Por que envelhecemos?

Ilustração: Sandra Jávera
Ciência Fundamental

Por Hugo Aguilaniu

A natureza nos mostra que velhice não é sinônimo de desgaste

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Muitos associam velhice a desgaste. Assim como um par de sapatos se deteriora com o tempo, nosso corpo enfraqueceria, pararia de funcionar e morreria.

Desde o final do século 19, o impulso dado por Charles Darwin levou uma comunidade inteira de pesquisadores a questionar os processos da vida à luz da teoria mais recente. O envelhecimento não fugiu à regra.

A observação logo nos permitiu compreender que idade e desgaste são dois processos absolutamente diferentes. Os seres vivos envelhecem de formas muito diversas. O salmão, por exemplo, tem seu amadurecimento físico acelerado após a desova. Alguns vegetais, como Ginkgo biloba e Pinus longavea, se mostram bem pouco suscetíveis à ação de Cronos. Ao analisar a árvore da vida em sua plenitude, salta aos olhos que esse processo não seja apenas físico-químico, como a corrosão.

Existem até algumas espécies que parecem não envelhecer. O rato-toupeira pelado africano é primo do nosso rato, mas ao que tudo indica está protegido dos efeitos do avanço do tempo. Sua expectativa de vida é de cerca de trinta anos, enquanto um rato comum vive entre dois e quatro anos. A hidra, um organismo aquático muito simples da ordem cnidária, dá a impressão de ser congelada no tempo: quando isolada em laboratório, não mostra nenhum sinal de que os anos a desgastaram.

O avançar da idade não está, portanto, necessariamente associado à morte. Sendo assim, perguntar por que envelhecemos é, afinal, relevante.

É muito difícil provar por meio de experimentos as razões para o nosso envelhecimento, mas a hipótese mais plausível se baseia num grande número de observações e comparações entre espécies.

Vale ressaltar que as espécies mais propensas a escapar das agruras da idade são simples em estrutura e função. A hidra ou a água-viva, por exemplo, se reproduzem liberando pólipos e absorvem nutrientes para sobreviver. A reprodução e a nutrição, duas funções básicas necessárias à sobrevivência, são compostas sobretudo de células-tronco capazes de se regenerar e zerar em continuação o contador da passagem do tempo. Essas são as células ancestrais, que desempenham as funções estritamente necessárias à perpetuação da vida. Um organismo que em sua essência é constituído dessas células-tronco perpetua-se ao infinito.

Já os organismos que envelhecem parecem ser mais complexos e têm funções mais diversas. Os seres humanos, por exemplo, desenvolveram funções surpreendentes e quase supérfluas conforme foram evoluindo. Temos cérebro, músculos, olhos e orelhas. Isso implica que desenvolvemos as habilidades de ver, correr, ouvir, dançar e pensar. As células responsáveis por essas funções são as chamadas somáticas, superespecializadas. As dos músculos se contraem, os neurônios transmitem correntes elétricas de um ponto a outro de nosso corpo etc. Estão aptas, portanto, a realizar proezas, porém perderam sua capacidade ancestral de regeneração – elas chegam ao fim.

E as nossas células-tronco? Existem dois tipos principais, as somáticas e as geminais. As células-tronco somáticas são responsáveis pela regeneração de alguns de nossos órgãos, mas essa regeneração é fraca e ocorre apenas em determinados momentos, de forma bastante controlada (ainda não muito bem entendida).

As células-tronco responsáveis pela perpetuação da espécie são as geminais (não somáticas), concentradas em nosso sistema reprodutivo. São elas que permitem a regeneração e o recomeço do zero – mas só fazemos isso para conceber nossos filhos.

Nossa escolha evolutiva foi concentrar essa capacidade regenerativa em determinadas células e desenvolver outras funções espetaculares que nos beneficiam, ainda que não sejam absolutamente essenciais para a sobrevivência. É essa inclinação à diversificação de funções que permite que esse texto seja escrito e lido por alguém, mas não sem um preço: nossa finitude como indivíduos. Uma escolha magnífica que parece filosófica em muitos sentidos.

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Hugo Aguilaniu é biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira

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