Igualdade de gênero em revistas científicas só ocorrerá em 18 anos
Por Rafael Loyola
Menos de 30% dos editores em periódicos da ciência da conservação são mulheres; disparidade também existe em outras áreas
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O último relatório do Fórum Econômico Mundial apontou que a desproporção de gênero no trabalho aumentou: só daqui a 257 anos o equilíbrio será alcançado. Por ora, os salários dos homens ainda são em média 40% maiores que os das mulheres.
Quer um exemplo de como essa segregação funciona estruturalmente? Com a crise da Covid-19, a renomada École Normale Supérieure de Paris cancelou as entrevistas presenciais para a admissão em seus cursos e aplicou uma prova escrita que não revelava a identidade dos candidatos. Sabe o que aconteceu? O teste selecionou duas vezes mais mulheres que homens. Um número fora da curva se comparado aos últimos cinco anos de seleção.
Esse é só mais um exemplo de que mulheres são sub-representadas em diversas áreas. Não é diferente na ciência, onde elas tendem a ser (erroneamente) consideradas menos aptas, sobretudo em STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática).
Pensando nisso, há quase dois anos fiz uma provocação aos meus alunos: em que pé estava a liderança e participação feminina em revistas de nossa área de estudo? A presença de mulheres no corpo editorial de publicações científicas é fundamental, uma vez que são os editores que decidem o que virá à luz, direcionando assim a pesquisa nas diferentes áreas da ciência. Tais editores são em geral escolhidos segundo sua liderança e contribuição acadêmica, além do reconhecimento dos pares.
Nosso estudo, que foi liderado por mulheres, avaliou a desigualdade de gênero no corpo editorial de revistas da área de conservação da natureza. Examinamos o expediente de 31 revistas internacionais, no intuito de verificar se houve maior atuação feminina ao longo do tempo.
Não foi surpresa a significativa disparidade de gênero entre os editores: de cada dez profissionais, três eram mulheres. Se considerarmos o cargo de editor(a)-chefe, a porcentagem era ainda menor, meros 19%. Tal desproporção persistia em todos os continentes, independentemente do impacto do periódico no meio acadêmico. É um fenômeno global e consistente.
Tal discrepância numérica não envergonha apenas o campo das ciências de conservação: porcentagem inferior a 30% de mulheres editoras também ocorre em outras áreas da ciência, como ecologia, matemática e medicina. Embora tenha crescido o número de mulheres em cargos editoriais das revistas de conservação, seguindo o ritmo atual, estimamos que a igualdade entre os gêneros só será atingida daqui a 18 anos.
São diversos os fatores que explicam essa assimetria. A homofilia é um deles: homens tendem a publicar pesquisas em parceria com colegas do mesmo gênero e editores homens tendem a convidar profissionais do mesmo gênero para revisar os artigos submetidos às revistas. Esse padrão cria um círculo vicioso: homens publicam mais e por isso são mais frequentemente convidados para atuar como editores de revistas científicas.
Projetos e ações inclusivas focando questões de gênero, cor, etnia e idade têm dado gás à consciência da necessidade de diminuir as desigualdades. A própria ciência já provou que grupos de pesquisa e de trabalho que valorizam a diversidade são mais produtivos e capazes de encontrar melhores soluções para problemas complexos.
A conservação da biodiversidade é um desafio complexo por natureza, que beneficia uma comunidade diversa e inclusiva disposta a solucioná-lo. A Agenda 2030 da ONU listou entre seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) a garantia de oportunidades iguais para a liderança feminina em todos os níveis de deliberações. O mesmo acontece em outras agendas internacionais como a convenção da ONU sobre diversidade biológica. Do ponto de vista acadêmico, não precisamos esperar até 2038 para que mulheres possam tomar decisões importantes na ciência internacional da conservação.
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Rafael Loyola é biólogo e doutor em ecologia. É diretor científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, professor da Universidade Federal de Goiás e membro da Academia Brasileira de Ciências.
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