A larva que come plástico
Por Ruam Oliveira
Danielle Trentin descobriu por acaso que uma mariposa em estágio larval se alimentava do pote que a abrigava
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A Galleria mellonella é um inseto que, antes de virar mariposa, passa por seis estágios larvais diferentes. Na natureza, sua alimentação é à base de cera e pólen, mas pode mudar quando a confinamos num pote de plástico: ela come o próprio recipiente. A descoberta, que veio por acaso, pode contribuir para a redução do lixo que produzimos.
Experimentos científicos vêm empregando larvas de determinados insetos a fim de diminuir a utilização de animais como ratos e camundongos. Tais larvas são infectadas e então estudadas. É o que faz Danielle Trentin, professora de microbiologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, que pesquisa compostos para controle de bactérias de importância médica –aquelas que causam, dentre outras coisas, infecções hospitalares. Em seus experimentos com as larvas da Galleria mellonella, Trentin observou o surgimento de pequenos furos nos potes em que ela as abrigava.
Na infância, a exemplo de tantas meninas, a futura pesquisadora desejava ser como Fátima Bernardes, queria aparecer na tevê e no jornal. Mas no colégio suas disciplinas preferidas eram as que envolviam ciência e química. Se no plano pessoal seus interesses efetivos redimensionaram seus sonhos, na vida acadêmica suas descobertas também se impuseram sobre um projeto previamente escolhido. Ao constatar que o plástico integrava a dieta da larva, Trentin ajustou o foco de sua pesquisa para investigar o que acontecia.
Os primeiros estudos indicando que a larva consegue comer polietileno surgiram em 2017 e foram registrados na revista científica “Current Biology”. De lá para cá, mais de trinta artigos já foram escritos sobre larvas de diferentes insetos e que têm essa habilidade.
A atual pandemia obrigou Trentin e mais onze colegas que trabalham na pesquisa a se afastar da bancada e operar de casa. Sem contato direto com as larvas, nesse período eles elaboraram um artigo de revisão –ainda não publicado– apresentando 32 estudos mencionando insetos comedores de plástico.
“É uma área que chama muita atenção pelo impacto do plástico no meio ambiente, mas ainda não foram determinadas as vias implicadas no fenômeno, quais enzimas, qual o papel da larva, o papel da microbiota…”, diz a pesquisadora.
No laboratório, os pesquisadores verificaram que em apenas 24 horas a Galleria mellonella diminui em 40% o peso do plástico do vasilhame em que está contida, e que ela metaboliza parte desse material que consome, como evidenciaram os polímeros descobertos no casulo feito da seda secretada pelas larvas. Segundo Trentin, isso “significa que ela comeu o plástico, que passou pelo intestino, foi absorvido e foi para a hemolinfa [sangue dos insetos], e assim os metabólitos apareceram no casulo”.
Ao dissecar a larva, os pesquisadores detectaram em seu intestino resquícios do polietileno que fora ingerido, e também observaram que o inseto não metaboliza todo o plástico, eliminando parte dele nas fezes.
Ao longo da pesquisa, algumas larvas do biotério foram alimentados com plástico e outros não. A microbiota encontrada naquelas que comeram plástico revelou-se diferente das que não comeram. O próximo passo, assim que for possível retomar a pesquisa em laboratório, é avaliar o papel da microbiota nessa operação. A equipe preparou um coquetel que, administrado às larvas, eliminará bactérias que compõem a microbiota delas, possibilitando entender como funciona o processo de biodegradação.
Outro objetivo do estudo é verificar como os polímeros aparecem nas fezes, no casulo e na hemolinfa dessas larvas.
Que exista na natureza essa arma contra o lixo que produzimos é algo animador. Mas, por ora, o problema do plástico em excesso ainda é inteiramente nosso e podemos começar a pensar em outras soluções para diminuí-lo enquanto uma larva não nos mostra o caminho.
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Ruam Oliveira é jornalista.
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