Por que não existe uma única vacina contra a gripe?
Por Gabriela Cybis
Vírus em constante mutação exige vacinas sazonais
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Quando você entra em contato com certas doenças infecciosas pela primeira vez, seu corpo cria uma memória imunológica. Caso no futuro ele se depare com o mesmo patógeno, o sistema imune saberá como protegê-lo. As vacinas se servem desse mecanismo de memória, apresentando ao organismo pedaços ou versões enfraquecidas dos agentes infecciosos. Assim, nosso sistema imune adquire o treinamento necessário para nos salvaguardar do patógeno, sem que corramos o risco e o sofrimento de contrair a doença.
As vacinas estão entre as mais importantes descobertas da medicina, sendo responsáveis pela completa erradicação da varíola e pelo controle de diversas outras doenças. A tríplice viral é um ótimo exemplo: duas doses na infância conferem proteção para toda a vida contra caxumba, rubéola e sarampo. O recente retorno de vários casos de sarampo está fortemente associado a uma queda no número de pessoas que buscam imunização.
O caso da gripe, porém, é diferente. Todo ano é lançada uma nova vacina que deve ser tomada para manter o nível de proteção, pois a gripe é um vírus de rápida evolução. Essa evolução é tão rápida que se você pega gripe num ano, há uma boa probabilidade de que a defesa adquirida não seja eficaz contra as versões do vírus que irão circular no ano seguinte.
Como o vírus da gripe está em constante mudança, é fundamental que, para ser efetiva, a vacina seja fabricada com base nas variantes que circulam logo após sua aplicação. O problema é que, como ela demora um tempo para ser produzida, precisamos projetá-la mais de meio ano antes de sua distribuição. Ou seja: não basta conhecer as variantes do vírus hoje ativas. Para planejar uma vacina efetiva, é preciso identificar quais das variantes atuais mais se assemelham àquelas que encontraremos na próxima temporada de espirros. Isso é, precisamos prever o futuro.
Qualquer pessoa que acompanha a Bolsa de Valores ou já tentou comprar moeda estrangeira para uma viagem sabe como é difícil antecipar a situação do dia de amanhã, o que dizer daquela que se apresentará dali a seis meses. Realizar previsões confiáveis está entre os problemas mais desafiadores da ciência. Assim como o bom investidor se cerca de informações sobre as condições do mercado para embasar suas decisões, para fundamentar o design da vacina os cientistas reúnem uma grande quantidade de informações que retratam a situação atual do vírus. Colhem amostras do vírus da gripe ao redor do mundo, registrando o local e a data de coleta. Identificam as sequências genéticas para acompanhar o ritmo da sua evolução. Além disso, como a interação do vírus com o sistema imune é fundamental para a vacina, quantificam quão semelhantes ou diferentes os vírus são nesse quesito.
Mas como extrair sentido desses dados? O que as sequências genéticas de fato podem nos dizer? Comparando-as, podemos determinar quais variantes do vírus são mais próximas ou mais distantes umas das outras, e com os métodos estatísticos adequados podemos até reconstruir a “genealogia” da gripe e identificar em quais linhagens a evolução ocorre de modo mais rápido. Com base em amostras de vírus do passado e informações bioquímicas das proteínas da gripe, é possível mapear as regiões das sequências que são os motores da evolução viral em cada temporada. É crucial, pois, desenvolver métodos estatísticos, geralmente envolvendo um grande componente computacional para integrar dados tão diferentes e deles extrair conhecimento que auxilie no design da vacina.
E assim, todo ano, a Organização Mundial da Saúde reúne um grupo de especialistas que, de posse dos dados disponíveis e do resultado dos estudos mais recentes, seleciona as variantes do vírus que serão empregadas para produzir a vacina do ano seguinte. É uma aposta. Apoiada em dados e na melhor ciência disponíveis, mas uma aposta. (Esse exercício deverá ser repetido anualmente, até que novas tecnologias o tornem obsoleto.)
E qual o resultado dessa aposta? Bem, todo ano milhares de vidas são salvas e milhões de pessoas deixam de ser infectadas devido à ação da vacina. Pouco não é.
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Gabriela Cybis é bióloga, professora de Estatística na UFRGS, atua em modelagem estatística para genética
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