A dança entre buracos negros e estrelas em galáxias distantes

Por Karín Menéndez-Delmestre

Para observar buracos negros, é preciso estar atento ao que se passa ao redor deles

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O leitor já se questionou como observamos buracos negros? Se, como se supõe, nem a luz consegue escapar à sua força gravitacional, então como construímos uma imagem real desses objetos? Para enxergar os buracos negros, precisamos ficar de olho no que acontece ao redor deles.

Comecemos pelo básico. Existem buracos negros ditos primordiais (os que se formaram logo depois do Big Bang), mas a maioria deles corresponde ao “cadáver” de uma estrela muito massiva – com pelo menos umas trinta vezes a massa do Sol — que colapsa sobre si mesma. A estrela implode e gera uma densidade muito alta numa região muito compacta, formando um campo gravitacional gigantesco — eis aí o buraco negro.

Se na Terra apenas partículas com uma velocidade que ultrapassa 11,2 km/s são capazes de deixar o planeta, num buraco negro a força de gravidade é tanta que nem a luz (com uma velocidade de 300 mil km/s) consegue escapar. Devido a essa grande força de atração, as partículas de gás que se aproximam do buraco negro (aquelas que ultrapassam o chamado “horizonte de eventos”) são “engolidas”. O leitor deve se lembrar do impacto na mídia que teve o anúncio da primeira imagem de um buraco negro, em 2019 –era precisamente o horizonte de evento, essa borda brilhante, que o poder de vários telescópios terrestres juntos conseguiu capturar.

A luz que forma as imagens capturadas dos buracos negros é a luz emitida pelo gás que orbita nas proximidades desses buracos. Este gás, aquecido pelo atrito, forma um fino disco ao redor do buraco negro, atingindo altas temperaturas e brilhando em diferentes energias, desde o mais “frio” no infravermelho, passando pelo ultravioleta e óptico, até o mais quente, em raios-X. E voilà: eis o potencial de imagens de buracos negros, a depender do telescópio usado.

Com massa equivalente a centenas de milhares, até dezenas de bilhões de massas solares, os buracos negros supermassivos têm a capacidade de alterar significativamente as órbitas das estrelas da vizinhança. Por isso, mesmo se eles não estiverem “engolindo” gás ativamente, podemos detectar sua presença ao observarmos seu efeito nos objetos próximos. Foi assim que soubemos que nossa Via Láctea abriga um buraco negro supermassivo bem em seu centro. Embora seja dormente, ou seja, não esteja “engolindo” grandes quantidades de gás, foi possível detectá-lo ao monitorar seu impacto nas órbitas das estrelas vizinhas, ao longo de mais de uma década, com os maiores telescópios do mundo (no Havaí e no Chile).

Os pesquisadores (entre os quais me incluo) estão empenhados em identificar e estudar buracos negros supermassivos em outras galáxias, pois hoje sabemos que toda galáxia massiva abriga um buraco negro em suas entranhas. Olhando para galáxias distantes, conseguimos ver como elas são palco de uma complexa dança entre o crescimento da massa estelar e o crescimento de um buraco negro supermassivo. Surtos de formação de estrelas se alternam com períodos em que fortes ventos gerados pelo buraco negro supermassivo “desligam” momentaneamente a formação de estrelas. Se quisermos entender como o nosso lar, a Via Láctea, se formou, precisamos entender os detalhes dessa dança.

As imagens de buracos negros nos permitem confirmar muitas das hipóteses sobre a natureza destes objetos, mas, além do horizonte de eventos, apenas podemos nos basear nos modelos teóricos. Para entender verdadeiramente o que acontece num buraco negro, precisamos juntar observações e teoria — o progresso do conhecimento depende tanto de um como do outro. Em 2020, esperamos ansiosamente pelo lançamento do telescópio espacial James Webb. Com um espelho dobrável de 6.5m, será o maior telescópio já lançado ao espaço e nos permitirá descobrir milhares de buracos negros supermassivos. Já estou preparando minha proposta para obter dados.

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Karín Menéndez-Delmestre é astrônoma, professora do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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