Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O que é a vida? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/21/o-que-e-a-vida/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/21/o-que-e-a-vida/#respond Thu, 21 Oct 2021 10:05:12 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/vida-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=560 João Miguel de Oliveira, 6 anos, carioca, fez essa complexa pergunta fundamental para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”. O Serrapilheira chamou três cientistas de áreas diferentes para (tentar) respondê-la.

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A vida é a ordem em meio à desordem, por Hugo Aguilaniu, biólogo geneticista

Na condição de geneticista que pesquisa o envelhecimento, devo dizer que a definição mais estrita de vida não é, de fato, tão simples. A primeira ideia que vem à mente é que um ser vivo deve ser capaz de se mover. Se o movimento macroscópico não for sistemático, deve ser pelo menos molecular: as moléculas devem se transformar ativamente em outras moléculas. Embora isso seja observado em todos os seres vivos, o movimento molecular não é específico dos seres vivos, pois basta pôr duas moléculas reativas em presença uma da outra para dar início aos fluxos químicos, aos movimentos. É, portanto, uma condição necessária, mas não suficiente.

Outra característica da vida é a capacidade de se perpetuar. Os seres vivos são, em sua maioria, mortais, mas podem perpetuar a vida por meio da reprodução, quando então o código genético com todas as informações é fielmente replicado. Não é impossível, porém, que alguns organismos se perpetuem sem se reproduzir, por meio de uma eficiente regeneração. De todo modo, é sempre necessário perpetuar e/ou reproduzir nossa informação genética.

A replicação do código genético implica a capacidade de os seres vivos se manterem em ordem. Estar vivo é precisamente manter certa organização molecular dentro de si. Quando a vida sai de um organismo, podemos ver que os tecidos se decompõem e são logo reduzidos a compostos químicos individuais, não mais ordenados entre si. Essa manutenção da ordem é muito cara em termos energéticos: enquanto houver vida, ela não pode parar. O metabolismo e a ingestão de moléculas que carregam certa quantidade de energia química –o que chamamos nutrição– é que impulsionam esse processo.

Os seres vivos, portanto, consomem energia ao seu redor para se manter em ordem. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, sabemos que a ordem mantida nos indivíduos vivos só é possível ao preço da criação de uma desordem. E essa, por sua vez, é ainda maior que a ordem – tanto que a entropia, a desordem do universo, cresce inexoravelmente.

Uma tabela periódica da vida, por Daniel Valente, físico

Para um físico, a pergunta vai muito além de “como funcionam os organismos vivos tais como os conhecemos”. Há várias comunidades de cientistas buscando uma compreensão que englobe a vida-como-a-conhecemos e a vida-como-poderia-ser.

Suponhamos, por um instante, uma busca por vida fora da Terra. Caso encontremos um sistema auto-organizado e autorreplicante, porém de composição molecular completamente distinta da nossa, como reconhecê-lo como vivo? Tornados, por exemplo, são estruturas auto-organizadas que “sobrevivem” enquanto há energia disponível na atmosfera, mas ninguém os considera organismos realmente vivos. Fogo também sobrevive enquanto dura a energia que o alimenta e, curiosamente, é capaz de se autorreplicar (pense na chama de uma vela quanto toca um novo pavio).

Se a auto-organização e a autorreplicação não são critérios suficientes, será que seria suficiente adicionar a evolução darwiniana à lista? Para constatar que isso não tem muita serventia, basta analisar a chamada “vida artificial” –programas de computador capazes de se autorreplicar, competir por recursos (alocação de memória, energia elétrica na máquina) e desenvolver características complexas a partir de programas simples. Mas essa vida artificial poderia ser posta em pé de igualdade com a vida natural?

Alternativamente à busca por definições, ou por uma lista de atributos, cientistas têm procurado respostas na física do comportamento emergente. Tentamos ver emergir, nos mais diversos sistemas (do nanométrico ao macroscópico) e contextos (contendo fontes de energia luminosa, elétrica, química, térmica), imitações e sobretudo generalizações de todas as possíveis características excepcionalmente similares às dos organismos vivos tal como os conhecemos (auto-organização, automontagem, autorrecuperação, autorreplicação, mutação, adaptação). Algumas buscas se inclinam para os aspectos energéticos da auto-organização longe do equilíbrio termodinâmico (generalizando a noção de metabolismo como um processo emergente na matéria), enquanto outras se inspiram nos aspectos informacionais (imitando o código genético e a capacidade de processamento de informação que emergem em toda célula viva).

Físicos do passado primeiro precisaram responder “o que é gravidade?” para depois criar os satélites artificiais e o GPS. Cientistas do presente têm tentado inventar toda sorte de vida artificial, na expectativa de um dia responder de modo exato a “o que é vida”. Quem sabe ainda haverá uma “tabela periódica da vida”, na qual ordenaremos os sistemas por seu “grau de vida” desde os obviamente não vivos até os obviamente vivos?

A vida é uma obra de Gaia, por Adriana Alves, geóloga

Para um geólogo, a vida envolve os processos compreendidos entre o nascimento e a morte. Entretanto, ao contrário dos biólogos, nós não nos referimos necessariamente apenas a animais, plantas e bactérias como seres vivos. Planetas, estrelas e até vulcões fazem parte desse grupo. Uma estrela, por exemplo, como o Sol, vive para queimar combustível e fornecer luz e calor no processo; um planeta vive para diminuir a temperatura de seu interior até que sua dinâmica interna se paralise. Nós, seres viventes clássicos da biologia, nos originamos da combinação quase milagrosa e acidental de carbono, oxigênio, nitrogênio e hidrogênio… E foi o surgimento dos seres fotossintetizantes  –aqueles que consomem gás carbônico como combustível e soltam oxigênio como subproduto dessa reação– que nos propiciou a atmosfera rica em oxigênio que boa parte dos seres que conhecemos necessitam para seguir vivendo.

Não fosse o pulsante dinamismo da Terra, os continentes não existiriam e o planeta ainda seria uma bola de lava. Sem essa dinâmica tampouco haveria deriva continental, nem as placas tectônicas se encontrariam. Esse “não encontro” impossibilitaria a migração dos hominídeos, que existiriam isolados em algum ponto remoto da África.

Como uma mãe (Pacha Mama ou Gaia), a Terra nos fornece tudo o que precisamos para a vida biológica desde o surgimento da nossa (e de todas) espécie(s). Seja por influenciar a distribuição dos nutrientes do subsolo e a ocupação do território por caçadores coletores, seja por definir a distribuição de metais preciosos usados nos chips do computador em que ora escrevo, a vida humana e de todos os demais seres só se tornou viável por conta da dinâmica peculiar e caprichosa de Gaia.

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Hugo Aguilaniu é diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, Daniel Valente é professor da UFMT e Adriana Alves é professora da USP.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida cientistas para responderem uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta? Veja aqui como colaborar.

 

 

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Por que o coronavírus evolui mais rápido que a gente? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/09/28/por-que-o-coronavirus-evolui-mais-rapido-que-a-gente/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/09/28/por-que-o-coronavirus-evolui-mais-rapido-que-a-gente/#respond Tue, 28 Sep 2021 14:33:31 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/serrapilheira_mutacoes_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=537 Por Murilo Bomfim

Os vírus têm mais filhos em um dia do que podemos ter durante a vida inteira

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O texto abaixo responde à pergunta feita por Amílcar Borges de Jesus, baiano, 9 anos, para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”.

O combate à pandemia já não estava fácil há cerca de um ano, quando a variante Alpha do novo coronavírus deu as caras no Reino Unido e complicou ainda mais a situação. De lá para cá, outras variantes foram identificadas, dando a sensação de que, mesmo com as vacinas, estamos enxugando gelo. O que explica essa evolução tão rápida?

Vírus são seres muito simples, feitos apenas de uma cápsula proteica e do seu material genético (DNA, RNA ou ambos). Quando eles se reproduzem, as informações genéticas são copiadas — e essas cópias estão sujeitas a erros, gerando mutações. É como um telefone sem fio: alguma informação diferente da história original sempre pode ser passada para frente.

É o acúmulo desses erros que forma uma variante. Não é apenas a biologia, no entanto, que explica por que o novo coronavírus evolui mais rápido que os humanos. A questão também é matemática. As mutações que ocorrem na reprodução podem levar a mudanças evolutivas. Se, enquanto espécie, temos novas gerações a cada vinte ou trinta anos, o vírus se replica a cada dez ou vinte minutos. Com uma reprodução mais frequente, as chances de acumular mutações são bem maiores.

Voltando à biologia, existem mecanismos específicos que nos diferenciam dos vírus. Um deles é o sistema de reparação. Quando uma célula humana é copiada, o organismo é capaz de fazer uma checagem em busca de erros. Se um erro é detectado, é corrigido — o que limita nossas mutações. Esse sistema, no entanto, é sujeito a falhas: nesses casos, podemos desenvolver doenças genéticas, por exemplo.

O novo coronavírus também é capaz de fazer reparos, porém suas detecções são muito menos precisas que as dos humanos. A maior parte dos vírus nem conta com esse sistema (fosse esse o caso do coronavírus, faltariam letras no alfabeto grego para nomear variantes).

Além disso, o corpo humano é perspicaz ao organizar suas células. Elas podem ser divididas em dois grupos: somáticas e germinativas. As somáticas compõem a maior parte do organismo. Estão, por exemplo, nos olhos, no fígado, na pele. Elas se reproduzem com mais frequência e podem gerar mutações diversas (que vão de alterações imperceptíveis até a criação de tumores). Mas essas mutações não são passadas aos descendentes. A hereditariedade é poder exclusivo das células germinativas –os óvulos e os espermatozoides. O corpo entende que as mutações que ocorrem nessas células são transmitidas à prole, por isso o sistema de reparo das germinativas é especialmente rígido. Já no universo dos vírus, qualquer mutação é hereditária.

Ser vírus, no entanto, tem lá suas vantagens. A identificação da variante Alpha foi uma surpresa para a comunidade científica que acompanhava as mutações de perto. “Víamos um genoma estável e, de repente, surge uma variante com quinze, vinte mutações”, diz o geneticista Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira. Ele conta que isso é possível quando o vírus encontra um “reservatório”– um lugar onde ele pode se replicar sem ser percebido.

Existem duas teorias para explicar esta aparição repentina das variantes. Uma delas é a reprodução em pessoas imunodeprimidas, que podem abrigar o vírus por meses. Neste período, as mutações se acumulam e a pessoa infectada pode transmitir um coronavírus um pouco diferente daquele que a infectou.

A outra possibilidade é que o novo coronavírus tenha encontrado um reservatório não em humanos, mas em outros animais. Uma espécie suspeita são os visons, sacrificados em massa em países europeus por estarem infectados pelo patógeno. Neste caso, o vírus rapidamente se alastra pelo grupo, sofre mutações e pode voltar a infectar humanos.

Mesmo com tantas variantes, vacinar populações não é enxugar gelo. Enquanto vamos criando resistência contra casos graves de Covid-19, a tendência é que o vírus se torne menos agressivo à saúde humana, talvez sendo comparado a um resfriado qualquer. É bom para nós, que poderemos, enfim, nos livrar da pandemia, e bom para ele, que vai poder se replicar sem virar manchete.

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Murilo Bomfim é jornalista.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida um cientista a responder uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta? Veja aqui como colaborar.

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Por que envelhecemos? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/05/27/por-que-envelhecemos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/05/27/por-que-envelhecemos/#respond Wed, 27 May 2020 14:26:40 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/ilustra-texto-hugo.-Sandra-Jávera-web.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=131 Por Hugo Aguilaniu

A natureza nos mostra que velhice não é sinônimo de desgaste

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Muitos associam velhice a desgaste. Assim como um par de sapatos se deteriora com o tempo, nosso corpo enfraqueceria, pararia de funcionar e morreria.

Desde o final do século 19, o impulso dado por Charles Darwin levou uma comunidade inteira de pesquisadores a questionar os processos da vida à luz da teoria mais recente. O envelhecimento não fugiu à regra.

A observação logo nos permitiu compreender que idade e desgaste são dois processos absolutamente diferentes. Os seres vivos envelhecem de formas muito diversas. O salmão, por exemplo, tem seu amadurecimento físico acelerado após a desova. Alguns vegetais, como Ginkgo biloba e Pinus longavea, se mostram bem pouco suscetíveis à ação de Cronos. Ao analisar a árvore da vida em sua plenitude, salta aos olhos que esse processo não seja apenas físico-químico, como a corrosão.

Existem até algumas espécies que parecem não envelhecer. O rato-toupeira pelado africano é primo do nosso rato, mas ao que tudo indica está protegido dos efeitos do avanço do tempo. Sua expectativa de vida é de cerca de trinta anos, enquanto um rato comum vive entre dois e quatro anos. A hidra, um organismo aquático muito simples da ordem cnidária, dá a impressão de ser congelada no tempo: quando isolada em laboratório, não mostra nenhum sinal de que os anos a desgastaram.

O avançar da idade não está, portanto, necessariamente associado à morte. Sendo assim, perguntar por que envelhecemos é, afinal, relevante.

É muito difícil provar por meio de experimentos as razões para o nosso envelhecimento, mas a hipótese mais plausível se baseia num grande número de observações e comparações entre espécies.

Vale ressaltar que as espécies mais propensas a escapar das agruras da idade são simples em estrutura e função. A hidra ou a água-viva, por exemplo, se reproduzem liberando pólipos e absorvem nutrientes para sobreviver. A reprodução e a nutrição, duas funções básicas necessárias à sobrevivência, são compostas sobretudo de células-tronco capazes de se regenerar e zerar em continuação o contador da passagem do tempo. Essas são as células ancestrais, que desempenham as funções estritamente necessárias à perpetuação da vida. Um organismo que em sua essência é constituído dessas células-tronco perpetua-se ao infinito.

Já os organismos que envelhecem parecem ser mais complexos e têm funções mais diversas. Os seres humanos, por exemplo, desenvolveram funções surpreendentes e quase supérfluas conforme foram evoluindo. Temos cérebro, músculos, olhos e orelhas. Isso implica que desenvolvemos as habilidades de ver, correr, ouvir, dançar e pensar. As células responsáveis por essas funções são as chamadas somáticas, superespecializadas. As dos músculos se contraem, os neurônios transmitem correntes elétricas de um ponto a outro de nosso corpo etc. Estão aptas, portanto, a realizar proezas, porém perderam sua capacidade ancestral de regeneração – elas chegam ao fim.

E as nossas células-tronco? Existem dois tipos principais, as somáticas e as geminais. As células-tronco somáticas são responsáveis pela regeneração de alguns de nossos órgãos, mas essa regeneração é fraca e ocorre apenas em determinados momentos, de forma bastante controlada (ainda não muito bem entendida).

As células-tronco responsáveis pela perpetuação da espécie são as geminais (não somáticas), concentradas em nosso sistema reprodutivo. São elas que permitem a regeneração e o recomeço do zero – mas só fazemos isso para conceber nossos filhos.

Nossa escolha evolutiva foi concentrar essa capacidade regenerativa em determinadas células e desenvolver outras funções espetaculares que nos beneficiam, ainda que não sejam absolutamente essenciais para a sobrevivência. É essa inclinação à diversificação de funções que permite que esse texto seja escrito e lido por alguém, mas não sem um preço: nossa finitude como indivíduos. Uma escolha magnífica que parece filosófica em muitos sentidos.

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Hugo Aguilaniu é biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira

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Uma pista para a juventude eterna https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/04/02/uma-pista-para-a-juventude-eterna/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/04/02/uma-pista-para-a-juventude-eterna/#respond Thu, 02 Apr 2020 05:00:21 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/ilustra-texto-hugo.-Catarina-Bessell-2.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=85 Por Hugo Aguilaniu

Alterações no metabolismo poupam equatorianos com nanismo dos efeitos do envelhecimento

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Não existe remédio para viver mais e melhor além de alimentação equilibrada, exercícios físicos regulares e distância de comportamentos de risco e excessos em geral. Mas hoje temos alguns indícios de como prolongar a expectativa de vida ou atenuar os efeitos do envelhecimento.

Afirmar que determinado tratamento afeta a longevidade não é simples. Para tanto, deveríamos comparar a expectativa de vida (ou a qualidade do envelhecimento) de duas populações humanas idênticas que representassem a totalidade da espécie, submetidas a dois tratamentos diferentes. Esse experimento não é banal por diversas razões.

Em primeiro lugar, é difícil comprovar que duas populações humanas sejam totalmente idênticas e representem essa totalidade: isso só seria possível se as populações fossem grandes o suficiente para serem consideradas estatisticamente idênticas. Outro grande empecilho é o tempo. Por definição, tal experimento seria muito, muito longo; poucos estariam dispostos a investir em um estudo que certamente não poderiam acompanhar até o fim. E por isso as pistas já existentes muitas vezes foram obtidas por meio de encontros quase fortuitos.

Os primeiros experimentos a respeito das causas do envelhecimento foram publicados em 1988 por Thomas Johnson, da Universidade de Boulder (EUA), que mostrou que um gene era capaz de aumentar a longevidade do Caenorhadbitis elegans, um pequeno verme de 1 mm de comprimento. Em 1993, Cynthia Kenyon identificou outro gene cuja alteração encompridava a expectativa de vida do mesmo nematoide.

A descoberta é interessante porque, posteriormente, compreendeu-se que os dois genes tinham relação com a via de sinalização da insulina, aquela que responde à presença do açúcar no organismo e ativa uma série de processos metabólicos, entre os quais o crescimento. Isso significava que essa via metabólica era capaz de regular a longevidade em animais simples como o nematoide.

Essas observações foram confirmadas em outros organismos, como as moscas drosófilas e os ratos. Nesses casos, sim, podemos dizer que um gene afeta o envelhecimento quando comparamos a longevidade de duas populações similares em todos os aspectos, só diferenciadas pelo tal gene. A alteração é feita por cientistas, por meio da manipulação genética, ou seja: sabemos exatamente o que estamos fazendo.

Mas e quanto aos seres humanos? Um indício de peso chega a nós de uma comunidade de equatorianos com nanismo, que sofrem da rara Síndrome de Laron, também observada em populações judias do Mediterrâneo. Supõe-se que esses equatorianos descendam de judeus que fugiram da Inquisição espanhola de Isabel I de Castela (1451-1504).

O médico Jaime Guevara há muito se intrigava com a saúde atípica desse grupo de pequenas pessoas. Ao conhecer Valter Longo, um geneticista italiano que trabalhava com envelhecimento na Universidade do Sul da Califórnia (EUA), os dois logo estabeleceram uma conexão: aquelas 99 pessoas carregavam uma mutação no receptor do hormônio de crescimento que, embora impedisse o desenvolvimento pleno de seus corpos, era muito similar a mutações na via de sinalização da insulina que prolongam a expectativa de vida de animais de laboratório.

Em 2011 Guevara e Longo publicaram um estudo mostrando que esses indivíduos são, de fato, protegidos dos efeitos do envelhecimento e não sofrem de câncer ou diabetes, mesmo com uma dieta comum. Ressalto que, embora resguardados dos dissabores da idade, por serem um grupo reduzido não é possível traçar uma diferença estatística relevante em relação à longevidade.

Ainda assim, é marcante o fato de existir um grupo de quase cem pessoas imunes a doenças derivadas do avançar da idade. Esse tipo de proteção sugere fortemente que a via de sinalização da insulina poderia afetar o envelhecimento nos humanos. A administração de moléculas que atenuem essa via após o período de crescimento poderia então constituir um verdadeiro elixir da juventude.

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Hugo Aguilaniu é biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira

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Tal pai, tal (epi)filho https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/02/20/tal-pai-tal-epifilho/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/02/20/tal-pai-tal-epifilho/#respond Thu, 20 Feb 2020 05:00:00 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ilustra-texto-hugo.-Valentina-Fraiz-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=55 Por Hugo Aguilaniu

Um enteado pode “herdar” características do padrasto?

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Ao longo das últimas décadas aumentou o número de divórcios, bem como o número de rearranjos familiares. Hoje em dia é comum crescer com um padrasto ou madrasta, embora a Justiça, por vezes, resista em equipará-los aos pais biológicos (ainda que cada vez menos). Aos olhos da sociedade, o elo genético prevalece sobre o laço afetivo. Implicitamente, consideramos que convivência e genética são elementos distintos. Mas será que essa separação é real? A vida em família pode ter consequências genéticas?

Por mais assustador que possa parecer, o DNA é considerado uma marca indelével, definitiva e impossível de ser falsificada. É uma ferramenta formidável para definir nossas afiliações e nossas legitimidades. Entretanto, agora esse absolutismo genético está sendo desafiado por nosso entendimento de uma área conhecida como epigenética, que estuda as mudanças no funcionamento de um gene provocadas por fatores ambientais, externos.

Em cada uma de nossas células há 46 moléculas de DNA organizadas em 23 pares. Elas se encontram no núcleo da célula, que representa apenas 10% de seu volume. Cada uma dessas moléculas é linear e tem unidades (chamadas genes) capazes de produzir um efeito na célula. Mais ou menos como uma partitura musical com notas que produziriam um som. O funcionamento adequado do corpo consiste então em tocar, ao mesmo tempo, 46 partituras em cada uma de nossas dez trilhões de células.

No caso do ser humano, nossa música tem cerca de vinte mil notas distribuídas entre 46 partituras – vinte mil genes em 46 moléculas lineares que são, consequentemente, muito longas. Estima-se que, em cada uma de nossas células, as moléculas de DNA enfileiradas meçam quase dois metros.

Quando os geneticistas entenderam a importância dessas notas e de sua ordem, chegaram a uma pergunta aparentemente trivial: como é possível haver dois metros de DNA dentro do minúsculo núcleo de uma célula (cerca de diz micrômetros cúbicos)? É óbvio que esses fios de DNA precisam ser dobrados e compactados com muito cuidado para caber em espaço tão reduzido. A forma como essas dobras ocorrem tornou-se o objeto de estudo da epigenética – não porque os cientistas tivessem um interesse especial por armazenamento e compactação, mas porque isso nos afeta enormemente e de maneira fascinante, por alguns motivos.

Em primeiro lugar, essa organização determina em grande medida a força com que nossos genes serão expressos. É como se essas dobras fossem o ritmo de nossa partitura. Dependendo do ritmo escolhido, podemos ignorar algumas notas, enquanto outras serão mais proeminentes.

Além disso, fatores externos como clima, nutrição, poluição etc. podem ter um impacto direto nessas dobras. Em outras palavras, as condições de vida precisam ser levadas em consideração. É muito provável, portanto, que membros de uma família, rearranjada ou não, apresentem as mesmas regulações epigenéticas (em parte), ainda que não compartilhem os mesmos genes. A despeito de suas notas serem ligeiramente diferentes, o ritmo será idêntico.

É extraordinário como essas alterações na organização – no ritmo – se perpetuam por toda a vida e às vezes são transmitidas de geração em geração, assim como os genes. Exemplo disso são os holandeses que passaram fome e sofreram de desnutrição durante a Segunda Guerra. Os descendentes herdaram marcas epigenéticas e, até hoje, seus netos e bisnetos manifestam uma maior incidência de doenças metabólicas como diabetes.

Isso significa que nossa expressão genética, que nos define biologicamente, é determinada tanto pelas notas em nossa partitura (os genes), que vêm conosco de nossos pais biológicos, quanto pelo ritmo dessa partitura (os fatores externos), que compartilhamos com as pessoas com quem vivemos. Tanto as notas quanto o ritmo em que as tocamos podem ser transmitidos aos nossos filhos. Seria então plausível, do ponto de vista biológico, que os futuros filhos do meu enteado venham, um dia, a se parecer um pouco comigo.

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Hugo Aguilaniu é biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira.

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Por que bebês nascem jovens e não velhos? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/16/por-que-bebes-nascem-jovens-e-nao-velhos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/16/por-que-bebes-nascem-jovens-e-nao-velhos/#respond Thu, 16 Jan 2020 05:00:02 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/ilustr-texto-hugo-julia-debasse-3-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=15 Recém-nascidos não herdam a idade dos pais que os geraram, e a genética tem uma explicação para isso


Hugo Aguilaniu 

A inevitável pergunta das crianças, que às vezes pode nos deixar desconfortáveis, é a clássica “De onde vêm os bebês? Como eles são feitos?”. A melhor forma de responder sem chocar o curioso tem sido tema de debates fervorosos há muitas gerações.

Independentemente do que nós, adultos, respondemos, partimos sempre do pressuposto de que sabemos como são feitos os bebês. O sucesso evolutivo da espécie e o aumento contínuo da população mundial indicam claramente que a maioria de nós não ignora como proceder… Mas será que de fato entendemos como os bebês são “feitos”? Todos conhecemos os mecanismos biológicos que permitem que dois adultos gerem uma criança?

Dada nossa absoluta dependência deste processo, poderíamos imaginar que o compreendemos plenamente, porém não é bem assim. Milhares de equipes de pesquisa se dedicam ao estudo da fase de reprodução (como fazemos um ser a partir de dois?) e à fase de desenvolvimento (como passamos de uma célula para um ser complexo, altamente organizado?). E embora tenhamos o entendimento básico desses processos, um número significativo de questões fundamentais permanece sem resposta.

Tendo a genética do envelhecimento como tema central de minha pesquisa, me interessei por um aspecto em particular dessa grande discussão sobre os bebês. É fato sabido que os recém-nascidos não sofrem das doenças em geral associadas à velhice. Podemos afirmar que os bebês não são velhos —pelo contrário, são jovens “por definição”. Eu pergunto: Como assim? Como conseguimos criar um ser jovem a partir de dois seres que já não são tão jovens? Em outras palavras, qual é o processo, durante a reprodução, pelo qual a idade do filho é redefinida para zero?

Em 2003, um grupo de pesquisa do qual eu fazia parte na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, utilizou um dos sistemas biológicos mais básicos para tentar responder a essa pergunta: observou um organismo unicelular simples —uma levedura de cerveja com o nome encantador de Saccharomyces cerevisiae. Assim como nós, este fermento envelhece e gera “descendentes” que não herdam sua idade. Queríamos visualizar um marcador de envelhecimento conhecido durante a reprodução para identificar o momento mágico em que a idade é redefinida.

Graças a estudos anteriores, sabíamos que um dos marcadores mais comuns eram as proteínas danificadas pela oxidação. Quanto mais velhos ficamos, mais as acumulamos. Ao desenvolver uma técnica que nos permite visualizar apenas essas proteínas, pudemos ver que, no momento da divisão celular que dá origem a uma “célula bebê”, essas proteínas foram retidas na célula mãe para permitir que a célula filha nascesse jovem. Um sacrifício materno em prol da espécie, poderíamos dizer.

De fato, se essa redefinição não ocorresse, os bebês nasceriam com a idade dos pais e, após algumas gerações, assistiríamos à diminuição da espécie.

Em 2010, ampliamos o alcance da pesquisa ao estudar o mesmo fenômeno em um organismo multicelular, muito mais complexo: um pequeno verme, o Caenorhabditis elegans, um nematoide de 1 mm de comprimento. Nele também pudemos identificar o momento chave de “reset” que precede a reprodução. No processo de transformação das células em óvulos, a célula materna, que se funde com o espermatozoide paterno para conceber a primeira célula bebê, passa por uma fase preliminar durante a qual sua oxidação é eliminada por meio de uma máquina celular chamada proteassoma.

Nós, humanos, ainda não sabemos como isso funciona. Há muitas perguntas e experiências por fazer para responder cientificamente a uma das questões mais básicas da humanidade: Como são feitos os bebês?

Hugo Aguilaniu é biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira

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