Como a vida se recupera das extinções em massa

Ilustração: Julia Debasse
Ciência Fundamental

Por Adriana Alves

O planeta já viveu cinco grandes extinções –e uma sexta está a caminho. Mas a vida sempre parece prosperar

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But still, I will rise.” Se a vida pudesse dar uma resposta às extinções em massa pelas quais passou, o verso da poeta norte-americana Maya Angelou cairia como uma luva — “ainda assim, eu vou me erguer”. Repetidos eventos dessa ordem quase dizimaram por completo a vida, e ainda assim diferentes espécies se diversificaram e floresceram após cada um deles.

As mais expressivas extinções são aquelas associadas a atividades vulcânicas anomalamente volumosas, a eras do gelo repentinas ou ainda a efeitos combinados que criaram a tempestade perfeita, como no caso da última, que, ao somar atividade vulcânica intensa e o impacto de um meteoro, varreu os dinossauros da face da Terra.

Estima-se que esse último evento tenha dado fim não apenas aos dinossauros, mas também a 90% dos mamíferos. Em pouco mais de 300 mil anos, os 10% remanescentes deram origem a boa parte dos ancestrais dos mamíferos viventes, dentre os quais os primatas.

Um dos papas da biologia evolutiva, o já falecido paleontólogo e professor de Harvard Stephen Jay Gould, considerava as extinções em massa um dos três fatores determinantes dos grandes saltos evolutivos da vida, e a esses saltos ele chamava macroevolução. Mas há uma “reciclagem” natural da vida: espécies se extinguem e novas espécies surgem, ainda que não ocorram eventos catastróficos ou grandes mudanças ambientais. É a microevolução darwiniana (ou gradualismo), que responde pelas taxas naturais de extinção (até o surgimento dos humanos ela girava em torno de 5% das espécies, mas já foi de 15% há 300 milhões de anos). No entanto, as mudanças para uma vida progressivamente mais complexa e diversa foram catalisadas pelas experiências disruptivas no design da vida que sucederam as extinções em massa.

O desaparecimento súbito de espécies que outrora dominavam o cenário parece ser o fator que permite a diversificação da vida. Novas oportunidades de ocupação e exploração de ambientes antes tomados por predadores extintos fomentam a desimpedida especialização dos sobreviventes.

Com uma ajudinha de Hollywood e de Jurassic Park, vimos quais seriam nossas chances caso tivéssemos que dividir espaço com dinossauros de grande porte. De uma forma indireta (ou direta, se pensarmos bem), ao dizimar esses predadores, o último grande extermínio no globo permitiu a ascensão dos mamíferos e, por consequência, a evolução dos primatas e o surgimento dos humanos.

Muitos se indagam se a sexta extinção em massa está em curso. Para responder à pergunta é necessário saber o que define uma extinção em massa. Durante tais eventos, as taxas de extinção se aceleram em relação à taxa de surgimento de novas espécies, de modo que 75% das espécies desaparecem num tempo geologicamente curto, tipicamente inferior a 2 milhões de anos. As taxas de extinção atuais para mamíferos, anfíbios, pássaros e répteis estão mais altas ou semelhantes àquelas que produziram os grandes eventos anteriores. Então a resposta para a pergunta é: sim, a sexta extinção em massa está em curso –e com taxas muito semelhantes às do Great Dying, que quase dizimou a vida na Terra há 250 milhões de anos.

À diferença das cinco extinções em massa que o planeta já experimentou, a crise biológica do presente tem uma particularidade: está sendo causada por uma espécie (adivinhe qual) e não por eventos naturais catastróficos. A boa notícia para a vida em geral é que as cinco extinções anteriores têm algo em comum: as espécies dominantes pereceram. É razoável supor que após esta sexta extinção os humanos deixarão de ser a espécie dominante e que os poucos remanescentes evoluirão de modo a conviver de forma mais harmônica com as demais espécies que coabitam o planeta.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP

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