As montanhas que criaram a vida
Por Fabrício Caxito
A primeira cadeia montanhosa surgiu ao mesmo tempo que organismos complexos. Coincidência?
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Existem evidências de formas de vida simples – como por exemplo as bactérias – quase tão antigas quanto o planeta, que tem cerca de 4,5 bilhões de anos. A descoberta de vestígios desses microrganismos pode sugerir que os elementos capazes de dar origem à vida aqui na Terra sejam comuns no universo, uma vez que durante a formação do planeta e do sistema solar eles já estavam disponíveis. Organismos mais complexos, porém, como os animais que conhecemos hoje, surgiram há meros 600 milhões de anos, aproximadamente. Foi nessa época que se formou a primeira cadeia de montanhas parecida com os atuais Himalaias, resultado da colisão entre placas tectônicas.
Seria um acaso a ocorrência concomitante de dois eventos tão importantes na história do planeta? Senão, como é que o surgimento de cadeias de montanhas de relevo alto poderia ter influenciado no aparecimento de formas de vida complexas, que ainda não haviam se desenvolvido, mesmo tendo desfrutado de quase 4 bilhões de anos para tanto?
Podemos encontrar pistas para solucionar esse mistério nos perguntando do que os animais precisam para se desenvolver. Já foi demonstrado que suas várias necessidades são controladas sobretudo por dois fatores, oxigênio e nutrientes. Como as cadeias de montanhas poderiam ter fornecido esses elementos a eles?
Quanto mais alta uma região, mais rapidamente ela sofre a ação do tempo e de agentes intempéricos como a chuva e o vento, e mais rapidamente ela será erodida e desmontada, com seus destroços levados ao mar. Não à toa existe o ditado água mole em pedra dura… Em meio a esses destroços se encontram partículas minerais ricas em diversos elementos que funcionam como nutrientes para a vida marinha, tais como o fósforo e o selênio.
Mas, se desvendamos a questão dos nutrientes, o que dizer do oxigênio? As reações químicas implicadas no intemperismo das rochas em cadeias de montanhas consomem gás carbônico, o principal gás de efeito estufa. O carbono se aloja nas rochas e é soterrado junto com os sedimentos que foram parar no oceano. E, entranhado, não consegue reagir com o oxigênio da água para mais uma vez formar gás carbônico. Desse processo resulta uma maior liberação de oxigênio que se espalha pelo oceano e pela atmosfera. Pronto: eis o segundo fator essencial para o desenvolvimento dos animais. Nesse caso, ao contrário da expressão cunhada por Horácio, a montanha pariu mais que um rato…
A hipótese de que o aparecimento das cadeias de montanhas parecidas com os Himalaias e o surgimento de formas de vida complexas tenham sido dois eventos interligados é, portanto, coerente. Mas por que só há 600 milhões de anos essas montanhas irromperam?
A Terra é um corpo que desde sua formação vem tentando perder calor para o espaço. As erupções vulcânicas e outros fenômenos como os gêiseres são testemunhas da enorme panela de pressão que vem resfriando há bilhões de anos. Até determinado momento, o calor interno do planeta era alto demais para que as placas tectônicas, seu revestimento externo, mergulhassem no manto terrestre a um ângulo grande a ponto de causar o soerguimento da superfície a alturas como a dos Himalaias, de até 8 mil metros. Há 600 milhões de anos, no entanto, a Terra resfriou o suficiente para que as placas pudessem afundar de forma quase vertical no manto subjacente. Este mergulho causou um rebote isostático da placa superior, que começou a se elevar a alturas nunca antes atingidas na história da Terra.
Este é um exemplo de como tudo, em nosso planeta, se conecta. Seus processos internos fornecem as condições para que animais complexos como o ser humano vivam em sua superfície. Devemos cuidar para não haver alterações que acabem por destruir o delicado equilíbrio entre forças externas e internas, construído em bilhões de anos de passos lentos e firmes.
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Fabrício Caxito é professor de geologia e aluno de filosofia na UFMG.
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