É possível inverter degradação da natureza até 2050, mostra estudo na Nature

Por Clarice Cudischevitch

Para isso, são necessárias ações como a redução do consumo global de carne e desperdício. Brasileiro Bernardo Strassburg é um dos autores

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Sempre ouvimos a máxima de que é preciso cuidar melhor do planeta para preservá-lo. Agora, cientistas quantificaram o que de fato precisa ser feito para isso. O estudo, publicado na revista Nature nesta quarta-feira, 9, conclui que ainda é possível agir para inverter a curva de degradação e regenerar a natureza. Ou seja: nós podemos ser a primeira geração a deixar o planeta mais sustentável do que o encontrou.

Para isso, é preciso atuar em cinco frentes interligadas: conservação e restauração ambiental; redução do desperdício; intensificação sustentável da produtividade agrícola; dietas menos impactantes e um comércio internacional mais sustentável. “Os esforços requerem vontade política e mobilização da sociedade, mas são factíveis”, explica o professor de ciência da sustentabilidade da PUC-Rio Bernardo Strassburg, único coautor brasileiro do estudo.

Isso significa que não é necessário que todo mundo vire vegetariano. Se a sociedade caminhar para uma redução de 50% do consumo de carne e outros alimentos cuja produção demanda muito espaço, já será suficiente. Da mesma forma, bastaria diminuirmos o desperdício em 50% (atualmente, jogamos fora um terço do que produzimos). O aumento sustentável da produtividade, por sua vez, requer a aplicação de tecnologias que já estão disponíveis.

“Se adotarmos essas medidas, as recompensas serão enormes: vamos reverter a curva de perda da natureza e biodiversidade projetada para esse século e regenerar o que destruímos ao longo de 10 mil anos, sem deixar de alimentar ninguém”, ressalta Strassburg, que também é diretor executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade.

Os modelos preveem que, com os esforços recomendados, conseguiríamos inverter a curva de degradação antes de 2050 e evitar a perda futura de dois terços da biodiversidade. Em torno do ano de 2070 seria possível restaurar o planeta para o estágio em que ele está hoje (veja o gráfico abaixo). “Se migrarmos da aposta em queimadas e desmatamento e a inevitável perda de valor e mercados, o Brasil terá um potencial comprovado para liderar esta transição global, agregando valor ao agronegócio ao se posicionar como o produtor mais limpo do planeta.”

 

Crédito: IIASA. O gráfico ilustra as principais conclusões do artigo, mas não tem a intenção de representar seus resultados de forma precisa. DOI: https://doi.org/10.1038/s41586-020-2705-y

A inovação do estudo foi fazer uma abordagem ampla que incluísse modelos diferentes de biodiversidade, ecossistemas e comunidades e pensasse em estratégias integradas. “Queríamos avaliar de forma robusta se seria viável dobrar a curva de declínio da biodiversidade terrestre devido ao uso atual e futuro da terra, evitando colocar em risco nossas chances de alcançar outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, explica o autor principal do estudo e pesquisador do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA/ Áustria), David Leclère. “E, com isso sendo possível, também queríamos explorar como chegar lá e como a combinação de várias ações poderia promover sinergias.”

Ciência brasileira na Nature – três vezes

A contribuição de Strassburg foi com conhecimento sobre conservação e restauração, a partir da pesquisa desenvolvida com apoio do Instituto Serrapilheira em 2018. O trabalho, no entanto, não acaba aí: nas próximas semanas, o brasileiro vai aprofundar esse assunto em outros dois artigos que também sairão na Nature.

O segundo artigo deve ser publicado ainda este mês e aborda a conservação em sentido mais estrito. Fala sobre o papel das áreas protegidas nesse século e como ele deve ser repensado para dialogar com o entorno, as comunidades que vivem ali.

Já o paper seguinte tem Strassburg como autor principal e vai destrinchar, especificamente, os esforços de restauração. O trabalho vai detalhar em escala global como otimizar tais medidas a partir de uma abordagem múltipla, considerando elementos como as mudanças climáticas e biodiversidade. A publicação deve acontecer até o início de outubro.

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Clarice Cudischevitch é jornalista, coordenadora do blog Ciência Fundamental e gestora de comunicação no Instituto Serrapilheira.

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