Sem saber epidemiologia, o matemático foi lá e fez
Por Pedro Lira
Gonçalo Oliveira se aventurou pela matemática biológica e contribuiu para a pesquisa sobre epidemias
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Matemático e professor da Universidade Federal Fluminense, Gonçalo Oliveira não era familiarizado com a biologia. Mas, graças à pandemia da Covid-19, passou a olhar para esse universo. Movido pela curiosidade, ele apontou um problema no modelo-padrão utilizado internacionalmente para o controle de epidemias. A observação acabou rendendo um artigo publicado na “Journal of Mathematical Biology”, que os revisores definiram como “uma necessária extensão da teoria”.
A epidemiologia é a ciência que estuda os fatores que determinam a frequência e a distribuição das doenças nas coletividades humanas. A partir da primeira pessoa infectada, o chamado paciente zero, é possível mapear epidemias e pensar estratégias de controle. O grafo –a representação visual de um modelo matemático– que modula epidemias tem a forma de uma árvore: a raiz é o paciente zero; o tronco é a primeira pessoa que ele infecta; os galhos são os demais infectados. Quanto mais frondosa a árvore, maior o problema.
“Essa lógica parte do princípio de que a probabilidade de contágio de uma infecção é sempre igual, independentemente do tipo de contato que as pessoas têm entre si”, explica Oliveira. Ou seja, as chances de o paciente zero infectar seu companheiro de apartamento seriam as mesmas de contaminar alguém em que ele tenha esbarrado no metrô, por exemplo. “A suposição simplifica o modelo, mas é irrealista”, diz o professor.
Oliveira então sugeriu uma adaptação do modelo, levando em conta variados tipos de interações e suas probabilidades de transmissão de vírus. Na prática, este novo grafo multiplica as árvores que modelam o contágio, todas elas partindo da mesma raiz, o paciente zero. O que ele fez foi a mesma análise do modelo anterior, mas agora as diferentes árvores modelam diferentes tipos de interações.
A solução do matemático é mais complexa, mas não implica um cálculo muito mais difícil. Por exemplo, para determinar a média de contágios por infectado é preciso apurar apenas três informações: as probabilidades de transmissão de cada tipo de interação (encontros fortuitos no transporte público, convivência em espaços de trabalho); a média do número médio de interações de cada tipo por indivíduo; e a média do quadrado do número médio de interações de cada tipo por indivíduo.
Pode parecer complicado aos leigos, mas não aos cérebros acostumados à matemática. “É um modelo que não depende de muitas variáveis. Basta encontrar árvores mais simples que modelem de forma macroscopicamente fiel um surto epidêmico real,” garante o professor.
Apesar de a Covid-19 ter inspirado o modelo, este pode ser usado para estudar outros fenômenos associados a modelagens de surtos epidêmicos, como os indivíduos “super-spreaders” –que, por terem contato com muita gente, infectam um grande número de pessoas– e os “super-shedders” –os quais, altamente infecciosos, acabam por infectar muita gente. “Esse modelo é adequado para identificar o efeito dessas figuras na distribuição de uma epidemia, comparar os dois tipos ou até juntar um ao outro”, explica o pesquisador.
A confiança do matemático no modelo é recente. Sua área de pesquisa explora objetos geométricos por meio da física, não tem nada a ver com a biologia matemática. “Comparei meu artigo com outros para ver se estava bom e pesquisei para confirmar que ninguém havia escrito isso antes”, conta. Ele submeteu o estudo aos revisores sem antes mostrá-lo a colegas da área. “Tinha medo de estar escrevendo algo trivial”, confessa.
Só percebeu a relevância do material quando leu o feedback dos especialistas que, além de não apontarem correções, destacaram a importância da descoberta para as pesquisas na área. “Um problema que eu tenho, e muitos outros matemáticos também, é achar que só vou entender uma coisa se eu a fizer. Então estudei e fiz”, conclui.
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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira
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