Estará a Lua no céu quando ninguém está olhando?

Por Rafael Chaves

A mecânica quântica parece contradizer algumas de nossas ideias mais fundamentais

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A teoria quântica, nascida no começo do século passado para explicar o comportamento da natureza em suas escalas mais ínfimas, passou por todos os testes experimentais a que foi imposta, sendo considerada a mais completa e bem-sucedida teoria física. Entretanto, algumas das suas predições são bastante contraintuitivas e até mesmo paradoxais.

Uma destas predições é o famoso princípio da incerteza de Heisenberg. Formulado pelo físico alemão em 1927, tal enunciado levanta restrições para que se conheçam simultaneamente as propriedades de um sistema físico. Se determinamos a posição de uma partícula, ficamos impossibilitados de aferir sua velocidade. O conceito de que um sistema físico apresenta propriedades bem delineadas e que o objetivo de um experimento é revelá-las deixa, pois, de fazer sentido.

Essa nova imagem da realidade, “borrada”, era algo que mesmo alguns dos fundadores da teoria quântica não podiam aceitar. Ficou famosa uma tirada de Einstein, quando o colega Pascual Jordan lhe disse: “Observações não somente perturbam o que vai ser medido, elas o produzem […] Nós compelimos o elétron a assumir uma posição bem definida […] Nós próprios somos os responsáveis por produzir os resultados das medições que observamos”. Einstein respondeu com a pergunta: “Você realmente acredita que a Lua só existe quando olhamos para ela?”.

Procurando fundamentar a insustentabilidade desta visão na qual o observador assume o protagonismo e a realidade física deixa de existir, Einstein e mais dois colaboradores, Podolsky e Rosen, argumentaram que, apesar de correta, a teoria quântica seria incompleta. Em 1935, baseados em três hipóteses aparentemente naturais, eles demonstraram o que ficou conhecido como “Paradoxo EPR”. A primeira hipótese é a do realismo  –a realidade física existe, a Lua está lá em cima independentemente de alguém observá-la. A segunda é a do livre-arbítrio –o sujeito pode escolher qual propriedade de um sistema físico observar. Finalmente, a hipótese da localidade –sistemas físicos a grandes distâncias, por exemplo, em lados opostos do universo, não podem se influenciar mutuamente. Com estas hipóteses na ponta do lápis, o trio EPR provou que existiriam elementos de realidade que não eram descritos pela quântica e que, portanto, ela não poderia ser a teoria final para a descrição da natureza.

Neste ponto você pode estar se indagando se isto tudo não parece mais metafísica do que física. E não seria o único. Por muito tempo a maioria dos físicos não se importou com esta aparente incompletude, numa atitude que com bom humor poderia ser chamada de “cale a boca e calcule”, já que a quântica permitia estimar com grande precisão tudo que era observado experimentalmente.

A situação começou a mudar em 1964, quando o irlandês John Bell provou que as hipóteses que o trio EPR considerava naturais implicavam limites – conhecidos como “desigualdades de Bell” – nas correlações que podem ser observadas em um experimento realizado por dois observadores distantes. A mecânica quântica, entretanto, não respeita esses limites. Para salvar a imagem do mundo que tanto agradava a Einstein, a teoria quântica não só teria que ser incompleta como também precisaria ser incorreta.

Pulando cinco décadas de história, em 2015, três diferentes experimentos finalmente comprovaram, de maneira irrefutável, o teorema de Bell. Assim, ficou atestado que as três hipóteses do trio EPR não podem coexistir: ao menos uma delas – realismo, livre-arbítrio ou localidade – é incompatível com a forma como a natureza funciona, goste Einstein ou não. Ou seja, se salvaguardamos a ideia do livre-arbítrio e da localidade (sem as quais a própria ideia de uma ciência objetiva é posta à prova), necessariamente temos que abandonar o conceito de realismo.

Talvez a Lua de fato não exista quando ninguém a está olhando…

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Rafael Chaves é físico e pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN

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