O silenciamento do (sub)mundo com a Covid-19 (e por que isso é bom)

Ilustração: Sandra Jávera
Ciência Fundamental

Por Pedro Val

O planeta vibra não só com os terremotos, mas também com a vida

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Não são apenas os terremotos que fazem o solo vibrar. Atividades humanas geram pequenas vibrações que se propagam pela superfície e subsuperfície da Terra: são os ruídos sísmicos. Quem já não sentiu o chão estremecer quando um ônibus passa na rua?

Instrumentos para monitorar terremotos, ou sismos, se relativamente próximos às fontes dos ruídos, são capazes de detectar microtremores. Mesmo o vento, os aviões, as ondas do mar e shows ao vivo causam ruídos sísmicos. Em tempos de isolamento social devido à pandemia de Covid-19, os ruídos causados pelos seres humanos diminuíram drasticamente no mundo inteiro. Foi como se a parte mais rasa da crosta, a camada mais externa do planeta, tivesse ficado menos barulhenta. É um momento privilegiado para quem estuda sismologia, pois poderá revelar estruturas detalhadas em subsuperfície de algumas regiões do globo e permitir um passo importante para a compreensão e a mitigação de danos causados por terremotos.

Para explicar como isso ocorre, vamos partir do início. Você já se perguntou como são as rochas a cinco quilômetros de profundidade? A dez quilômetros? A quarenta? Pois alguns cientistas se dedicam exclusivamente a estudar o mundo subterrâneo. E existem diversas questões que somente as informações sísmicas podem responder. Uma delas é a impossibilidade de prever e prevenir os danos de terremotos devastadores –qual é a área mais provável de rompimento de uma falha? Após um sismo, as fraturas nas rochas se fecham? Em quanto tempo? Essas e inúmeras outras dúvidas existem, entre outras razões, porque desconhecemos a distribuição das falhas geológicas em subsuperfície e também das microfraturas. E essa ignorância está atrelada não só à precisão de instrumentos, mas também aos ruídos sísmicos.

Depois dos grandes abalos, surgem os chamados aftershocks, tremores secundários que revelam como ocorre a dissipação de energia e, ainda, como se comporta a falha que gerou o sismo e as fraturas dele decorrentes. Esses eventos podem ser fundamentais para mapear a subsuperfície e melhor prever a região de futuras ocorrências. No entanto, quando a frequência de vibração é da mesma ordem que os ruídos, tudo se mistura e o mapeamento da subsuperfície fica impossibilitado. Daí os benefícios que um mundo mais quieto pode produzir.

Assim como a Terra vibra com nossas atividades, qualquer coisa fixada no solo pode vibrar com os sismos. É o caso das árvores. O que acontece com elas durante um terremoto? Bem, algumas podem cair, mas em geral elas permanecem intactas. E mais: na verdade, elas ajudam a dissipar a energia dos abalos.

Como isso ocorre? As árvores são capazes de receber vibrações de sismos, vibrar sem se danificar e em seguida devolver essas vibrações para o solo. Essa devolução, porém, ocorre de maneira difusa, em diversas direções, de modo a dissipar parcialmente a energia dos tremores. Mas uma única árvore não teria serventia, seria necessário uma floresta inteira. As árvores dessa floresta ideal, no entanto, precisariam ter mais de setenta metros de altura para cancelar os terremotos no comprimento de onda correto.

Cancelar um terremoto seria impossível, mas reduzir um ou dois pontos na escala de magnitude poderia evitar o caos. Se uma floresta com árvores altíssimas é inviável, o que fazer? Estruturas subterrâneas podem desempenhar o papel das árvores. A partir da hipótese “escudo verde”, cientistas pensaram na construção de poços com até 150 metros de profundidade, preenchidos com ar ou fluidos para alterar a direção de propagação das ondas.

Mesmo com ruídos reduzidos, escudos de florestas ou poços subterrâneos, a previsão de terremotos ainda é uma realidade distante. Mas talvez essas pesquisas possam desvendar como poderíamos desviar ondas sísmicas de estruturas frágeis (instalações nucleares) ou essenciais (hospitais) e futuramente salvar vidas. Não seria pouco.

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Pedro Val é geólogo e professor na Universidade Federal de Ouro Preto

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