões de anos.
Se a probabilidade é pequena, grande é a importância de investir nesse tipo de ciência básica. Na opinião de Gonçalves, a ciência não é imediatista, mas uma atividade a longo prazo. “À medida que vamos entendendo, podemos aplicar o conhecimento de formas que a gente nem esperava”, observa. Astronomia, para ele, tem a ver com origens: a do universo e a do nosso lugar nele.
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Renata Fontanetto é jornalista, coordenadora do Núcleo de Mídias e Diálogo com o Público do Museu da Vida, da Fiocruz.
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