A revisão por pares é um trabalho fundamental (e voluntário)

Por Pedro Val

O processo científico pode ser demorado e não é isento de falhas

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Com algumas exceções, a ciência costuma avançar a passos curtos. Transcorridos dias, meses, às vezes anos coletando e analisando dados, nós, cientistas, registramos em artigos o que pensamos ser o avanço científico que nossos resultados apontam. Depois de um vai e vem entre os autores (se os artigos tiverem mais de uma autoria), submetemos o manuscrito a um periódico científico que avaliará se ele é bom o bastante para ser publicado em seu veículo.

Como as revistas fazem essa avaliação? Bom, os editores repassam essa tarefa a outros cientistas reconhecidos na área, para que eles julguem o material e opinem sobre ele. É a chamada revisão por pares, uma das fases em que o trabalho é posto à prova. Junto com os pareceres técnicos, os revisores sugerem ao editor publicar ou não o artigo. O editor pode aceitar a indicação, rejeitá-la, ou ainda pedir aos autores que revejam alguns pontos criticados pelos revisores, para uma futura reavaliação. Revisão e nova submissão podem se repetir várias vezes antes de o artigo ser aceito.

A avaliação por pares é uma etapa-chave para o avanço científico. O que nem todo mundo sabe, porém, é que, quando revisamos artigos para revistas, nós não somos remunerados. Tampouco os editores. Fazemos esse trabalho de graça, pelo bem do progresso científico. E mesmo assim boa parte das revistas científicas cobram dos autores para publicar o manuscrito, embora isso não comprometa a seriedade do veículo, que só o publicará segundo a recomendação dos pareceristas. As revistas cobram nas duas pontas: dos autores e dos leitores. E o miolo fica à mercê da boa vontade dos cientistas. Visto que é difícil conseguir revisores por este e muitos outros motivos, como afazeres individuais (é preferível gastar meu tempo fazendo minha ciência do que revisando um artigo de outra pessoa, por exemplo), podem se passar meses e até anos, conforme a área de pesquisa, entre a submissão de um trabalho e a sua eventual publicação.

Saiba mais sobre a pesquisa de Pedro Val no vídeo abaixo:

A demora na sequência “submeter o artigo/ esperar os pareceres/ reavaliar o trabalho/ reapresentá-lo” talvez gere mais perdas do que ganhos. Para pós-graduandos, em especial, isso pode ser desastroso, pois eles dependem disso num momento em que pleiteiam bolsas, empregos, concursos etc. Ter artigos publicados é crucial.

Apesar de fundamental para a ciência, a revisão por pares não é isenta de falhas. Por vezes, devido à sobrecarga pessoal dos revisores, a avaliação do manuscrito pode ser apressada e não contribuir para que os autores melhorem seu trabalho, propósito final da leitura do especialista. Outro problema que, infelizmente, repete-se com frequência, é a revisão com viés ou ataques pessoais, facilitada pelo anonimato, por vezes obrigatório, dos pareceristas. Certa vez tive um artigo severamente criticado por um determinado revisor. Desanimado, deixei o texto na gaveta por mais de um ano. Nesse ínterim perdi a oportunidade de apresentar um trabalho inédito, pois outros pesquisadores publicaram um artigo que demonstrou o que eu gostaria de ter feito com o meu. A quem passa por isso, recomendo ignorar comentários claramente enviesados e pisar no acelerador ao invés de frear. Toda a experiência pode servir de alavanca para o artigo antes rejeitado.

Deixo aqui duas reflexões de um mentor que muito me ajuda na carreira acadêmica: a revisão por pares (como é feita hoje) é um processo aleatório – dentro dessa ótica, ter o artigo aceito depende mais do número de tentativas do que da avaliação de revisores. E o fluxo de submissão deve igualar o fluxo de publicação – o tempo que um artigo fica parado em revisão pouco importa dentro desta ótica, ou seja, o que importa é que artigos submetidos não sejam abandonados no meio do processo devido a revisões aparentemente impeditivas. A verdadeira contribuição de qualquer trabalho se refletirá na comunidade científica ao longo do tempo.

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Pedro Val é geólogo e professor na Universidade Federal de Ouro Preto

Esta coluna foi produzida especialmente para a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Colunistas cederam seus espaços para abordar temas relacionados ao processo científico, em textos escritos por convidados ou por eles próprios.

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