Mais perto da internet quântica graças a uma brasileira
Por Clarice Cudischevitch
Samuraí Brito quase desistiu, mas acabou na capa da “Physical Review Letters”
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A internet quântica ainda não existe, mas é questão de tempo. Por ora, graças a uma mulher, brasileira, nordestina, descobrimos que as fibras óticas que hoje suportam a internet não darão conta da comunicação quântica em escala global.
Essa mulher é Samuraí Brito, autora principal de um estudo pioneiro que foi capa de uma das publicações sobre física mais importantes do mundo, a “Physical Review Letters”. A descoberta, embora soe pouco animadora, é importante para entendermos a estrutura necessária para operacionalizar a internet quântica, aquela que garantirá segurança absoluta na troca de informações. Ao mostrar as propriedades estatísticas de uma rede que ainda nem existe, a física abriu caminhos para as pesquisas que a tornarão possível.
Desde criança ela sabia que queria ser cientista. Uma das cinco mulheres na turma de cinquenta alunos na graduação em física na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a jovem se desafiava para superar suas próprias expectativas e se destacar em meio aos “meninos superpoderosos”, como ela diz. “A gente cresce num ambiente tão machista que acha que os nomes de sucesso sempre serão dos homens, e acaba querendo ser igual a eles.”
Ao se casar e engravidar ainda nos primeiros anos da faculdade, sentiu os olhares de reprovação. “Alguns professores falaram que eu deveria largar a física, como se não pudesse ser mãe e fazer ciência ao mesmo tempo. Não ouvi de ninguém ‘não desista’. Sumi por dois anos e quando voltei não era mais ninguém ali.”
Após concluir a licenciatura, ela se inscreveu no processo seletivo para o mestrado. Foi reprovada. Como teve gente que passou com notas mais baixas que as dela, Brito procurou o coordenador para entender o que tinha acontecido. Ele respondeu que não tinha explicação. Ela então decidiu cursar o bacharelado e se propôs a tirar nota máxima em todas as disciplinas. Dito e feito.
Uma das matérias obrigatórias para ser admitida no mestrado era física quântica, o terror dos alunos. Sem os pré-requisitos para se matricular no curso, Brito pediu para seguir as aulas como ouvinte. Foi uma das melhores alunas da turma. “No final do semestre, um professor me perguntou: ‘Você é casada? Tem filhos? Não estou entendendo suas notas. Não esperava esse rendimento’.” Foi convidada a ingressar no mestrado por, agora sim, “ter o perfil”.
Única aluna da turma no mestrado a tirar A em todas as disciplinas, na seleção do doutorado ela passou em primeiro lugar e conseguiu a melhor bolsa do CNPq, fundamental para que pudesse se manter financeiramente. No início do doutorado, outra gravidez inesperada. Como a qualificação seria pouco depois do parto, ela fez as provas no puerpério. Passou.
Samuraí é um nome indígena e significa “fruta doce”. Seu avô paterno era descendente de índio, mas foi a avó, cigana, que sonhou que viria uma neta e que a criança teria esse nome. Sua mãe tinha certeza de que teria um menino, e na época não havia dinheiro para o ultrassom.
Ela estudou em escolas públicas a vida toda. No ensino médio, queria ingressar na escola técnica e, sem dinheiro para o curso preparatório, participava de aulões promovidos por vereadores num ginásio em Natal. “Tínhamos que anotar nossas dúvidas num papel, amassar numa bolinha e jogar no palco. Os professores pegavam algumas e respondiam”, conta. “Fora o preconceito machista, não tive nenhuma decepção na carreira. Nunca me arrependi de ter escolhido essa área.”
Cada vez mais interessada pela relação entre a informação quântica e a teoria das redes (em geral aplicada à física clássica), Brito chegou ao pós-doc no Instituto Internacional de Física, em Natal. Integra o grupo de Rafael Chaves, com quem publicou o paper que foi parar na capa da PRL.
No estudo, a pesquisadora propõe o primeiro modelo de redes para a internet quântica e, por meio de simulações numéricas, prova que para criá-la precisaremos de uma estrutura diferente da atual. Seu grupo, no entanto, não parou por aí. Eles já cogitam uma solução alternativa para operar a internet do futuro: satélites distribuidores de emaranhamento quântico. São cenas de um próximo paper.
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Clarice Cudischevitch é jornalista, coordenadora do blog Ciência Fundamental e gestora de comunicação no Instituto Serrapilheira.
Esta coluna foi produzida especialmente para a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Ao longo do mês de julho, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionados ao processo científico, em textos escritos por convidados ou por eles próprios.
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