Um mundo pequeno

Ilustração: Sandra Jávera
Ciência Fundamental

Por Rafael Chaves

Você pode ser muito mais próximo do Einstein ou da Beyoncé do que imagina

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Certamente você já ouviu falar da teoria dos “seis graus de separação”– bastam seis laços de amizade para que duas pessoas possam se conectar. Entre você e o presidente de um poderoso país ou um surfista na Austrália existem no máximo cinco intermediários. Dados os 7 bilhões de habitantes humanos do planeta e as distâncias geográficas entre eles, que o mundo seja tão “pequeno” parece uma ideia absurda. Absurda, porém correta.

O escritor húngaro Frigyes Karinthy foi o primeiro a aventar tal hipótese, num conto publicado na década de 1920. Até meados da década de 60, a ideia deste mundo estreito não passava de ficção, uma lenda urbana. Isso mudou em 1967, quando o psicólogo americano Stanley Milgram executou um elaborado experimento de envio de cartas entre desconhecidos e descobriu que a distância média entre as pessoas era próxima dos seis graus de separação fantasiados por Karinthy. E, para surpresa geral, essa propriedade passou a ser identificada nas mais variadas redes: de computadores, de interconexões entre neurônios, de estradas e aeroportos e até mesmo redes biológicas. É um fenômeno que parece estar em quase todas as redes e, como estas são onipresentes na natureza, podemos dizer que o mundo pequeno está em praticamente todo lugar.

Similaridades entre diferentes sistemas são o sonho de físicos e matemáticos, que enxergam em um padrão aparentemente universal a chave para desvendar os mecanismos fundamentais sobre os quais a natureza opera. Existiria uma regra universal para descrever sistemas tão diversos?

Em 1959, antes do experimento de Milgram, os matemáticos húngaros Paul Erdős e Alfréd Rényi já haviam proposto um modelo universal de redes que incorporava essa propriedade do mundo pequeno. Naquele modelo, todos os nodos da rede –fossem pessoas, neurônios, aeroportos etc– eram igualitários, todos tinham a mesma chance de se conectar entre si. Dado este caráter intrinsecamente probabilístico, as chamadas “redes aleatórias” nos mostraram que a separação entre dois nodos quaisquer era proporcional ao logaritmo do número total de nodos da rede. O logaritmo era a chave por detrás do mundo pequeno, já que ele transforma números grandes em pequenos. Por exemplo, o logaritmo de 1 milhão nos dá exatamente o mítico grau seis. Mesmo que o mundo tenha bilhões de pessoas, o logaritmo garante que a separação entre elas ainda assim será muito acanhada.

Mas uma rede social pode de fato ser descrita como aleatória? Caso fosse, a chance de você ser amigo de um monge no Tibet ou de um colega do maternal é a mesma. A possibilidade de dois de seus amigos serem amigos entre si é extremamente pequena, desprezível até. Além disso, neste modelo todos teriam basicamente o mesmo número de amigos  –blogueiros, celebridades ou você (se é que você não é famoso). Claramente, redes sociais e outros tipos de redes não operam de modo tão aleatório.

De forma a reproduzir da maneira mais fidedigna todas essas nuances, dois outros cientistas, também húngaros, Albert-László Barabási e Réka Albert, propuseram em 1999 o chamado “modelo de redes livre de escala”, que desde então tem encontrado as mais variadas aplicações, desde na segurança de redes de computadores ao estudo de redes celulares e biológicas, e mesmo na otimização de estratégias de negócios e campanhas publicitárias. Mais recentemente, no meu grupo de pesquisa, utilizamos esse modelo para entender a “internet quântica”, uma rede na qual a troca de informações é fundamentalmente segura e mais eficiente. Por detrás de comportamentos tão diversos e complexos, muitas vezes temos regras universais e extremamente simples.

O modelo, aplicado à rede de contágio de transmissão de uma doença, permite entender como um vírus originário no outro lado do mundo chegou ao Brasil na velocidade a que assistimos. Bastaram apenas seis apertos de mão. A única forma de parar a contaminação neste momento é quebrar os links da rede.

Se puder, fique em casa.

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Rafael Chaves é físico e pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN

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