Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Epidemias e comportamentos: quem muda o quê? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/30/epidemias-e-comportamentos-quem-muda-o-que/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/30/epidemias-e-comportamentos-quem-muda-o-que/#respond Sat, 30 Oct 2021 10:14:01 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/manchuria-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=573 Por Mellanie Fontes-Dutra

O legado da pandemia da Covid-19

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Importantes vetores de nosso comportamento, os grandes desafios –como a pandemia da Covid-19– nos incitam a discutir o que provocou os cenários de conflagração e inspiram mudanças profundas, tanto em escala individual quanto social. Hoje, o que aplicamos na tentativa de contornar os impasses reflete um conjunto de conhecimentos e experiências de um tempo muitas vezes não tão remoto.

Resgatar medidas e enfrentamentos do passado pode favorecer estratégias mais eficazes no presente, daí a importância de relembrar crises sanitárias já enfrentadas –não só no Brasil, mas também no mundo.

Em 1910, um surto de uma doença misteriosa –que ficaria conhecida como praga da Manchúria – assolou o nordeste da China, somando 60 mil óbitos num período de quatro meses. Foi graças ao médico malaio Wu Lien-teh que uma ideia inovadora foi lançada, baseada em conclusões de que essa peste, causada pela bactéria Yersinia pestis (sim, você já ouviu falar dela na peste bubônica) poderia se transmitir de pessoa a pessoa, possivelmente por gotículas respiratórias. A partir de então, o médico aconselhou que se usassem máscaras para tratar pacientes infectados, protocolo que se estendeu a todos os profissionais de saúde, tivessem ou não às voltas com essa praga. E também recomendou a criação de centros de quarentena, bem como insistiu que as autoridades decretassem medidas de restrição da movimentação das pessoas. Lembra alguma coisa?

Logo depois, em 1918, o mundo conheceu a gripe espanhola, provocada pelo vírus influenza, responsável por cerca de 35 mil óbitos só no Brasil. Diante de todas as dificuldades e desafios para esse enfrentamento, a sociedade brasileira passou por uma transformação profunda e necessária envolvendo a saúde pública no país, uma vez que, em muitos lugares (no Brasil e no mundo), indivíduos de classe média ou alta detinham o privilégio de consultas médicas. Nossa história com os vírus influenza teve outros capítulos, um dos quais em 2009, com a tal “gripe suína” que deve estar na memória de muita gente. Foi então que se disseminou o uso do álcool gel, não mais um alien oferecido na entrada de um restaurante ou local público. Ao longo da epidemia dessa gripe, fechamos escolas e reduzimos a circulação das pessoas para enfrentar esse agente infeccioso. De novo, lembra alguma coisa?

Grandes pandemias apresentam um fator em comum: a transmissão alta e generalizada de um agente infeccioso que passa a infectar nossa espécie, e para o qual ainda não temos alternativa terapêutica. Mas experiências anteriores nos revelam que medidas não-farmacológicas, às quais podemos aderir tanto individual quanto socialmente, são críticas para conter a propagação. Por outro lado, modificações significativas na sociedade precisam ser um legado do pós-pandemia. Não devemos temê-las ou enxergá-las como uma tentativa de sequestro do que costumávamos entender como “normal” antes desse evento. São, antes, uma oportunidade de trilhar novos caminhos capazes de driblar situações futuras passíveis de se transformarem em grandes desafios, evitando assim incorrer em erros do passado. É possível ainda que muitas das mudanças daqui para frente, no comportamento da sociedade, já estivessem sendo preparadas, e acabaram sendo antecipadas como resposta à crise.

Nosso estilo de vida nos levou a grandes avanços tecnológicos, bem como a uma forte expansão territorial da nossa presença, todavia nos revelou o quanto precisamos amadurecer enquanto sociedade, entendendo nossa responsabilidade para com o planeta e todas as espécies que nele habitam. Mostrou-nos que talvez precisemos revisitar os conceitos de “viver em sociedade” e refletir como a evolução dessa sociedade está intrinsecamente relacionada às maneiras como o grupo trabalha de forma cooperativa, na saúde ou na doença.

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Mellanie Fontes-Dutra, biomédica, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS) e coordenadora da Rede Análise Covid-19.

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Por que o coronavírus evolui mais rápido que a gente? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/09/28/por-que-o-coronavirus-evolui-mais-rapido-que-a-gente/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/09/28/por-que-o-coronavirus-evolui-mais-rapido-que-a-gente/#respond Tue, 28 Sep 2021 14:33:31 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/serrapilheira_mutacoes_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=537 Por Murilo Bomfim

Os vírus têm mais filhos em um dia do que podemos ter durante a vida inteira

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O texto abaixo responde à pergunta feita por Amílcar Borges de Jesus, baiano, 9 anos, para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”.

O combate à pandemia já não estava fácil há cerca de um ano, quando a variante Alpha do novo coronavírus deu as caras no Reino Unido e complicou ainda mais a situação. De lá para cá, outras variantes foram identificadas, dando a sensação de que, mesmo com as vacinas, estamos enxugando gelo. O que explica essa evolução tão rápida?

Vírus são seres muito simples, feitos apenas de uma cápsula proteica e do seu material genético (DNA, RNA ou ambos). Quando eles se reproduzem, as informações genéticas são copiadas — e essas cópias estão sujeitas a erros, gerando mutações. É como um telefone sem fio: alguma informação diferente da história original sempre pode ser passada para frente.

É o acúmulo desses erros que forma uma variante. Não é apenas a biologia, no entanto, que explica por que o novo coronavírus evolui mais rápido que os humanos. A questão também é matemática. As mutações que ocorrem na reprodução podem levar a mudanças evolutivas. Se, enquanto espécie, temos novas gerações a cada vinte ou trinta anos, o vírus se replica a cada dez ou vinte minutos. Com uma reprodução mais frequente, as chances de acumular mutações são bem maiores.

Voltando à biologia, existem mecanismos específicos que nos diferenciam dos vírus. Um deles é o sistema de reparação. Quando uma célula humana é copiada, o organismo é capaz de fazer uma checagem em busca de erros. Se um erro é detectado, é corrigido — o que limita nossas mutações. Esse sistema, no entanto, é sujeito a falhas: nesses casos, podemos desenvolver doenças genéticas, por exemplo.

O novo coronavírus também é capaz de fazer reparos, porém suas detecções são muito menos precisas que as dos humanos. A maior parte dos vírus nem conta com esse sistema (fosse esse o caso do coronavírus, faltariam letras no alfabeto grego para nomear variantes).

Além disso, o corpo humano é perspicaz ao organizar suas células. Elas podem ser divididas em dois grupos: somáticas e germinativas. As somáticas compõem a maior parte do organismo. Estão, por exemplo, nos olhos, no fígado, na pele. Elas se reproduzem com mais frequência e podem gerar mutações diversas (que vão de alterações imperceptíveis até a criação de tumores). Mas essas mutações não são passadas aos descendentes. A hereditariedade é poder exclusivo das células germinativas –os óvulos e os espermatozoides. O corpo entende que as mutações que ocorrem nessas células são transmitidas à prole, por isso o sistema de reparo das germinativas é especialmente rígido. Já no universo dos vírus, qualquer mutação é hereditária.

Ser vírus, no entanto, tem lá suas vantagens. A identificação da variante Alpha foi uma surpresa para a comunidade científica que acompanhava as mutações de perto. “Víamos um genoma estável e, de repente, surge uma variante com quinze, vinte mutações”, diz o geneticista Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira. Ele conta que isso é possível quando o vírus encontra um “reservatório”– um lugar onde ele pode se replicar sem ser percebido.

Existem duas teorias para explicar esta aparição repentina das variantes. Uma delas é a reprodução em pessoas imunodeprimidas, que podem abrigar o vírus por meses. Neste período, as mutações se acumulam e a pessoa infectada pode transmitir um coronavírus um pouco diferente daquele que a infectou.

A outra possibilidade é que o novo coronavírus tenha encontrado um reservatório não em humanos, mas em outros animais. Uma espécie suspeita são os visons, sacrificados em massa em países europeus por estarem infectados pelo patógeno. Neste caso, o vírus rapidamente se alastra pelo grupo, sofre mutações e pode voltar a infectar humanos.

Mesmo com tantas variantes, vacinar populações não é enxugar gelo. Enquanto vamos criando resistência contra casos graves de Covid-19, a tendência é que o vírus se torne menos agressivo à saúde humana, talvez sendo comparado a um resfriado qualquer. É bom para nós, que poderemos, enfim, nos livrar da pandemia, e bom para ele, que vai poder se replicar sem virar manchete.

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Murilo Bomfim é jornalista.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida um cientista a responder uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta? Veja aqui como colaborar.

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A real ameaça da inteligência artificial https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/08/14/a-real-ameaca-da-inteligencia-artificial/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/08/14/a-real-ameaca-da-inteligencia-artificial/#respond Sat, 14 Aug 2021 10:13:11 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/inteligência-artificial-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=505 Por Rodrigo C. Barros

O que a IA e a Cloroquina têm em comum?

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O leitor já compreendeu o impacto astronômico da inteligência artificial (IA) nos negócios e nos governos, tanto que as grandes economias se sentiram impelidas a estabelecer planejamentos estratégicos para a tecnologia. O que nem todo mundo ainda compreende são os riscos reais que a tecnologia oferece.

Um apanhado histórico da inteligência artificial nos conduz a uma montanha-russa de promessas exageradas e decepções gigantescas. Um de seus marcos é o surgimento das redes neurais artificiais (RNAs) em 1958, quando Frank Rosenblat inventa o “Perceptron”. No entanto, foi só nos anos 2010 que tais redes se tornaram a principal força motriz da área. Graças a uma união favorável de fatores catalisadores, como a explosão da disponibilidade de dados e a possibilidade de utilizar hardware especializado em multiplicação de matrizes, as RNAs provocaram uma revolução espantosa, surpreendendo o mundo com sua capacidade de lidar com tarefas complexas. A área foi rebatizada para “Deep Learning”, alusão ao número cada vez maior de camadas de neurônios nas arquiteturas das redes, agora mais profundas.

Com “Deep Learning” invadindo nossas vidas cotidianas, não foram poucos os futurólogos que surgiram com as velhas profecias de sempre: a singularidade e a revolta das máquinas, com direito a Schwarzenegger em seu figurino de Exterminador do Futuro. Mas não nos enganemos. A probabilidade de uma RNA atual vir a ganhar consciência é tão pequena quanto o tamanho de um neurônio biológico.

A grande ameaça da IA, pasme, é reproduzir exageradamente bem o comportamento humano. Aliás, reproduzir aquilo que de pior temos: os preconceitos. É preciso ficar claro que as RNAs são máquinas de correlação, e não de causa e efeito. Mais do que isso, num país onde o presidente da República não entende que “correlação não implica necessariamente em causa”, precisamos ser didáticos e instruir o público que podem existir diversas correlações nos dados, mas que ciência boa é aquela que olha com desconfiança para afirmações categóricas a respeito de causalidade. Caso contrário, seríamos obrigados a admitir que os gastos do governo americano em ciência são os responsáveis pelo número de suicídios por estrangulamento e enforcamento nos EUA.

O maior exemplo de como boa parcela da população não entende a diferença entre correlação e causalidade são os arroubos pseudocientíficos na CPI da Covid em defesa do uso da cloroquina para combater o vírus. É certo que os principais responsáveis pela tragédia sanitária que vivemos agiram por ignorância: desconhecem a diferença entre correlação e causa, e não compreendem as especificidades e nuances do método científico.

Ao mesmo risco estamos submetidos quando confiamos cegamente nas RNAs. Se treinarmos tais métodos para que descubram padrões sobre dados díspares, os modelos gerados irão reproduzir as disparidades. Caso clássico de injustiça protagonizada pela IA é o da ferramenta COMPAS (Correctional Offender Management Profiling for Alternative Sanctions), que auxiliava cortes americanas a estimar a probabilidade de reincidência criminal por parte dos réus. Alguém se surpreenderia ao descobrir que o algoritmo apontava indivíduos negros como mais prováveis de reincidir?

A área de “Fairness in Machine Learning” vem ganhando força na academia, servindo de alerta a todos que da IA usufruem: não basta que os modelos aprendam bem os padrões existentes nos dados — eles precisam ser impedidos de propagar preconceitos. O esforço de justiça em IA está apenas começando, com muitas possibilidades para se combater os vieses prejudiciais. Podem-se desenvolver modelos que deliberadamente combatam fatores de confusão previamente anotados. Pode-se trabalhar no desenvolvimento de bases de dados sintéticas que sejam ajustadas para descontar tais fatores. O que não se pode é fingir que preconceitos não existem. Ou que não é um problema de todos nós se as máquinas os reproduzirem.

Em tempos de governos de extrema direita, que exalam e promovem preconceitos, é notório que a principal luta dentro da IA seja a mesma que travamos no dia a dia: a batalha contra injustiças e preconceitos.

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Rodrigo C. Barros é cientista da computação com doutorado em inteligência artificial pela USP. É pesquisador em IA na PUCRS e diretor de Pesquisas da Teia Labs.

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La garantía soy yo https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/07/30/la-garantia-soy-yo/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/07/30/la-garantia-soy-yo/#respond Fri, 30 Jul 2021 13:00:01 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/final-la-garantia-soy-yo-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=491 Por Olavo Amaral

Como lidar com dados bons demais para serem verdade?

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O coro do tratamento precoce da Covid-19 sofreu um baque há duas semanas com a notícia de que um ensaio clínico egípcio demonstrando a eficácia da ivermectina contra a doença foi retirado da plataforma de preprints Research Square. O estudo mostrava uma redução de 90% na mortalidade de pacientes com doença severa em relação a um grupo que recebera hidroxicloroquina.

Muita gente não havia levado o trabalho a sério já de início, fosse por vir de pesquisadores obscuros, por estar escrito em um inglês macarrônico ou por apresentar um resultado espetacular demais para ser verdade.  Nada disso, porém, impediu que ele fosse incluído em diversas metanálises defendendo a ivermectina, sendo responsável por boa parte do efeito positivo observado nelas.

O artigo só foi retirado de circulação depois que o jornalista inglês Jack Lawrence resolveu investigá-lo ao perceber sinais de plágio. Uma das versões do artigo incluía um link para os dados originais —com acesso pago e protegido por senha. Num lance de sorte, Lawrence chutou um pouco criativo “1234” e viu a planilha do Excel com os dados brutos se materializar em sua tela.

Daí em diante, o trabalho do “policial de dados” Nick Brown mostrou não só inconsistências, mas evidências fortes de fraude: diversos pacientes aparentavam ser clones criados por copy-paste, com alguns dados modificados para disfarçar. Como resultado, a plataforma removeu o artigo e os autores ainda não se manifestaram.

A história é ilustrativa para analisar outro caso que vem ganhando espaço na mídia brasileira. Em março, uma equipe de pesquisadores liderada pelo endocrinologista Flávio Cadegiani divulgou em entrevista coletiva resultados espetaculares da proxalutamida, um medicamento antiandrogênico originalmente desenvolvido para tratar o câncer de próstata, que teria levado a uma redução de 92% na mortalidade de pacientes internados com Covid-19.

O grau de sucesso logo chamou a atenção de críticos, que o apontaram como improvável. Também contribuíram para as suspeitas a demora na publicação dos dados (que só foram surgir como preprint mais de três meses depois), a alta mortalidade no grupo placebo, o recrutamento meteórico de mais de seiscentos pacientes em menos de um mês e indícios de desvios em relação ao protocolo aprovado pelo comitê de ética.

Parte do ceticismo, porém, se deve a fatores não relacionados aos dados. Desde o início da pandemia, Cadegiani já havia alegado resultados positivos para o tratamento precoce com hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida e dutasterida, além da própria proxalutamida em pacientes ambulatoriais –uma sequência de sucessos no mínimo improvável. Seu colaborador Ricardo Zimerman foi convidado da bancada governista na CPI da pandemia e virou influenciador digital nas redes sociais e mídias de direita, marcando presença em canais como o de Osmar Terra. Vale ressaltar ainda que as repetidas menções do presidente à proxalutamida não chegam a funcionar como chancela acadêmica.

Seriam essas boas razões, porém, para fechar os olhos para um estudo que alega mais de 90% de eficácia para uma doença que causa milhões de mortes? O lema da Royal Society, afinal, é “nullius in verba” (“nas palavras de ninguém”): dados científicos deveriam ser mais importantes do que quem os apresenta.

A julgar pela recepção ao artigo, porém, a impessoalidade anda em baixa. Em matéria da revista Science, o cardiologista e guru da medicina digital Eric Topol afirma que os resultados são “bons demais pra serem verdade” e que “quase não há intervenções na história da medicina com benefícios dessa magnitude”. A mesma matéria menciona que o New England Journal of Medicine rejeitou o artigo com o argumento de que “os resultados são inesperadamente bons”, o que levaria à necessidade de revisão dos dados primários –que a revista alega não ter capacidade de fazer.

Após ter sua reputação exposta no escândalo da Surgisphere, é compreensível que o New England Journal não queira se arriscar com artigos que levantam suspeitas. Ainda assim, a heurística da decisão parece injustificável — bem como a afirmativa de que a maior revista médica do mundo não tem capacidade para checar os dados originais do estudo, que Cadegiani alega ter oferecido ao editor.

Dito isso, a oferta não parece valer para todo mundo. Ainda que o preprint informe que os dados estão disponíveis mediante solicitação justificada, meu pedido para recebê-los esbarrou na resposta de que “os autores preferem não compartilhá-los neste momento” –uma falsa disponibilidade que faz eco ao link protegido por senha do arquivo egípcio. Ao ser questionado no Twitter, Cadegiani justificou a negativa pela “não equidade de tratamento a diferentes estudos”, sugerindo que o fato de eu não ter solicitado dados de outros trabalhos colocava a minha imparcialidade em questão.

Por incrível que pareça, a recusa em disponibilizar dados originais de um estudo é uma realidade comum na ciência acadêmica. Na impossibilidade de acesso a eles, a crença nas afirmativas de um artigo quase sempre se baseia na palavra dos autores. As palavras podem parecer de ninguém, mas como dizia um comercial viral de algumas décadas atrás, “la garantía soy yo”. O que faz com que a reputação de quem fala conte, e muito, pra decidir no que acreditar.

Com isso, o debate acaba migrando para o jornalismo investigativo –ou para as redes sociais, onde virulentos argumentos “ad hominem” de ambos os lados tentam resolver uma questão insolúvel atacando as reputações de autores e críticos. E como em qualquer tema, cada grupo acabará encontrando a verdade que lhe convém, levando à polarização entre médicos e leigos.

O primeiro passo para a solução do problema é óbvio –os dados anonimizados de um estudo devem estar ao alcance de qualquer um que queira analisá-los. Ainda que estes dados sejam normalmente requisitados por agências reguladoras, e que boa parte dos artigos alegue que eles podem ser obtidos, eles raramente estão disponíveis de fato.

Mesmo com dados abertos, porém, fraudes mais bem feitas do que o tosco copy-paste do artigo egípcio podem ser difíceis de detectar. Com isso, é preciso evoluir para sistemas de auditoria que permitam checar se o que está escrito em um artigo reflete a realidade. Num mundo em que milhões de votos secretos são contados em horas, não deveria ser difícil verificar se pessoas que tomaram um medicamento num estudo estão vivas ou mortas. Estranhamente, porém, essa não parece ser uma prioridade na academia, que se satisfaz com um sistema baseado na confiança que acaba por semear a discórdia.

Eventualmente saberemos se as afirmações de Cadegiani e seus colegas são verdadeiras –a proxalutamida foi aprovada pela Anvisa para novos testes, e o governo paraguaio concedeu uma autorização de emergência para o uso do medicamento. Até lá, porém, passaremos vários meses prejudicando milhares de pessoas, seja por privá-las de um tratamento efetivo, seja por vender as falsas esperanças e os efeitos colaterais de um fármaco ineficaz e seus análogos comerciais, que já vêm sendo prescritos de modo “off-label” no Brasil.

Ambas as alternativas são inadmissíveis e atestam o fracasso da ciência acadêmica em exercer o grau mais básico de controle de qualidade –o de saber se um dado publicado é verdadeiro. Algo que deveria ser um direito de qualquer um, sem a necessidade de senhas, investigações ou súplicas aos autores.

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Olavo Amaral é professor do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da UFRJ e coordenador da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade.

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Uma nova psiquiatria para superar a pandemia https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/07/11/uma-nova-psiquiatria-para-superar-a-pandemia/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/07/11/uma-nova-psiquiatria-para-superar-a-pandemia/#respond Sun, 11 Jul 2021 10:23:43 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/psiquiatria-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=475 Por Eduardo Schenberg

Por que precisamos dos “manifestadores da mente”

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São Paulo é a capital mundial dos transtornos mentais. Embora não seja reconhecido oficialmente, o título pesa. Em 2012 a Universidade Harvard coordenou um estudo com a USP entre as megalópoles planetárias, e a cidade levou o ouro. O Brasil também sobe ao pódio em vários outros levantamentos psiquiátricos. Não estamos todos loucos, mas temos alta prevalência de depressão, transtornos de ansiedade e trauma por violência epidêmica que afetam mais de 80% da população de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

O desafio é gigantesco e requer políticas públicas de prevenção e mitigação. Mas a psiquiatria parece mal preparada para enfrentar a magnitude da tarefa. Grandes farmacêuticas se retiraram do setor em 2010, um “annus horribilis”, e essa retração se refletiu no aperfeiçoamento dos fármacos: os medicamentos atuais oferecem ganhos pequenos comparados aos de quatro décadas atrás. E mais: em toda a medicina, a maior taxa de eventos adversos provocados por medicação incide sobre o tratamento psiquiátrico, afetando 80% dos medicamentos, o dobro da taxa da neurologia.

Enquanto a situação piora durante a pandemia, um campo há pouco pequeno e marginal ocupou o centro das atenções: o estudo do uso terapêutico das substâncias psicodélicas. Nos últimos anos, os investimentos privados saltaram de um para trezentos milhões de dólares, após sete revistas científicas dedicarem suas capas ao assunto. Assim como a ciência nos trouxe as tão necessárias vacinas contra o coronavírus, será ela que poderá providenciar novos tratamentos psiquiátricos, mais rápidos, seguros e eficazes.

A natureza psíquica dos efeitos dos psicodélicos (em grego, “manifestadores da mente”) dispensa apresentações: visualizações caleidoscópicas e fractais multicoloridas, sensação de sinestesia (fusão dos sentidos, como visão e audição), fragmentação ou dissolução do ego e picos emocionais intensos compõem o cerne de uma experiência capaz de marcar vidas. Cerca de 70% dos participantes de um estudo classificaram o efeito da psilocibina como um dos cinco momentos mais importantes da vida. Uma experiência psicodélica pode propiciar profunda ressignificação de si mesmo e de nossas relações humanas e não-humanas. Por que foram precisos quase oitenta anos para levar a sério uma possibilidade como essa?

Não fossem os estigmas e armadilhas semânticas da guerra contra as drogas, a história poderia ter sido outra. Quando resolvi estudar o assunto, há quinze anos, me disseram que seria um “suicídio profissional”. Felizmente estavam errados. Em São Paulo, mapeei ondas elétricas cerebrais de voluntários sob efeito da ayahuasca. No Imperial College, em Londres, participei do primeiro estudo de neuroimagem com o LSD, que revelou o que ocorre no cérebro humano quando milhões de neurônios são ativados pelo famoso psicodélico. De volta ao Brasil, realizamos a primeira pesquisa com MDMA no tratamento de casos graves de transtorno de estresse pós-traumático, e seu uso com prescrição provavelmente será aprovado nos EUA até 2023. A substância é administrada num modelo chamado psicoterapia assistida por psicodélicos (PAP), que pode ser comparada a uma “cirurgia psiquiátrica” por sua ação pontual, de eficácia quase imediata e duradoura.

E estamos prontos para muito mais. Identificamos entre profissionais de saúde brasileiros um desconhecimento significativo sobre o assunto. Em 2020, lançamos um curso online sobre psicodélicos e saúde mental pelo Instituto Phaneros, e ainda em 2021 iniciaremos uma formação especializada em PAP para médicos, psicólogos e psicoterapeutas. Para colocá-la em prática de forma legítima e segura, obtivemos aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para uma série de estudos com MDMA e psilocibina em quase trezentos pacientes com transtornos mentais relacionados à pandemia de Covid-19, que lamentável e desnecessariamente se estende no Brasil.

A devastação desta pandemia só será superada se também cuidarmos da saúde mental.

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Eduardo Schenberg tem doutorado em neurociências pela USP e é diretor do Instituto Phaneros.

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De onde vem a força implacável das superbactérias? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/05/25/de-onde-vem-a-forca-implacavel-das-superbacterias/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/05/25/de-onde-vem-a-forca-implacavel-das-superbacterias/#respond Tue, 25 May 2021 10:10:41 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/serrapilheira_superbacterias_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=423 Por Clarice Cudischevitch

Angélica Vieira acredita que a resposta esteja na microbiota intestinal

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Quando entrou na graduação em biologia em 2002, em Belo Horizonte, Angélica Vieira descobriu que a UFMG tinha laboratórios de pesquisa. Ela estudava em uma faculdade privada para trabalhar durante o dia e ajudar em casa, pois perdeu o pai muito cedo, e decidiu bater de porta em porta: queria fazer iniciação científica na federal, mesmo sem estudar lá. O prof. Mauro Teixeira, do Laboratório de Imunofarmacologia, acolheu a futura cientista, que enveredou pelo universo da microbiota, assunto de seu mestrado e doutorado.

“Não procurei essa área, entrei porque foi a que me aceitou”, ela diz. “Mas foi uma sorte gigantesca, pois desde o primeiro dia me apaixonei pelo assunto.” Nos últimos anos, multiplicaram-se as pesquisas sobre a microbiota intestinal –o conjunto de microrganismos que vivem no trato digestivo e conhecida popularmente como “flora intestinal”, denominação incorreta e felizmente em desuso. Se hoje se fala cada vez mais sobre a relação entre ela e problemas de saúde variados, do câncer à depressão, naquela época era um mundo desconhecido.

No laboratório em que Vieira fez iniciação científica, o grupo tinha interesse em entender o papel das bactérias intestinais em processos inflamatórios. Era o único do Brasil que dispunha de animais gnotobióticos, ou seja, isentos de microrganismos: os camundongos criados lá nasciam por cesárea (a microbiota só se desenvolve após o nascimento), viviam isolados numa bolha e consumiam comida e água estéreis, o que impede a contaminação microbiana.

O grupo observou que esses animais não respondiam aos modelos inflamatórios –em outras palavras, não desenvolviam algumas doenças. Assim, inicialmente se acreditou que as bactérias seriam as responsáveis por causar inflamações. Outros estudos, porém, mostraram que em doenças inflamatórias intestinais como colite ou Chron, os animais desprovidos de microbiota apresentavam quadros muito mais graves.

“Na época nem existiam técnicas de sequenciamento de DNA, mas começamos a explorar esse campo”, conta a bióloga. Surgiu a oportunidade de trabalhar com um grupo no Garvan Medical Research, na Austrália, que identificou nas células do sistema imune um receptor ativado por metabólitos produzidos pela microbiota. A atuação desses microrganismos em processos inflamatórios começava, assim, a se delinear. Vieira sonhava ir para fora do país, mas não sabia falar inglês. Decidiu se virar e seguiu para um doutorado sanduíche.

O trabalho com o grupo australiano foi publicado na “Nature” em 2009, quando surgia o boom para entender mais a fundo a microbiota. O que se observou foi que, em indivíduos saudáveis, as bactérias benéficas são predominantes, enquanto nos doentes elas estão reduzidas. Isso sugere que, nesses casos, os tais metabólitos –produtos do metabolismo– também estão reduzidos e não são ativados.

Esses metabólitos são produzidos quando as bactérias consomem fibras solúveis. Por isso, uma alimentação desbalanceada e pobre em fibras –tão comum no mundo ocidental, voraz consumidor de alimentos ultraprocessados– pode levar ao desequilíbrio da microbiota, chamado de disbiose, e propiciar o desenvolvimento de doenças. Mas a relação danosa não para por aí.

Angélica Vieira investiga hoje um potencial bem mais destrutivo desse desequilíbrio: o desenvolvimento quase implacável das superbactérias, aquelas blindadas a todos antibióticos. A ONU estima que infecções resistentes a drogas possam causar 10 milhões de mortes por ano até 2050, e há quem sustente que elas serão a próxima pandemia. A cientista, aliás, acredita que a Covid-19 vai acelerar a multiplicação das superbactérias, uma vez que muita gente vem usando antibióticos e outros medicamentos de forma descontrolada na tentativa de combater o coronavírus.

A principal causa do surgimento e propagação das superbactérias é, justamente, o uso indevido e desenfreado de antibióticos, cuja produção de novas classes está estagnada há vinte anos. Mas o palpite de Vieira é que a microbiota poderia atuar como importante reservatório de múltiplos genes de resistência. Bactérias são organismos com enorme habilidade em transferir genes a outras bactérias, entre eles genes de resistência a antibióticos.

“A OMS fez uma campanha grande há uns quinze anos mostrando o perigo do uso indiscriminado de antibióticos e promovendo medidas mais restritas, mas a resistência continuou crescendo enormemente nos últimos anos. Por quê?” A hipótese da bióloga é que alterações na microbiota causadas pela dieta ocidental possam ter contribuído para a seleção e disseminação da resistência antimicrobiana.

Ela vem estudando uma superbactéria específica, Klebsiella pneumoniae, que já causou surto de pneumonia no Brasil. “A Klebsiella dissemina genes de resistência com extrema facilidade e não existe qualquer antibiótico eficaz contra ela.” Parte dessa dificuldade em combatê-la talvez se deva à sua presença natural em nossa microbiota que, se não estiver em equilíbrio, pode favorecer a multiplicação da superbactéria.

Vieira, que na iniciação científica trabalhou dois anos como voluntária porque não havia bolsa disponível, hoje coordena o Laboratório de Microbiota e Imunomodulação no Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG. “Nunca tive dúvidas de que queria ser cientista, embora eu, criada na roça, não tivesse noção de como isso poderia acontecer”, conta a mineira de Gororós, distrito com cerca de quinhentos habitantes, hoje mãe de Estela e Rafael.

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Clarice Cudischevitch é jornalista, gestora de Comunicação no Instituto Serrapilheira e coordenadora do blog Ciência Fundamental.

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Estamos preparados para uma próxima pandemia? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/04/estamos-preparados-para-uma-proxima-pandemia/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/04/estamos-preparados-para-uma-proxima-pandemia/#respond Thu, 04 Mar 2021 13:45:28 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/catarina-akiko-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=342 Por Pedro Lira

Há um ano Akiko Iwasaki, referência global em imunologia, vive pela Covid-19

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Em tempos normais, Akiko Iwasaki se dedica a uma pergunta fundamental: como a imunidade se inicia e se mantém nas superfícies mucosas? Mas, quando a Universidade de Yale, onde trabalha, fechou temporariamente os laboratórios que não estavam focados no combate à Covid-19 em março de 2020, sua rotina passou a ser investigar, dia e noite, a nova doença.

“Nosso objetivo foi analisar, em tempo real, as respostas imunes produzidas em pacientes infectados, a fim de desenvolver uma terapia mais eficiente.” Foi assim que, após quase um ano, a professora e pesquisadora se consagrou uma referência global sobre o novo vírus. Acabou descobrindo, por exemplo, que a carga viral na saliva do paciente nos primeiros momentos da infecção pode ajudar a prever a gravidade da doença, e que homens têm duas vezes mais chance de morte por Covid-19.

Para a imunologista, a produção e distribuição de vacinas em apenas um ano representa um marco histórico que só foi possível graças à ciência básica. “Essa rapidez é fruto de décadas de pesquisa fundamental, que tem um papel central em situações críticas”, afirma. Seu orçamento, aliás, acabou num piscar de olhos. “Felizmente recebemos muitas doações de empresas, filantropos e agências de fomento à pesquisa para dar continuidade aos estudos.”

A cientista é taxativa: outras pandemias virão e a sociedade precisa aprender com a experiência. “Eventos como esse sempre vão acontecer”, ela diz. “Nós nos esquecemos disso porque nos acomodamos depois que elas acabam. Será que dessa vez vamos aprender? Vamos estar preparados para o futuro?”

Iwasaki extraiu algumas lições de 2020 –um ano que para ela pareceram dez–, em especial a importância da colaboração. “Não podemos fazer ciência em silos. Precisamos do trabalho conjunto de matemáticos, epidemiologistas, virologistas, imunologistas, e cada um deve entender o que o outro está fazendo. Quando todos se unem, o resultado tem muito mais impacto.”

Nessa lógica, Iwasaki investe na formação de jovens pesquisadores, que são a força motriz do seu laboratório, ela conta. “Eles precisam ter uma formação multidisciplinar, que traz reflexões mais criativas e com efeitos mais significativos. Ao interagirem com cientistas mais experientes, uma geração aprende com a outra.”

Iwasaki também advoga por uma ciência mais plural. “Interagir com diferentes profissionais é vital não só para as disciplinas, mas também para grupos étnicos e de gênero. Todo tipo de diversidade contribui para gerar uma ciência de excelência.”

O mesmo vale para a diversidade ecológica e social do Brasil, com a qual, segundo a imunologista, o país só tem a ganhar se souber aproveitar. “Essa pluralidade vai transformar o futuro da ciência.”

Para 2021, o desejo de Iwasaki é voltar à sua pergunta principal: como os antígenos em contato com a mucosa são absorvidos, processados e apresentados ao sistema imunológico?. “Espero que tenhamos vacina e que possamos voltar a investigar o que nos despertava a curiosidade antes da pandemia”, diz. “Todas as perguntas sem respostas levantadas pelos cientistas continuam sendo importantes.”

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira

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A natureza nos ensina a agir coletivamente https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/27/a-natureza-nos-ensina-a-agir-coletivamente/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/27/a-natureza-nos-ensina-a-agir-coletivamente/#respond Sat, 27 Feb 2021 10:05:43 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/catarina-bessell-simon-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=337 Por Clarice Cudischevitch

Simon Levin mistura matemática, biologia e sociologia para entender o comportamento humano

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Por que peixes nadam em cardumes? Como pássaros voam em bando tão harmonicamente? O que motiva pessoas a não usarem máscara em uma pandemia? Um dos fenômenos mais fascinantes das ciências da vida é, justamente, o conflito entre o comportamento individual e o coletivo. Mas ele não é exclusivo do mundo biológico. O ecólogo Simon Levin o extrapola para as ciências sociais buscando entender condutas de uma espécie em particular: a humana.

Isso porque, embora a seleção natural atue nas diferenças entre indivíduos, a cooperação existe na natureza desde o nível celular até em diferentes animais. Diretor do Centro de BioComplexidade e professor de ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Princeton (EUA), Levin aplica a matemática, sua formação original, para estudar essas duas tendências conflitantes.

Na biologia, elas já são relativamente conhecidas. Pela seleção natural, os organismos mais aptos a sobreviver têm mais chances de passar suas características para os descendentes e, assim, perpetuar seus genes. Em “O Gene Egoísta”, o biólogo Richard Dawkins afirma que um comportamento coletivo, como voar em bando, é adotado por conferir maior probabilidade de sobrevivência a uma linhagem genética.

Quando falamos de interações humanas, no entanto, a conversa é mais complexa. Se peixes nadam em cardumes para benefício mútuo –lutar contra predadores, por exemplo–, adotar um comportamento coletivo que gere benefícios em maior escala para a sociedade geralmente implica restringir ações individuais. “Precisamos aprender com a natureza como alcançar a cooperação”, diz Levin.

Na matemática, é a teoria dos jogos, técnica que modula o comportamento estratégico de agentes em diferentes situações, que dá conta de entender essas relações. Um exemplo clássico: se as pessoas priorizassem o transporte público ao carro, o congestionamento diminuiria, beneficiando a todos. Nesse cenário, no entanto, indivíduos acabariam saindo de carro para aproveitar o fluxo do trânsito, voltando a sobrecarregar as vias. Para a coletividade, seria melhor a cooperação do que ações individuais egoístas.

Essa mistura de matemática com sociologia e toques de biologia é útil para entender a pandemia da Covid-19. Levin, que passou mais de 40 anos estudando a dinâmica de doenças infecciosas, explica que, no caso do coronavírus, aplicamos modelos que predizem a disseminação do vírus, as diferenças entre pacientes com e sem sintomas e outros aspectos que ajudam a pensar em estratégias. Mas falta o componente social.

“Vemos grupos que hesitam em se vacinar. Por quê?”, questiona Levin. “Há os que se recusam a usar máscaras. China, Japão e Ásia em geral são países mais abertos a esse tipo de proteção, enquanto outros, como a Suécia, resistem. Entender isso é um problema das ciências sociais.”

Levin vai além: como decisões coletivas são tomadas? Como normas sociais são criadas e mantidas? Como indivíduos interagem? Um de seus estudos do momento quer entender a dinâmica das polarizações políticas. “Pessoas fazem parte de grupos diferentes, que às vezes se sobrepõem. Desenvolvemos modelos em que os indivíduos mudam suas opiniões ou migram de grupo baseados em interações com outras pessoas.”

Modelos desse tipo também são aplicados em contextos internacionais. Analisam, por exemplo, não apenas as relações entre nações, mas também as influências de organizações como ONU e OMS nas decisões e mudanças de posicionamento dos países.

Tantas incursões interdisciplinares renderam a Levin, hoje com 79 anos, uma produção científica de quase 700 publicações. Doutor desde 1964, é verdade que o cientista não começou agora, mas o segredo é outro.

“Conto com um grupo maravilhoso de estudantes e nada poderia acontecer sem eles”, diz. “O trabalho é fruto de muita colaboração, por isso o esforço de formar pessoas é tão importante. A razão de eu ainda ter alunos é justamente o quanto eu aprendo com eles e vejo o quanto podem construir. Quando as pessoas trabalham juntas podem fazer muito mais.” Eis aí um exemplo humano bem-sucedido de comportamento coletivo.

Simon Levin participará do lançamento no Brasil do Programa de Formação em Biologia e Ecologia Quantitativas, oferecido pelo Instituto Serrapilheira e pelo Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR). Ele vai ministrar um webinar no dia 2 de março, às 11h. Mais informações aqui.

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Clarice Cudischevitch é jornalista, gestora de Comunicação no Instituto Serrapilheira e coordenadora do blog Ciência Fundamental.

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Para onde enviar testes da Covid-19? A matemática tem a resposta https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/12/21/para-onde-enviar-testes-da-covid-19-a-matematica-tem-a-resposta/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/12/21/para-onde-enviar-testes-da-covid-19-a-matematica-tem-a-resposta/#respond Mon, 21 Dec 2020 10:05:14 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/tiago-larissa-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=289 Por Clarice Cudischevitch

E ela é contraintuitiva: no estado de São Paulo, o melhor é não testar na capital

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Não há testes de Covid-19 para todos os brasileiros. O estado de São Paulo, por exemplo, hoje consegue testar 30 mil pessoas por dia — 750 por milhão de habitantes. É pouco e implica fazer escolhas: é melhor concentrar os testes na capital? Em cidades pequenas? Onde é mais eficaz testar a população?

O pesquisador Tiago Pereira, do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria da USP, usa a matemática para encontrar essas respostas. Junto a outros grupos de pesquisa da própria USP, do IMPA, da FGV, da UFAL e da Unicamp, ele desenvolveu um modelo que cruza dados de demografia e telefonia móvel para entender como as pessoas se locomovem. Compreendendo esse padrão, pode-se chegar à melhor forma de distribuir os testes.

O objetivo é encontrar um protocolo de testagem inteligente que, ao ajudar a reduzir a transmissão do vírus, possibilite um retorno possível à normalidade, evitando, por exemplo, o fechamento do comércio. Baseado nisso, o algoritmo decide para onde e quando enviar os testes.

Fazer a vida voltar ao velho normal se tornou um objetivo pessoal de Pereira: ele, que adora ir à universidade, teve que transformar em escritório o quarto do filho de 5 anos. Com três crianças em casa, o tempo para trabalhar diminuiu, enquanto as obrigações dobraram. “O trabalho aumentou quatro vezes”, ele brinca.

O modelo matemático funciona assim: primeiro, faz uma predição de quais medidas o governo deveria tomar (por exemplo, restringir a circulação de pessoas) caso ninguém fosse testado. Depois, avalia quão mais eficiente se torna essa intervenção estatal em diferentes modelos de distribuição dos testes.

Se os testes vão só para as cidades pequenas, a eficiência em fazer a vida voltar ao normal sem prejudicar o sistema de saúde aumenta 10%. Se vão só para a capital, 30%. Caso se teste sob demanda –ou seja, testam-se pessoas sintomáticas–, o aumento é de 35%. Com a testagem inteligente, a taxa vai para 70%.

No início de dezembro, o grupo chegou aos resultados dessa testagem inteligente. O melhor protocolo é distribuir os testes na região metropolitana de São Paulo –não na capital, mas no seu entorno. Assim, garante-se que pessoas de cidades menores que se dirigem à capital não vão causar novas infecções. “A conclusão pode parecer contraintuitiva”, diz Pereira. “Não se espera que não testar na capital gere um controle maior da pandemia.”

O modelo leva em conta não apenas quantas pessoas moram em cada região e suas faixas etárias, mas também a ocupação na UTI, pois a ideia é que a estratégia de testagem seja combinada à redistribuição de leitos para evitar o colapso na saúde. Se uma região está perto de 100% da ocupação de leitos, a equação se autorresolve para realocar os testes para lá.

O trabalho deve ser publicado nas próximas semanas. Essa, no entanto, não foi a primeira vez que o grupo usou a modelagem matemática em estudos sobre a Covid-19. No início da pandemia, buscaram uma forma de otimizar o distanciamento social sem que todas as cidades tivessem de fechar ao mesmo tempo. Também não será a última: os pesquisadores agora tentam desenvolver um modelo que diga quem, onde e quando vacinar para acabar com o coronavírus.

A missão não é fácil, pois o Brasil, à diferença de países como Estados Unidos, Alemanha e França, não tem uma base de dados chamada matriz de contato, que informa como as faixas etárias conversam entre si (quantas crianças de 10 anos moram com idosos; quantos adolescentes convivem nas escolas com pessoas de 50 anos, e por aí vai).

“Essa informação é fundamental para saber por quem começar a vacinação”, explica. A matriz de mobilidade está diretamente relacionada a aspectos culturais de um país. Elas podem indicar que não necessariamente o melhor é vacinar todo mundo com mais de 60 anos. Isso depende de diversos fatores, entre eles a situação de leitos de UTI nas cidades.

Por enquanto, os pesquisadores tentam suprir essa lacuna por meio de análise estatística, ainda sem resultados definitivos. Mas, ao que tudo indica, aqui eles também prometem ser contraintuitivos.

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Clarice Cudischevitch é jornalista, gestora de Comunicação no Instituto Serrapilheira e coordenadora do blog Ciência Fundamental.

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Sem saber epidemiologia, o matemático foi lá e fez https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/12/15/o-matematico-que-sem-querer-mudou-a-epidemiologia/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/12/15/o-matematico-que-sem-querer-mudou-a-epidemiologia/#respond Tue, 15 Dec 2020 10:02:42 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/gonçalo-larissa-ribeiro-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=280 Por Pedro Lira

Gonçalo Oliveira se aventurou pela matemática biológica e contribuiu para a pesquisa sobre epidemias

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Matemático e professor da Universidade Federal Fluminense, Gonçalo Oliveira não era familiarizado com a biologia. Mas, graças à pandemia da Covid-19, passou a olhar para esse universo. Movido pela curiosidade, ele apontou um problema no modelo-padrão utilizado internacionalmente para o controle de epidemias. A observação acabou rendendo um artigo publicado na “Journal of Mathematical Biology”, que os revisores definiram como “uma necessária extensão da teoria”.

A epidemiologia é a ciência que estuda os fatores que determinam a frequência e a distribuição das doenças nas coletividades humanas. A partir da primeira pessoa infectada, o chamado paciente zero, é possível mapear epidemias e pensar estratégias de controle. O grafo –a representação visual de um modelo matemático– que modula epidemias tem a forma de uma árvore: a raiz é o paciente zero; o tronco é a primeira pessoa que ele infecta; os galhos são os demais infectados. Quanto mais frondosa a árvore, maior o problema.

“Essa lógica parte do princípio de que a probabilidade de contágio de uma infecção é sempre igual, independentemente do tipo de contato que as pessoas têm entre si”, explica Oliveira. Ou seja, as chances de o paciente zero infectar seu companheiro de apartamento seriam as mesmas de contaminar alguém em que ele tenha esbarrado no metrô, por exemplo. “A suposição simplifica o modelo, mas é irrealista”, diz o professor.

Oliveira então sugeriu uma adaptação do modelo, levando em conta variados tipos de interações e suas probabilidades de transmissão de vírus. Na prática, este novo grafo multiplica as árvores que modelam o contágio, todas elas partindo da mesma raiz, o paciente zero. O que ele fez foi a mesma análise do modelo anterior, mas agora as diferentes árvores modelam diferentes tipos de interações.

A solução do matemático é mais complexa, mas não implica um cálculo muito mais difícil. Por exemplo, para determinar a média de contágios por infectado é preciso apurar apenas três informações: as probabilidades de transmissão de cada tipo de interação (encontros fortuitos no transporte público, convivência em espaços de trabalho); a média do número médio de interações de cada tipo por indivíduo; e a média do quadrado do número médio de interações de cada tipo por indivíduo.

Pode parecer complicado aos leigos, mas não aos cérebros acostumados à matemática. “É um modelo que não depende de muitas variáveis. Basta encontrar árvores mais simples que modelem de forma macroscopicamente fiel um surto epidêmico real,” garante o professor.

Apesar de a Covid-19 ter inspirado o modelo, este pode ser usado para estudar outros fenômenos associados a modelagens de surtos epidêmicos, como os indivíduos “super-spreaders” –que, por terem contato com muita gente, infectam um grande número de pessoas– e os “super-shedders” –os quais, altamente infecciosos, acabam por infectar muita gente. “Esse modelo é adequado para identificar o efeito dessas figuras na distribuição de uma epidemia, comparar os dois tipos ou até juntar um ao outro”, explica o pesquisador.

A confiança do matemático no modelo é recente. Sua área de pesquisa explora objetos geométricos por meio da física, não tem nada a ver com a biologia matemática. “Comparei meu artigo com outros para ver se estava bom e pesquisei para confirmar que ninguém havia escrito isso antes”, conta. Ele submeteu o estudo aos revisores sem antes mostrá-lo a colegas da área. “Tinha medo de estar escrevendo algo trivial”, confessa.

Só percebeu a relevância do material quando leu o feedback dos especialistas que, além de não apontarem correções, destacaram a importância da descoberta para as pesquisas na área. “Um problema que eu tenho, e muitos outros matemáticos também, é achar que só vou entender uma coisa se eu a fizer. Então estudei e fiz”, conclui.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira

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