Onde fica, quanto é ou quanto dura o infinito?
Por Edgard Pimentel
Seja na filosofia, poesia ou matemática, ele intriga a humanidade
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Um lugar muito, muito longe, um número muito, muito grande, um tempo muito, muito longo. O que será isso que chamamos infinito? Ele aparece na filosofia, na poesia e na matemática, em variados contextos. Ora tentamos entendê-lo, ora utilizá-lo.
Os gregos ocuparam-se do infinito. Zenão, por exemplo, fala dele em um de seus paradoxos, aquele sobre o dia em que Usain Bolt perde a prova dos cem metros rasos para uma tartaruga. A ideia é que se ambos largam na mesma posição, mas as passadas de Bolt são cada vez menores –infinitamente menores–, o velocista poderia correr para sempre sem nunca alcançar a linha de chegada. A tartaruga teria tempo de terminar a prova, e até mesmo espocar uma garrafa de champanhe.
Parece simples, mas a ideia de um corpo que se movimenta para sempre em direção a algo, sem alcançar seu alvo, chamou a atenção de Aristóteles. Em sua “Metafísica”, o filósofo introduziu os conceitos de potencialmente infinito (inacabado) e verdadeiramente infinito (algo completo). E foi com essa dicotomia que ele explicou o paradoxo.
Mas o infinito não é prerrogativa da ciência ou da filosofia. O poeta italiano Giacomo Leopardi se aventurou a explicá-lo por comparação com o aquilo que é finito. Em seu poema “O infinito” (uma das traduções para o português é de Vinicius de Moraes), ele não diz o que é o infinito, mas elenca atributos que ele parece não ter.
E se o assunto é atributos do infinito, temos que falar da sua utilidade. Leibniz e Newton o utilizaram. Se comparamos a distância percorrida por uma bicicleta com o tempo de percurso, falamos da sua velocidade média. Entretanto, a velocidade instantânea de um objeto –aquela que se refere a cada instante– é mais delicada: precisamos considerar distâncias e intervalos de tempo infinitamente pequenos. Não por acaso a disciplina fundada por estes gigantes é chamada cálculo infinitesimal: Zenão é um exemplo recorrente em meu curso de cálculo.
A matemática dedicou-se formalmente ao infinito com Georg Cantor (1845-1918) e sua teoria dos conjuntos, que envolve profunda abstração. E foi navegando nestas águas que ele se deu conta da existência de mais do que um único infinito! E ainda mais: da existência de infinitos com tamanhos diferentes.
Vejamos: os números naturais –1, 2, 3, e por aí vai– formam um conjunto infinito. Mas o que distingue esse conjunto é que podemos contar seus elementos. Um infinito que se pode contar é o menor de todos. Mas há ainda infinitos maiores, ou que não podemos contar.
Outra curiosidade: se a quantidade de números naturais é infinita, mas podemos contá-los, vamos dispô-los numa caixa. Da caixa, retiramos os números pares. Quantos números sobram? A pergunta torna mais sofisticado o trivial “Maria tem quatro laranjas…” e dá origem a uma coisa surpreendente: sobram tantos números quanto antes havia. Ou seja, há tantos números pares quanto ímpares. E se reunimos os dois, acabamos com a mesma quantidade. É como se dividir uma quantidade infinita pela metade resultasse no mesmo infinito.
Outra aventura é conhecida como hotel de Hilbert. Vamos imaginar um hotel com infinitos quartos, todos ocupados. O que acontece se um turista desavisado chegar? A primeira resposta é que ele estaria sem sorte. Mas não é bem assim: se mudarmos o hóspede do quarto 1 para o quarto 2, e o hóspede do quarto 2 para o 3 e assim por diante, o primeiro quarto ficará vazio e todos terão onde passar a noite. Em um hotel infinito, mesmo que totalmente ocupado, sempre cabe mais um.
Atualmente, o infinito tem sido útil na área de equações diferenciais (quem se lembra?). A estratégia é tratá-lo como o pote de ouro no fim do arco-íris: ligamos uma equação ao infinito. Seguindo o arco-íris, chegamos ao pote e apanhamos algum ouro. Não podemos trazer tudo, mas o que trazemos é suficiente: a informação vinda do infinito resolve problemas atuais, fundamentais, da área.
Seja utilizando-o ou apenas contemplando suas sutilezas, o infinito continuará a encantar e intrigar a humanidade, digamos, infinitamente.
Edgard Pimentel é matemático e professor da PUC-Rio
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