Os microrganismos em um macrouniverso

Por Vânia Pankievicz

A microbiota não está só no intestino — tem um papel fundamental na agricultura sustentável

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Há um gigantesco mundo que nossos olhos não captam – um universo denso, complexo e dinâmico habitado por seres minúsculos. E poderosos. Se ao longo dos anos esses microrganismos mostraram seu poder de fogo, agora, com a pandemia do Sars-CoV-2, eles deixaram a humanidade numa sinuca de bico.

Em meio a tantas dúvidas, temos pelo menos uma certeza: nesse “novo tempo”, é urgente levar a cabo pesquisas sobre vírus e microrganismos cuja invisibilidade a olho nu amplifica o desafio da busca.

Quando pensamos em vírus, bactérias e fungos, logo nos ocorrem os malefícios que eles causam tanto à saúde humana como a animais e vegetais. É uma injustiça: responsáveis por incontáveis soluções para patologias humanas e animais, ainda abrem caminhos para uma agricultura sustentável, entre outros benefícios.

Se atacam o corpo humano e provocam doenças, também são determinantes na defesa do organismo. Tanto que o microbioma humano — a comunidade de bactérias e fungos que habitam o intestino, interagindo com o ambiente – já ganhou a estatura de órgão.

Pesquisas sobre a microbiota intestinal têm trazido informações importantes. Além de atuar na defesa e colaborar para a absorção de nutrientes, ela parece influenciar conexões neurais, como demonstrou uma pesquisa publicada em 2020, conduzida por cientistas brasileiros na Universidade Rockefeller, em Nova York.

Nos animais, uma descoberta recente mostrou que a presença da bactéria Lactobacillus no intestino do frango contribuiu para tornar a ave mais resistente a medicamentos que costumam deixá-la frágil e suscetível a doenças.

A microbiota do solo, a exemplo da intestinal, interfere diretamente no desenvolvimento das plantas. O estudo do microbioma das plantas e do solo tem sido considerado o pontapé inicial para a próxima revolução verde. O entendimento desse microuniverso pode apresentar alternativas para substituir aditivos químicos e recuperar as áreas plantadas, uma vez que já se entenderam os efeitos nocivos do intenso uso da terra durante as últimas décadas.

A monocultura da banana, por exemplo, pode acarretar o mal do Panamá, doença que chega a acabar com a fruta, como aconteceu em 1970, no Panamá, daí o nome da praga. A solução à época foi cultivar uma variedade resistente ao fungo responsável pela doença, mas essa resistência tinha data de validade e se acabou. E assim as alternativas vão se afunilando. Cientistas dedicados a esse estudo acreditam que somente um manejo adequado do microbioma e a implementação de uma microbiota saudável irá salvar os bananais. Um caso clássico em que os microrganismos são o problema e a solução.

Na agricultura, é cada vez mais evidente a potência desses microsseres, fundamentais para a germinação de sementes e o crescimento de plantas; para o aumento do aporte nutricional e a produção de metabólitos bioativos; para a resistência às doenças e aos períodos de seca ou a solos muitos salinos; para a aquisição de macronutrientes essenciais como nitrogênio e fosfato.

Dessas pesquisas surgiram soluções que mudaram a dinâmica da agricultura e vão interferir ainda mais nesse processo. Em algumas culturas, como a da soja, mais de 50% da nutrição da planta já ocorre com a ajuda de uma bactéria que substitui parte dos aditivos químicos nitrogenados na plantação. O mesmo se dá com a cana-de-açúcar — a presença da bactéria contribui com até 60% da nutrição da planta. Mais bactérias, menos fertilizantes químicos.

Todos esses impactos germinaram da ciência fundamental. As descobertas não acontecem do dia para noite: data de 1902 o reconhecimento de que os microrganismos estão em todos os lugares e influenciam profundamente o ambiente. Passados quase 120 anos da publicação do primeiro estudo de microbiologia ambiental apontando os benefícios de microrganismos para seu hospedeiro, permanecemos em busca de informações primárias para nos defender desses microrganismos e também aproveitar os benefícios que deles podem advir.

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Vânia Pankievicz é bióloga, pesquisadora e co-fundadora da GoGenetic, empresa de biotecnologia incubada na Universidade Federal do Paraná.

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