Água mole, pedra dura, tanto bate…

Por Pedro Val

Pode o clima acelerar os motores tectônicos da Terra?

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Pergunte a qualquer geocientista: fixadas todas as variáveis, qual rio escava mais rápido seu leito rochoso – aquele nas montanhas tropicais bolivianas ou aquele outro nas montanhas semiáridas da Argentina? A resposta será praticamente unânime: os rios tropicais. Faça a mesma pergunta, só que numa sala de geocientistas que estudam a evolução das paisagens. O grupo vai se dividir. Acontece que essa questão, tão simples e de resposta intuitiva, é extensamente debatida entre pesquisadores da área.

A divergência não é à toa, uma vez que hoje existem mais de 3 mil medidas de taxas de escavação de terreno no mundo inteiro e uma única variável é capaz de explicar 40% delas: o declive do terreno. Andes, Himalaias, Alpes Suíços, quanto mais íngreme, maior a erosão, e não importa o volume da chuva. Os outros 60% se atribuem a relações complexas entre chuva, tamanho dos grãos nos rios, vegetação, estabilidade do solo, resistência da rocha no substrato, entre outros. Por serem complexas, nenhuma dessas variáveis consegue explicar a erosão de maneira tão robusta quanto o declive.

Três mil medidas. Chutando por baixo, toda essa pesquisa deve ter custado ao menos 1 milhão e meio de dólares. Bem aplicados, pois esse investimento é motivado por excelentes perguntas. Uma delas é identificar se um clima mais úmido, por meio de seu pressuposto controle nas taxas de escavação, seria capaz de erodir a superfície de montanhas mais rápido do que elas levantam pelas forças tectônicas. Essa rápida remoção reduziria a massa que sustenta as montanhas, ou seja, diminuiria a sua altura e a profundidade de suas raízes crustais. Com menos massa, é menor a resistência que essa crosta oferece à colisão com a placa tectônica do outro lado. Com menor resistência, a placa que mergulha de volta para o manto abaixo das montanhas o faz mais rápido e com mais facilidade, aumentando a velocidade de convergência entre as placas. É uma hipótese fascinante –o clima seria capaz de afetar o motor do nosso planeta. Um verdadeiro duelo de titãs.

Se os dados negam tão claramente a ação da chuva na erosão, por que o debate segue? Bom, para complicar, há uma impressão digital da chuva na forma das paisagens. A quantidade de rios em um dado espaço, o ângulo de confluência entre dois rios, a declividade dos rios e das vertentes, a vegetação, são todas variáveis correlacionadas ao clima. O clima controla a forma, mas não a capacidade de escavação. Sim, os 3 mil dados das taxas de escavação escancaram um dilema.

Após duas décadas de investigação sobre o desempenho da chuva na erosão, geomorfólogos agora começam a se voltar para uma conjectura adormecida: o que controla a taxa de erosão provocada pela chuva é a vegetação, que estabiliza o terreno e permite alto declive sem aumentar a taxa de erosão. Esta é uma hipótese elegante: há de existir uma “zona perfeita”, como uma goldilocks zone, em que a erosão atinge seu máximo ao longo de um aumento moderado da chuva, mas, ao passar disso, o desenvolvimento de vegetação propiciado pelo clima mais úmido leva a uma queda na taxa de erosão. De fato, são todos argumentos intuitivos, pois ainda não encontramos essas relações de maneira robusta.

Na prática, o que se sabe é que a velocidade com que as forças tectônicas levantam as montanhas é que dita a velocidade com que os rios as erodem. Basta um pouquinho de água que isso já é possível. E se houver pouca água, a gravidade se encarrega do serviço com deslizamentos de terra propiciados pelos terremotos. De uma maneira ou de outra, haverá erosão. Mas então qual é o papel da chuva? Na verdade, o que agora se investiga não é mais quanto chove, mas de quanto em quanto tempo vem aquela tempestade capaz de carregar os sedimentos do tamanho certo para escavar as rochas, já que são os sedimentos que fazem isso, não a água. O foco agora se voltou para o que chamamos de “tempo”, em vez do clima.

A busca continua.

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Pedro Val é geólogo e professor na Universidade Federal de Ouro Preto

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