Simulando epidemias
Por Gabriela Cybis
Como a modelagem matemática lida com a dispersão de vírus, do corona a zumbis
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Logo que surge uma epidemia viral, começam a ser divulgadas informações sobre o número de novos casos e mortes, e quais as cidades onde se encontram os infectados – primeiro concentradas próximo ao ponto de origem, e gradativamente se espalhando em uma onda que ameaça tomar conta do globo. Nos últimos anos vimos esse filme algumas vezes: em 2002, o SARS que se propagou para dezessete países; em 2009, a gripe suína (H1N1) que se tornou pandêmica atingindo todos os continentes; em 2013, a ameaça da gripe aviária. E agora acompanhamos o desenrolar da epidemia do novo coronavírus.
O que pode ser feito para conter a dispersão do vírus? Governos adotam medidas como fechar escolas; medir a temperatura de passageiros que desembarcam nos aeroportos; proibir a entrada de pessoas vindas de regiões afetadas; restringir o tráfego aéreo; cancelar eventos públicos de grande porte, como as comemorações do ano-novo chinês. Mas como avaliar o efeito real dessas ações? Considerando o impacto econômico e social dessas medidas restritivas, será que o ganho em termos de contenção da epidemia compensa?
A resposta a essas questões é complexa e depende de uma série de fatores. Nem todos os vírus são iguais, e seu modo de transmissão, a facilidade com que infectam novas pessoas, os períodos de latência e a letalidade variam. Além disso, condições sociais, demográficas e até climáticas podem afetar a dinâmica do vírus.
Como não temos bola de cristal, a melhor forma de entender como esses fatores se combinam para determinar o curso da epidemia são os modelos matemáticos que costumam dividir a população em três subgrupos: suscetíveis (quem nunca pegou a doença e, se entrar em contato com ela, pode contraí-la); infecciosos (quem carrega o vírus e, se entrar em contato com pessoas suscetíveis, pode transmiti-lo); removidos (quem não participa mais da dinâmica de infecções, pois ou já se recuperou – e está imune – ou morreu).
Para estudar o progresso da epidemia e traçar estratégias de contenção, os modelos acompanham a rede de interação entre esses grupos, em graus variáveis de detalhe. Nos Estados Unidos, por exemplo, um modelo para doenças tipo gripe utiliza dados de censo, levando em conta mapas, padrões de locomoção, idade e interações no trabalho, na escola e em casa. Simula-se assim um enorme ambiente no qual os agentes (indivíduos) seguem suas rotinas de modo similar ao jogo The Sims. Cada vez que um indivíduo suscetível interage com um infeccioso, ele tem certa probabilidade de contrair a infecção. A simulação é repetida várias vezes para identificar o curso mais provável da epidemia e os resultados das intervenções de controle.
Uma ressalva importante é que o modelo é apenas tão bom quanto seus pressupostos. Se ele não capturar bem o processo de transmissão do vírus, as conclusões vão reproduzir essas falhas.
Afinal, o que aprendemos com esses estudos? A aleatoriedade desempenha um papel importante no curso de várias epidemias. Os modelos podem nos dar estratégias de vacinação em grupos etários, por exemplo privilegiando as crianças, já que o ambiente escolar é propício à circulação do vírus. Propostas combinadas, com ações como distribuição estratégica de antivirais, alterações de comportamento individual e fechamento seletivo de escolas podem obter alto grau de sucesso.
Certas estratégias (o recolhimento de profissionais do local da epidemia, entre outros) podem ter efeito oposto ao desejado. E, claro, tudo isso depende das condições específicas do vírus em questão. O importante é que dispomos de ferramentas científicas para nos ajudar a avaliar o efeito de cada ação, agindo quase como uma bola de cristal que nos ajuda a vislumbrar o resultado de cada escolha (e suas margens de erro).
Na interface entre a cultura pop e a modelagem epidemiológica, encontramos quem? Os zumbis. Diz a tradição que humanos mordidos por zumbis acabam virando zumbis. Eles se encaixam perfeitamente no modelo suscetíveis (humanos), infecciosos (zumbis) e removidos (mortos), e compõem um case lúdico para o ensino desses modelos para as novas gerações de epidemiologistas.
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Gabriela Cybis é bióloga, professora de Estatística na UFRGS, atua em modelagem estatística para genética
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