Somos poeira de estrelas
Por Karín Menéndez-Delmestre
Se vivemos no Sistema Solar, como o corpo humano é composto de elementos extrassolares?
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Todos conhecemos essa famosa declaração do astrônomo Carl Sagan, “Somos todos poeira de estrelas”. E, sim, de fato somos compostos de poeira estelar, mas poeira extrassolar, apesar de vivermos no Sistema Solar. Veja o paradoxo — somos daqui, feitos de material que não é daqui.
Foi assim. Instantes após o Big Bang, a temperatura no Universo caiu o bastante para prótons e elétrons comporem os primeiros átomos estáveis de hidrogênio. Apenas uma pequena fração dos átomos formados nessa nucleossíntese primordial é mais pesada que o hidrogênio –um pouco de hélio, pouquíssimo lítio. Podemos então pensar no Universo como um vasto espaço constituído sobretudo de hidrogênio: é ele que domina a composição das estrelas, do gás no espaço entre as estrelas e do pouco gás que ocupa as distâncias que separam as galáxias. Porém, se você olhar ao seu redor –sua família, sua vizinhança, o planeta todo–, verá que os elementos que dominam seu entorno são bem variados. Considere que pouco mais de 75% do corpo humano é composto de oxigênio e carbono, e que mais de 98% da atmosfera terrestre é composta de nitrogênio e oxigênio. Se o Universo inteiro é feito sobretudo de hidrogênio, apimentado com um pouco de hélio, teria o Sistema Solar uma composição diferente do resto?
O Sistema Solar como o conhecemos –com planetas, asteroides, planetas-anões e cometas orbitando ao redor de uma estrela central, o Sol– é o resultado do processo de formação do Sol. Uma grande nuvem de gás colapsou e gerou uma condensação central com densidade e temperatura suficientes para fusionar hidrogênio –o Sol. Os planetas e outros habitantes do Sistema Solar são o “lixinho” que sobrou desse processo. O curioso é que o Sol, ele mesmo, é composto sobretudo de hidrogênio, com um núcleo de hélio; ao longo de sua vida, não produzirá nenhum outro elemento mais pesado do que carbono e oxigênio.
Na realidade, o material que domina nossa composição e a do planeta é produto de um complexo processo de formação e evolução estelar. As primeiras estrelas se constituíram a partir do colapso de nuvens de gás primordial –nada além dos elementos mais leves caracteriza essas estrelas pioneiras. No centro delas, as altas temperaturas e grandes densidades favoreceram processos de fusão nuclear onde átomos de elementos leves (por exemplo, hidrogênio) geram átomos de elementos mais pesados (por exemplo, hélio).
Dependendo da massa da estrela (ou seja, da quantidade de gás nas estrelas), a pressão no centro permite a fusão de produtos mais leves para produzir elementos cada vez mais pesados, até o ferro. Esses elementos pesados são subsequentemente lançados ao espaço por meio de ventos estelares e explosões supernovas. A partir desse gás “poluído”, formam-se outras estrelas. Dessa forma, gerações sucessivas de estrelas aos poucos enriquecem o Universo com elementos mais pesados. Daí, a um ritmo de centenas de milhões, até bilhões de anos, surge grande parte dos elementos que compõem os planetas rochosos –Mercúrio, Vênus, Terra e Marte–, bem como o corpo humano. Portanto, uma estrela como o Sol –gerada a partir de um gás dominado por hidrogênio, mas com uma pequena fração de elementos mais pesados, produtos de gerações de estrelas passadas– consegue obter material para fabricar planetas como a Terra e os organismos que a habitam.
Então somos, sim, poeira de estrelas, mas não somos poeira de elementos produzidos por nossa estrela. Compostos a partir de material produzido por gerações e gerações de estrelas passadas, podemos dizer que somos poeira alienígena. No Universo, ser “daqui” é ser de toda parte.
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Karín Menéndez-Delmestre é astrônoma, professora do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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