Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A forma mais perfeita de comunicação https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/13/a-forma-mais-perfeita-de-comunicacao/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/13/a-forma-mais-perfeita-de-comunicacao/#respond Sat, 13 Nov 2021 10:23:16 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/luna-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=585 Por Pedro Lira

Na matemática, Luna Lomonaco busca dar sentido à aleatoriedade

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Quem via Luna Lomonaco na creche, aos quatro anos, escrevendo cartas de amor em nome dos colegas –era a única da sala que já sabia ler e escrever–, poderia apostar que aquela criança de olhos atentos e pensamento rápido seguiria carreira literária. Não foi bem assim. Interessada em questões filosóficas sobre a vida, ela decidiu cursar matemática para buscar respostas nos números, segundo ela “a forma mais perfeita de comunicação”. 

Mas a relação com a disciplina nem sempre foi harmoniosa. Nascida nos arredores de Milão em 1985, e criada numa cidadezinha perto de Verona, no ensino médio Lomonaco optou pelo clássico –estudou línguas, literatura, filosofia. Então resolveu cursar matemática, acreditando que a disciplina poderia responder a questões fundamentais da humanidade, como “o que é a verdade?”. “Cheguei na graduação com ideias filosóficas. Com 19 anos eu era muito sem noção”, brinca. 

No primeiro ano na Universidade de Pádua, sentiu um choque. Ela, que sempre fora a primeira da turma, não conseguia acompanhar as aulas de exatas. “Se você é parte de uma minoria social e te falta conhecimento, as pessoas te tratam como burro. Por eu ser mulher na matemática e não ter aprendido certos conceitos da área no ensino médio, me convenceram de que eu era ruim.” Mesmo com as adversidades e a tentação de voltar a estudar filosofia, o orgulho e a paixão falaram mais alto e ela não desistiu. 

Lomonaco conseguiu uma bolsa Erasmus para estudar na Espanha. Financiada pela Comissão Europeia, a bolsa é parte de um programa que permite a mobilidade de alunos do ensino superior pela Europa. “Eu era ótima em línguas mortas, como latim, mas não tão boa nas outras. A escolha da Universidade de Barcelona foi fácil pois espanhol é a língua mais próxima do italiano”, confessa. 

Sua relação com os números se consolidou. “Os professores respondiam minhas perguntas e eu já não era tratada como inferior”, lembra. Voltou a Pádua apenas para se formar e retornou à Espanha; engatou no mestrado, também em Barcelona. Dez dias depois da defesa da dissertação, partiu para Dinamarca, para um doutorado na Universidade de Roskilde. 

O clima frio e as relações humanas distantes dificultaram a vida da pesquisadora, apaixonada por interações sociais. Mas foi lá que ela engatou uma parceria com o matemático Carsten Lunde Petersen. O artigo que escreveram juntos rendeu à italiana o prêmio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), que reconhece o melhor trabalho original de pesquisa na área. E não só: foi na Dinamarca que conheceu um pesquisador holandês de física teórica, com quem se casou. Seguem juntos, agora nos trópicos. 

O doutorado não foi suficiente para Lomonaco. Ainda com dúvidas fundamentais sobre a matemática pura, ela conseguiu uma bolsa da Academia Chinesa de Ciências. A experiência na Ásia foi libertadora. “Pela primeira vez senti que podia trabalhar no meu ritmo, sensação desconhecida na Europa”, conta. Mas não só isso. Foi lá que a italiana viu o mundo com outros olhos. “Eu percebi que tinha uma visão limitada, eurocêntrica. Ir trabalhar na China abriu muito meus horizontes.” 

A partir de então não quis mais saber do continente europeu. Ainda na China, um professor lhe recomendou que procurasse uma vaga na Universidade de São Paulo. “Passar no concurso da USP foi um dos momentos mais felizes da minha carreira”, ela relembra. 

Especialista em sistemas dinâmicos, Lomonaco estuda o conjunto de Mandelbrot, um tipo de forma geométrica determinada por fórmulas matemáticas que consegue dar sentido a eventos aparentemente aleatórios. Hoje é uma autoridade em dinâmica complexa, campo da matemática dedicado à investigação dos fenômenos caóticos. “No Brasil, minha carreira progrediu de uma forma que nunca poderia ter imaginado.” 

Atualmente docente do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro –uma das duas mulheres no quadro com 48 pesquisadores–, Luna Lomonaco é um nome de peso na matemática brasileira. Em 2018 recebeu o prêmio Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências. O programa, que visa favorecer o equilíbrio de gênero na pesquisa brasileira, apoia nomes de destaque em diferentes áreas da ciência. 

Ela também foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio da Sociedade Brasileira de Matemática e o Reconhecimento Umalca, distinção internacional que homenageia pesquisadores de excelência na América Latina e Caribe. Na cerimônia, Lomonaco dedicou a honraria a todas as mulheres cientistas.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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Sobre os ombros dos nanicos https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/08/09/sobre-os-ombros-dos-nanicos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/08/09/sobre-os-ombros-dos-nanicos/#respond Mon, 09 Aug 2021 10:07:11 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/blog_textodiversidade_mp-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=502 Por Luiz Augusto Campos

A desigualdade dentro da ciência

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“Se eu pude ver além foi porque estava sobre os ombros dos gigantes”. De mote da página inicial do Google Scholar a título de um best seller de Stephen Hawking, este adágio se tornou símbolo e síntese de como o avanço científico se daria. A história da frase é bem mais complexa, porém. Embora formulada séculos antes, sua versão mais famosa se origina de uma carta enviada por Isaac Newton em resposta a um de seus maiores desafetos, Robert Hooke, que reclamava da falta de reconhecimento de suas contribuições filosóficas às leis da gravidade.

À época, Newton não apenas reivindicava a autoria dessas leis como também discordava de Hooke quanto à importância do conhecimento especulativo para a ciência. Em sua perspectiva, as descobertas científicas seriam feitas em grande medida contra os gigantes, e não a partir deles. O que poucos sabem é que a menção ao gigantismo dos pensadores do passado era provavelmente uma referência irônica de Newton à baixa estatura de Hooke. Logo, mais do que sintetizar o avanço do conhecimento científico, a metáfora seria uma alfinetada sarcástica nas duvidosas teorias de seu interlocutor. Mais importante ainda, ele estava insinuando que Hooke estava longe de ser um desses titãs e que sua contribuição às teorias da gravidade era mínima.

Mas a menção recorrente dessa frase nos dias atuais não apenas contraria uma má interpretação de seu uso mais célebre. Embora sejamos seduzidos pelo heroísmo de precursores como Copérnico, Galileu, Einstein ou Pasteur, a lógica da descoberta científica hoje é muito distinta daquela de outrora. Nomes como Charles Darwin e Thomas Edison, por exemplo, trabalhavam solitários, com experimentos artesanais em laboratórios quase caseiros. Nada mais distante do trabalho coletivo, rotinizado e articulado em rede da ciência contemporânea. Nela, o papel de insights pessoais é importante, porém bem menor do que aquele desempenhado pelo acúmulo de conhecimento realizado por numerosos cientistas.

Não há demérito em deslocar a ênfase nos gigantes para os nanicos, ao contrário. Reconhecer o papel dos muitos em comparação aos poucos é lutar contra uma tendência intrínseca à ciência de distribuir financiamentos e prebendas acadêmicas para seletos indivíduos, invisibilizando o trabalho coletivo por detrás das grandes descobertas. Essa lógica reforça o que o sociólogo Robert Merton chamou de “efeito Mateus”: na ciência, como na parábola bíblica dos talentos, “a quem tem, mais será dado, e terá em grande quantidade, mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado”.

Não existe consenso sobre o que promove o reforço das desigualdades internas à ciência, mas os múltiplos filtros próprios da carreira acadêmica e a lógica altamente hierarquizada dos laboratórios parecem ser elementos centrais. O papel das lideranças na gestão de projetos complexos continua fundamental, mas elas próprias não ignoram as dificuldades em compartilhar as conquistas. Em entrevistas com laureados pelo Nobel na década 1970, Harriet Zuckerman já destacava o incômodo desses cientistas com o excessivo reconhecimento individual que recebiam. Muitos lamentavam que a atenção gerada pelo prêmio encobrisse o trabalho coletivo de numerosas equipes. Ao cunhar a noção de “efeito Matilda”, Margaret Rossiter ressaltou como essa invisibilização afetava as mulheres em particular, mas o mesmo parece se aplicar a cientistas de várias outras minorias políticas.

Afora os raros momentos de revolução paradigmática, a ciência não se faz sobre os ombros de gigantes, mas sobre as contribuições de nanicos. Mesmo as descobertas mais inovadoras costumam se valer do trabalho conjunto de numerosos cientistas que publicam centenas de artigos, trabalhando em laboratórios com equipes de assistentes em estruturas quase industriais, conectadas por redes globais de cooperação. Se as hierarquias acadêmicas têm seu papel na gestão, produção e reprodução da ciência, elas não podem redundar em uma acumulação sem fim de desigualdades e assimetrias. O desafio é, portanto, produzir uma estrutura de recompensas que premie grandes lideranças sem, contudo, ignorar o papel fundamental do trabalho coletivo, sobretudo daqueles e daquelas cientistas oriundos de grupos desfavorecidos e discriminados.

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Luiz Augusto Campos é professor de sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, editor-chefe da revista acadêmica DADOS e pesquisador da diversidade no mundo acadêmico.

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A cientista que se inspira em princesas https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/11/25/a-cientista-que-se-inspira-em-princesas/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/11/25/a-cientista-que-se-inspira-em-princesas/#respond Wed, 25 Nov 2020 05:00:15 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/Serrapilheira-Gabriela-Ramos-Leal-2-300x215.png https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=260 Por Saulo Pereira Guimarães

Gabriela Leal é a primeira brasileira a chegar à final da “Copa do Mundo” da comunicação científica

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Gabriela Ramos Leal está vivendo um conto de fadas. Aos 34 anos, ela foi a primeira mulher a vencer a etapa brasileira do FameLab, a Copa do Mundo da comunicação científica, e a primeira pessoa a representar o país na etapa final da fase internacional da disputa, que terá seu resultado anunciado nesta quinta-feira, dia 26 de novembro. Com vídeos sobre medicina veterinária, a pesquisadora provou que o limite de três minutos por apresentação é suficiente para traduzir de forma clara temas tidos por muitos como difíceis de entender.

Estabanada, a carioca é capaz de quebrar uma caneca no afã de atender o celular. Fala de forma contagiante e tem um jeito divertido que conquista o interlocutor. Porém, diante das câmeras, ela vira estrela de cinema. A dicção expressiva combina com o carisma, surgem sorrisos à la Kamala Harris e passa a ser impossível não ouvir o que Leal tem a dizer. Foi assim em todas as etapas do FameLab 2020, a 15ª edição do concurso criado na Inglaterra, em que cientistas de 32 países apresentaram seus temas de pesquisa em vídeos de até 90 segundos transmitidos pela internet e foram julgados em função do conteúdo, clareza e carisma das apresentações. São qualidades básicas para uma professora, ofício que ela aprecia desde pequena e hoje exerce nas aulas de embriologia veterinária na Universidade Castelo Branco, no Rio de Janeiro.

Foi na infância que começou a relação da atual cientista com seus objetos de estudo. Nascida em Quintino, na Zona Norte do Rio, ela cresceu num prédio em que a entrada de animais era proibida, e por isso na primeira infância seu amor pelos bichos foi meramente platônico. Aos 11 anos Gabi se mudou e ganhou seu primeiro cão, que viveu longevos 18 anos, tendo morrido em 2016. Àquela altura, já veterinária formada, ela descobria uma nova paixão: a pesquisa científica. A convivência com a fauna a ensinou a admirar a lealdade dos cães e até as raras demonstrações de afeto dos gatos, que considera “bons julgadores de caráter”. “Conseguimos ser bem mais humanos quando estamos em contato com os animais”, ela diz.

Fã de princesas, Leal tem em seu quarto 15 peças ligadas ao universo Disney. Mas ela está longe de fazer o gênero princesinha cordata. Em agosto, quando pipocaram críticas contra a nomeação de um médico veterinário para o comando do Programa Nacional de Imunização, ela defendeu a escolha do profissional. Lembrou que seus colegas têm um papel importante no controle de doenças, a ponto de setores como a inspeção de produtos de origem animal só poderem operar com veterinários. “Estamos vivendo uma pandemia que começou porque alguém entrou em contato com carne de animal silvestre não inspecionada em Wuhan, na China. Aqui no Brasil, o trabalho da vigilância sanitária existe justamente para evitar que este tipo de situação aconteça”, ela explica.

No FameLab, a cientista conquistou o público ao falar sobre animais geneticamente modificados para a produção de substâncias que ajudam no tratamento de doenças, como a insulina produzida no leite da vaca (a apresentação pode ser vista aqui, a partir de 47m20s). Agora aguarda ansiosa pelo resultado do concurso, que poderá ter um significado especial não só para ela.

Filha de mãe negra e pai branco, ela demorou a aceitar seu cabelo, foi a única negra de sua turma de graduação, e até hoje só viu um palestrante negro nos congressos dos quais participou. Em seus atendimentos no hospital veterinário em que trabalha, tutores de animais já duvidaram de sua condição de médica. A pesquisadora identifica esta e outras situações como efeitos colaterais do chamado racismo estrutural.

Suas conquistas mostram que, nesta história, o final feliz pode ser o menos importante. “Tenho consciência de que meu trabalho é essencial para inspirar outras pessoas a chegar mais longe”, resume a veterinária.

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Saulo Pereira Guimarães é jornalista.

Este artigo é o segundo de uma série de três textos do blog Ciência Fundamental em homenagem ao mês da consciência negra.

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Por que a ciência precisa de diversidade? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/11/20/por-que-a-ciencia-precisa-de-diversidade/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/11/20/por-que-a-ciencia-precisa-de-diversidade/#respond Fri, 20 Nov 2020 08:00:06 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/diversidade-catarina-bessell.web_-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=254 Por Michel Chagas

Não é só uma questão de justiça social: ela gera pesquisas melhores

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Se a diversidade étnico-racial vem ganhando espaço na agenda de muitos setores da sociedade –nos negócios, na representação política, nas artes, no jornalismo–, nas ciências em geral ela ainda é tímida. Essa lacuna é marcante principalmente em relação ao desafio de reduzir a sub-representação no universo de professores universitários, no financiamento de pesquisas científicas e entre os destinatários das bolsistas de pesquisas.

As pessoas negras (pretos e pardos) representam 56% da população brasileira, mas foi somente em 2019 que pela primeira vez os estudantes negros passaram a ser maioria nas universidades públicas. Segundo o censo da educação superior, porém, apenas 16% do universo de docentes se declarou negro.

Essas disparidades estampam as consequências do racismo e de uma sociedade historicamente desigual. Tais anomalias têm origem no passado, e temos falhado em corrigi-las no presente. Em pleno século XXI é inadmissível fechar os olhos para a ausência de pessoas negras nos diversos setores de nossa sociedade. É nesse contexto que a Coalizão Negra por Direitos –que reúne 150 organizações e coletivos do movimento negro– reafirma que “enquanto houver racismo não haverá democracia“. Não alcançaremos um desenvolvimento robusto e sustentável com mais da metade da população ainda lutando para exercer sua plena cidadania.

A diversidade não é só uma questão de justiça social: os benefícios que ela traz ao ambiente dos negócios e da ciência já foram demonstrados em algumas pesquisas. O trabalho “The Diversity–Innovation Paradox in Science“, de 2020, por exemplo, promovido ao longo de três décadas pela Universidade de Stanford, na Califórnia, analisou dados de quase todos os doutorandos dos Estados Unidos, de todas as áreas do conhecimento, e comprovou que estudantes de grupos sub-representados são significativamente mais criativos que os demais.

A consultoria McKinsey, por sua vez, explorou o ambiente coorporativo na pesquisa “Delivering Through Diversity“, de 2018, mas as conclusões a que chegou são igualmente relevantes para outros segmentos, reafirmando a conexão positiva entre a diversidade no local de trabalho e o desempenho financeiro das empresas.

Por fim, um editorial da revista “Nature”, de 6 de junho de 2018, com o título “Science benefits from diversity“, já afirmava que fomentar a participação de grupos sub-representados não é apenas mais justo, como pode produzir pesquisas melhores. O editorial sublinha que uma ciência sem diversidade é um problema de todos, e que “grupos de laboratórios, departamentos, universidades e financiadores nacionais devem encorajar a participação na ciência do maior número possível de setores da população. É a coisa certa a fazer –tanto moralmente quanto para ajudar a construir um futuro sustentável para a pesquisa que verdadeiramente represente a sociedade”.

Esses são alguns dos muitos estudos que evidenciam que não há como negar o sucesso do desempenho de grupos não homogêneos, na ciência bem como nas demais atividades. E todos nós, individual e coletivamente, podemos adotar atitudes ou estimular medidas para romper com a sub-representação de pessoas negras. Entre alguns procedimentos a serem postos em prática, podemos mencionar: levantamento de dados sobre o perfil étnico-racial e de gênero nas áreas das ciências; ampliação do acesso desses grupos à pesquisa e ao ensino; garantia e desenvolvimento de linhas de apoio e financiamento a suas pesquisas; aplicação de recursos em treinamentos, mentorias e colaborações.

A diversidade não se encerra com a inclusão de diferentes em determinado grupo ou ambiente, assim como não está restrita a características étnico-raciais. No entanto, num país como Brasil, composto em sua maioria de mulheres e pessoas negras, promover a inclusão de tais grupos é condição indispensável para seu desenvolvimento sustentável. Se é fundamental para a ciência, é fundamental para a sociedade.

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Este artigo é o primeiro de uma série de três textos do blog Ciência Fundamental em homenagem ao mês da consciência negra.

Michel Chagas é gestor de Ciência no Instituto Serrapilheira

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Igualdade de gênero em revistas científicas só ocorrerá em 18 anos https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/09/16/igualdade-de-genero-em-revistas-cientificas-so-ocorrera-em-dezoito-anos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/09/16/igualdade-de-genero-em-revistas-cientificas-so-ocorrera-em-dezoito-anos/#respond Wed, 16 Sep 2020 10:30:24 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/rafael-loyola-catarina-bessell-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=210 Por Rafael Loyola

Menos de 30% dos editores em periódicos da ciência da conservação são mulheres; disparidade também existe em outras áreas

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O último relatório do Fórum Econômico Mundial apontou que a desproporção de gênero no trabalho aumentou: só daqui a 257 anos o equilíbrio será alcançado. Por ora, os salários dos homens ainda são em média 40% maiores que os das mulheres.

Quer um exemplo de como essa segregação funciona estruturalmente? Com a crise da Covid-19, a renomada École Normale Supérieure de Paris cancelou as entrevistas presenciais para a admissão em seus cursos e aplicou uma prova escrita que não revelava a identidade dos candidatos. Sabe o que aconteceu? O teste selecionou duas vezes mais mulheres que homens. Um número fora da curva se comparado aos últimos cinco anos de seleção.

Esse é só mais um exemplo de que mulheres são sub-representadas em diversas áreas. Não é diferente na ciência, onde elas tendem a ser (erroneamente) consideradas menos aptas, sobretudo em STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática).

Pensando nisso, há quase dois anos fiz uma provocação aos meus alunos: em que pé estava a liderança e participação feminina em revistas de nossa área de estudo? A presença de mulheres no corpo editorial de publicações científicas é fundamental, uma vez que são os editores que decidem o que virá à luz, direcionando assim a pesquisa nas diferentes áreas da ciência. Tais editores são em geral escolhidos segundo sua liderança e contribuição acadêmica, além do reconhecimento dos pares.

Nosso estudo, que foi liderado por mulheres, avaliou a desigualdade de gênero no corpo editorial de revistas da área de conservação da natureza. Examinamos o expediente de 31 revistas internacionais, no intuito de verificar se houve maior atuação feminina ao longo do tempo.

Não foi surpresa a significativa disparidade de gênero entre os editores: de cada dez profissionais, três eram mulheres. Se considerarmos o cargo de editor(a)-chefe, a porcentagem era ainda menor, meros 19%. Tal desproporção persistia em todos os continentes, independentemente do impacto do periódico no meio acadêmico. É um fenômeno global e consistente.

Tal discrepância numérica não envergonha apenas o campo das ciências de conservação: porcentagem inferior a 30% de mulheres editoras também ocorre em outras áreas da ciência, como ecologia, matemática e medicina. Embora tenha crescido o número de mulheres em cargos editoriais das revistas de conservação, seguindo o ritmo atual, estimamos que a igualdade entre os gêneros só será atingida daqui a 18 anos.

São diversos os fatores que explicam essa assimetria. A homofilia é um deles: homens tendem a publicar pesquisas em parceria com colegas do mesmo gênero e editores homens tendem a convidar profissionais do mesmo gênero para revisar os artigos submetidos às revistas. Esse padrão cria um círculo vicioso: homens publicam mais e por isso são mais frequentemente convidados para atuar como editores de revistas científicas.

Projetos e ações inclusivas focando questões de gênero, cor, etnia e idade têm dado gás à consciência da necessidade de diminuir as desigualdades. A própria ciência já provou que grupos de pesquisa e de trabalho que valorizam a diversidade são mais produtivos e capazes de encontrar melhores soluções para problemas complexos.

A conservação da biodiversidade é um desafio complexo por natureza, que beneficia uma comunidade diversa e inclusiva disposta a solucioná-lo. A Agenda 2030 da ONU listou entre seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) a garantia de oportunidades iguais para a liderança feminina em todos os níveis de deliberações. O mesmo acontece em outras agendas internacionais como a convenção da ONU sobre diversidade biológica. Do ponto de vista acadêmico, não precisamos esperar até 2038 para que mulheres possam tomar decisões importantes na ciência internacional da conservação.

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Rafael Loyola é biólogo e doutor em ecologia. É diretor científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, professor da Universidade Federal de Goiás e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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Mais perto da internet quântica graças a uma brasileira https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/07/29/mais-perto-da-internet-quantica-gracas-a-uma-brasileira/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/07/29/mais-perto-da-internet-quantica-gracas-a-uma-brasileira/#respond Wed, 29 Jul 2020 10:30:29 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/Serrapilheira_SJ_samurai_f_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=172 Por Clarice Cudischevitch

Samuraí Brito quase desistiu, mas acabou na capa da “Physical Review Letters”

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A internet quântica ainda não existe, mas é questão de tempo. Por ora, graças a uma mulher, brasileira, nordestina, descobrimos que as fibras óticas que hoje suportam a internet não darão conta da comunicação quântica em escala global.

Essa mulher é Samuraí Brito, autora principal de um estudo pioneiro que foi capa de uma das publicações sobre física mais importantes do mundo, a “Physical Review Letters”. A descoberta, embora soe pouco animadora, é importante para entendermos a estrutura necessária para operacionalizar a internet quântica, aquela que garantirá segurança absoluta na troca de informações. Ao mostrar as propriedades estatísticas de uma rede que ainda nem existe, a física abriu caminhos para as pesquisas que a tornarão possível.

Desde criança ela sabia que queria ser cientista. Uma das cinco mulheres na turma de cinquenta alunos na graduação em física na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a jovem se desafiava para superar suas próprias expectativas e se destacar em meio aos “meninos superpoderosos”, como ela diz. “A gente cresce num ambiente tão machista que acha que os nomes de sucesso sempre serão dos homens, e acaba querendo ser igual a eles.”

Ao se casar e engravidar ainda nos primeiros anos da faculdade, sentiu os olhares de reprovação. “Alguns professores falaram que eu deveria largar a física, como se não pudesse ser mãe e fazer ciência ao mesmo tempo. Não ouvi de ninguém ‘não desista’. Sumi por dois anos e quando voltei não era mais ninguém ali.”

Após concluir a licenciatura, ela se inscreveu no processo seletivo para o mestrado. Foi reprovada. Como teve gente que passou com notas mais baixas que as dela, Brito procurou o coordenador para entender o que tinha acontecido. Ele respondeu que não tinha explicação. Ela então decidiu cursar o bacharelado e se propôs a tirar nota máxima em todas as disciplinas. Dito e feito.

Uma das matérias obrigatórias para ser admitida no mestrado era física quântica, o terror dos alunos. Sem os pré-requisitos para se matricular no curso, Brito pediu para seguir as aulas como ouvinte. Foi uma das melhores alunas da turma. “No final do semestre, um professor me perguntou: ‘Você é casada? Tem filhos? Não estou entendendo suas notas. Não esperava esse rendimento’.” Foi convidada a ingressar no mestrado por, agora sim, “ter o perfil”.

Única aluna da turma no mestrado a tirar A em todas as disciplinas, na seleção do doutorado ela passou em primeiro lugar e conseguiu a melhor bolsa do CNPq, fundamental para que pudesse se manter financeiramente. No início do doutorado, outra gravidez inesperada. Como a qualificação seria pouco depois do parto, ela fez as provas no puerpério. Passou.

Samuraí é um nome indígena e significa “fruta doce”. Seu avô paterno era descendente de índio, mas foi a avó, cigana, que sonhou que viria uma neta e que a criança teria esse nome. Sua mãe tinha certeza de que teria um menino, e na época não havia dinheiro para o ultrassom.

Ela estudou em escolas públicas a vida toda. No ensino médio, queria ingressar na escola técnica e, sem dinheiro para o curso preparatório, participava de aulões promovidos por vereadores num ginásio em Natal. “Tínhamos que anotar nossas dúvidas num papel, amassar numa bolinha e jogar no palco. Os professores pegavam algumas e respondiam”, conta. “Fora o preconceito machista, não tive nenhuma decepção na carreira. Nunca me arrependi de ter escolhido essa área.”

Cada vez mais interessada pela relação entre a informação quântica e a teoria das redes (em geral aplicada à física clássica), Brito chegou ao pós-doc no Instituto Internacional de Física, em Natal. Integra o grupo de Rafael Chaves, com quem publicou o paper que foi parar na capa da PRL.

No estudo, a pesquisadora propõe o primeiro modelo de redes para a internet quântica e, por meio de simulações numéricas, prova que para criá-la precisaremos de uma estrutura diferente da atual. Seu grupo, no entanto, não parou por aí. Eles já cogitam uma solução alternativa para operar a internet do futuro: satélites distribuidores de emaranhamento quântico. São cenas de um próximo paper.

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Clarice Cudischevitch é jornalista, coordenadora do blog Ciência Fundamental e gestora de comunicação no Instituto Serrapilheira.

Esta coluna foi produzida especialmente para a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Ao longo do mês de julho, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionados ao processo científico, em textos escritos por convidados ou por eles próprios.

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A dança entre buracos negros e estrelas em galáxias distantes https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/12/a-danca-entre-buracos-negros-e-estrelas-em-galaxias-distantes/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/12/a-danca-entre-buracos-negros-e-estrelas-em-galaxias-distantes/#respond Thu, 12 Mar 2020 05:00:41 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/ilustra-texto-karín.-Catarina-Bessell-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=69 Por Karín Menéndez-Delmestre

Para observar buracos negros, é preciso estar atento ao que se passa ao redor deles

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O leitor já se questionou como observamos buracos negros? Se, como se supõe, nem a luz consegue escapar à sua força gravitacional, então como construímos uma imagem real desses objetos? Para enxergar os buracos negros, precisamos ficar de olho no que acontece ao redor deles.

Comecemos pelo básico. Existem buracos negros ditos primordiais (os que se formaram logo depois do Big Bang), mas a maioria deles corresponde ao “cadáver” de uma estrela muito massiva – com pelo menos umas trinta vezes a massa do Sol — que colapsa sobre si mesma. A estrela implode e gera uma densidade muito alta numa região muito compacta, formando um campo gravitacional gigantesco — eis aí o buraco negro.

Se na Terra apenas partículas com uma velocidade que ultrapassa 11,2 km/s são capazes de deixar o planeta, num buraco negro a força de gravidade é tanta que nem a luz (com uma velocidade de 300 mil km/s) consegue escapar. Devido a essa grande força de atração, as partículas de gás que se aproximam do buraco negro (aquelas que ultrapassam o chamado “horizonte de eventos”) são “engolidas”. O leitor deve se lembrar do impacto na mídia que teve o anúncio da primeira imagem de um buraco negro, em 2019 –era precisamente o horizonte de evento, essa borda brilhante, que o poder de vários telescópios terrestres juntos conseguiu capturar.

A luz que forma as imagens capturadas dos buracos negros é a luz emitida pelo gás que orbita nas proximidades desses buracos. Este gás, aquecido pelo atrito, forma um fino disco ao redor do buraco negro, atingindo altas temperaturas e brilhando em diferentes energias, desde o mais “frio” no infravermelho, passando pelo ultravioleta e óptico, até o mais quente, em raios-X. E voilà: eis o potencial de imagens de buracos negros, a depender do telescópio usado.

Com massa equivalente a centenas de milhares, até dezenas de bilhões de massas solares, os buracos negros supermassivos têm a capacidade de alterar significativamente as órbitas das estrelas da vizinhança. Por isso, mesmo se eles não estiverem “engolindo” gás ativamente, podemos detectar sua presença ao observarmos seu efeito nos objetos próximos. Foi assim que soubemos que nossa Via Láctea abriga um buraco negro supermassivo bem em seu centro. Embora seja dormente, ou seja, não esteja “engolindo” grandes quantidades de gás, foi possível detectá-lo ao monitorar seu impacto nas órbitas das estrelas vizinhas, ao longo de mais de uma década, com os maiores telescópios do mundo (no Havaí e no Chile).

Os pesquisadores (entre os quais me incluo) estão empenhados em identificar e estudar buracos negros supermassivos em outras galáxias, pois hoje sabemos que toda galáxia massiva abriga um buraco negro em suas entranhas. Olhando para galáxias distantes, conseguimos ver como elas são palco de uma complexa dança entre o crescimento da massa estelar e o crescimento de um buraco negro supermassivo. Surtos de formação de estrelas se alternam com períodos em que fortes ventos gerados pelo buraco negro supermassivo “desligam” momentaneamente a formação de estrelas. Se quisermos entender como o nosso lar, a Via Láctea, se formou, precisamos entender os detalhes dessa dança.

As imagens de buracos negros nos permitem confirmar muitas das hipóteses sobre a natureza destes objetos, mas, além do horizonte de eventos, apenas podemos nos basear nos modelos teóricos. Para entender verdadeiramente o que acontece num buraco negro, precisamos juntar observações e teoria — o progresso do conhecimento depende tanto de um como do outro. Em 2020, esperamos ansiosamente pelo lançamento do telescópio espacial James Webb. Com um espelho dobrável de 6.5m, será o maior telescópio já lançado ao espaço e nos permitirá descobrir milhares de buracos negros supermassivos. Já estou preparando minha proposta para obter dados.

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Karín Menéndez-Delmestre é astrônoma, professora do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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