Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O sorvete, a criminalidade e a Covid-19 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/04/23/o-sorvete-a-criminalidade-e-a-covid-19/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/04/23/o-sorvete-a-criminalidade-e-a-covid-19/#respond Thu, 23 Apr 2020 18:59:05 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/ilustra.-texto-rafael-chaves.-Valentina-Fraiz.web_.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=101 Por Rafael Chaves

Inferir relações de causa e efeito é uma tarefa central mas dificílima em ciência

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Uma busca rápida na internet por “correlações espúrias” trará resultados surpreendentes. O consumo de sorvete e o número de crimes violentos, por exemplo, têm uma correlação quase perfeita ao longo das estações do ano. Seria a extinção do sorvete a chave para acabar com a criminalidade?

O problema desta solução é confundir correlação com causalidade. A origem desta correspondência não é uma relação de causa e efeito, mas sim uma causa comum. Neste caso, a temperatura. Em dias ensolarados, não só mais pessoas saem às ruas – portanto, estão mais sujeitas a cometer e sofrer crimes –, como também maior é vontade de se refrescar. Este fato, apesar de anedótico, traz à tona um problema central em ciência: como estimar relações de causa e efeito a partir de dados observados? Na pandemia atual de Covid-19, é urgente descobrir se um determinado tratamento é a causa da melhora da doença.

Vamos supor que um doente tomou certo remédio e melhorou. Pode parecer promissor, mas devemos ser cautelosos. Talvez o paciente fosse melhorar independentemente do remédio. Para evitar falsas conclusões, devemos realizar um experimento controlado – um grupo de pessoas recebe a droga, e ao outro, o grupo de controle, não se ministra o remédio em questão, ou então se oferece um placebo. Caso os dois grupos mostrem resultados similares quanto à melhora, teremos um indicativo claro da não eficácia do tratamento, certo?

Infelizmente, mesmo em experimentos controlados ainda não podemos ter tanta certeza. Por exemplo, pessoas com mais saúde, portanto com maior chance prévia de recuperação, são menos inclinadas para testar uma droga experimental: elas poderiam melhorar de qualquer modo, com ou sem o remédio. Ao contrário, pessoas em condições extremas, com maior potencial de não resistir à doença, serão mais suscetíveis a aceitar o tratamento. Mesmo que o remédio fosse eficaz, porém, essa eficácia ficaria mascarada pela administração a pessoas cujas chances de melhora já são muito baixas.

Para minimizar a incerteza do efeito causal de um tratamento, há o chamado experimento controlado aleatório. Tal como antes, temos dois grupos, mas cujos membros são escolhidos aleatoriamente, de modo que cada um seja uma amostra fiel da população e todas as suas possíveis pré-condições (social e física, idade, sexo, comorbidades etc). Se sob estas condições o grupo que recebe o tratamento mostrar uma melhora significativa em comparação com o grupo de controle, teremos uma indicação clara da eficácia do remédio. Estes experimentos são considerados o “padrão de ouro” no estudo de relações causais, mas ainda assim estão sujeitos a incertezas e dificuldades. Por exemplo, o efeito placebo nos mostra que mesmo pacientes no grupo de controle (sem receber tratamento) podem ter melhoras induzidas pelo simples fato de imaginarem estarem sendo tratados. Questões éticas também se aplicam. Se acreditamos que uma droga tem o potencial de cura, como podemos privar o grupo de controle de suas benesses?

Apesar de todas estas dificuldades, este problema ainda é um dos mais simples quando falamos de causa e efeito. O que dizer das relações de causalidade em complexas redes biológicas ou sociais? Em meados da década de 90, uma teoria matemática da causalidade começou a ser desenvolvida, nos mostrando como e sob quais condições podemos estimar relações de causa e efeito, e desde então ela tem encontrado aplicações nas mais variadas áreas do conhecimento. Mas, apesar de todo seu sucesso, essa teoria também tem os seus limites.

Na física quântica, devido ao fenômeno do emaranhamento, a teoria clássica da causalidade falha ao tentar distinguir as relações de causa e efeito genuínas das correlações “espúrias”. Pesquisadores ao redor do mundo (entre os quais me incluo) ainda quebram a cabeça tentando descobrir como, e se de fato é possível, descrever de forma causal o mundo quântico.

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Rafael Chaves é físico e pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN

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O que de fato sabemos sobre o aquecimento global? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/25/o-que-de-fato-sabemos-sobre-o-aquecimento-global/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/25/o-que-de-fato-sabemos-sobre-o-aquecimento-global/#respond Wed, 25 Mar 2020 15:23:05 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/ilustra-texto-adriana.-Julia-Debasse.baixa_.png https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=79 Por Adriana Alves

Pistas deixadas no registro geológico da Terra mostram que sim, temos responsabilidade pelas mudanças climáticas

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Uma das perguntas recorrentes sobre aquecimento global é se a atividade humana é de fato culpada pelo aumento alarmante da temperatura. A dúvida é pertinente, pois tanto eras do gelo quanto períodos de clima tórrido são fenômenos naturais que refletem a intrincada dinâmica da Terra. Como os cientistas têm creditado o aumento de temperatura à ação antrópica?

O pouco que sabemos sobre essas alterações no clima se baseia nas pistas deixadas no registro geológico. Por exemplo, o período Criogeniano (kryos = gelo em grego) ocorreu entre 850 e 630 milhões de anos atrás e coincidiu com o surgimento da vida complexa. Acredita-se que, ao retirar gás carbônico (CO2) da atmosfera para utilizá-lo como combustível metabólico, os recém-chegados seres multicelulares teriam desencadeado a longa era do gelo que se seguiu.

Em contrapartida, erupções vulcânicas de grande porte podem transferir massivas quantidades de enxofre e gás carbônico para a atmosfera. Tais gases têm efeitos climáticos opostos, já que o enxofre causa reflexão da radiação solar e diminuição considerável das temperaturas (os chamados invernos vulcânicos), ao passo que o CO2 provoca o já conhecido efeito estufa, com aumento gradativo e duradouro das temperaturas globais.

As camadas de gelo da Antártica são espessas e registram os últimos 800 mil anos de evolução tanto da composição da água do mar quanto da composição atmosférica. Como as águas oceânicas estão em equilíbrio com a composição atmosférica, ao se determinar a quantidade de CO2 presente em geleiras pode-se inferir a evolução da composição atmosférica ao longo do registro geológico. Vêm daí as pistas para responder à pergunta inicial.

Em todo o registro histórico, as concentrações de CO2 nunca haviam excedido 300 ppm (300 microgramas por quilo de gelo analisado). Entretanto, a partir de 1950, as concentrações subiram vertiginosamente, atingindo algo em torno de 420 ppm em apenas setenta anos. Esse excedente de CO2 não é natural, já que sua composição isotópica (algo como o código de barras de procedência do CO2) é semelhante à produzida via queima de combustíveis fósseis e bastante distinta da composição atmosférica natural. Portanto, as forçantes da natureza (atividade vulcânica ou de degradação de rochas carbonáticas) estão recebendo uma contribuição importante de CO2 não natural (aquele oriundo dos motores a combustão).

Quando pensamos na magnitude dos eventos geológicos, somos confrontados com nossa própria pequenez e insignificância. Entretanto, se lembrarmos que nossa atmosfera atual deve sua composição à fotossíntese (sem as plantas e algas, os níveis de oxigênio atmosférico seriam muito menores) e que o surgimento da vida complexa parece ter desencadeado uma das maiores eras do gelo do registro geológico, é difícil não pensar que a Terra é regida por um tênue equilíbrio entre as dinâmicas externa (sobre a qual desempenhamos papel importante) e interna. Fazendo uma comparação rápida, a atividade vulcânica atual é responsável pela emissão de cerca de 0.4 bilhão de toneladas de CO2/ano, ao passo que a emissão antropogênica supera os 9 bilhões de toneladas por ano.

As atividades humanas representam um desequilíbrio considerável nessa dinâmica. Não apenas queimamos mais combustíveis fósseis, como também desmatamos mais e poluímos mais os oceanos, impedindo que parte desse CO2 emitido pelos motores seja “filtrada” via fotossíntese. Assim, a resposta à pergunta inicial fica clara: sim, temos responsabilidade pelo aquecimento global.

Ainda que o aquecimento global possa ter efeito limitado no funcionamento interno do planeta, as consequências de um aumento drástico na temperatura para a vida na Terra são bem conhecidas. Dentre as cinco extinções em massa pelas quais o planeta passou, pelo menos duas estão diretamente ligadas ao aumento da emissão de CO2 via atividade vulcânica e consequente aumento de temperatura.

Resta saber quais rumos a humanidade escolherá para evitar que a sexta grande extinção em massa ocorra. Para alguns estudiosos essa extinção já está em curso.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP

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Por que não existe uma única vacina contra a gripe? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/18/por-que-nao-existe-uma-unica-vacina-contra-a-gripe/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/18/por-que-nao-existe-uma-unica-vacina-contra-a-gripe/#respond Wed, 18 Mar 2020 14:50:06 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/ilustra-texto-gabriela.-Sandra-Jávera-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=74 Por Gabriela Cybis

Vírus em constante mutação exige vacinas sazonais

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Quando você entra em contato com certas doenças infecciosas pela primeira vez, seu corpo cria uma memória imunológica. Caso no futuro ele se depare com o mesmo patógeno, o sistema imune saberá como protegê-lo. As vacinas se servem desse mecanismo de memória, apresentando ao organismo pedaços ou versões enfraquecidas dos agentes infecciosos. Assim, nosso sistema imune adquire o treinamento necessário para nos salvaguardar do patógeno, sem que corramos o risco e o sofrimento de contrair a doença.

As vacinas estão entre as mais importantes descobertas da medicina, sendo responsáveis pela completa erradicação da varíola e pelo controle de diversas outras doenças. A tríplice viral é um ótimo exemplo: duas doses na infância conferem proteção para toda a vida contra caxumba, rubéola e sarampo. O recente retorno de vários casos de sarampo está fortemente associado a uma queda no número de pessoas que buscam imunização.

O caso da gripe, porém, é diferente. Todo ano é lançada uma nova vacina que deve ser tomada para manter o nível de proteção, pois a gripe é um vírus de rápida evolução. Essa evolução é tão rápida que se você pega gripe num ano, há uma boa probabilidade de que a defesa adquirida não seja eficaz contra as versões do vírus que irão circular no ano seguinte.

Como o vírus da gripe está em constante mudança, é fundamental que, para ser efetiva, a vacina seja fabricada com base nas variantes que circulam logo após sua aplicação. O problema é que, como ela demora um tempo para ser produzida, precisamos projetá-la mais de meio ano antes de sua distribuição. Ou seja: não basta conhecer as variantes do vírus hoje ativas. Para planejar uma vacina efetiva, é preciso identificar quais das variantes atuais mais se assemelham àquelas que encontraremos na próxima temporada de espirros. Isso é, precisamos prever o futuro.

Qualquer pessoa que acompanha a Bolsa de Valores ou já tentou comprar moeda estrangeira para uma viagem sabe como é difícil antecipar a situação do dia de amanhã, o que dizer daquela que se apresentará dali a seis meses. Realizar previsões confiáveis está entre os problemas mais desafiadores da ciência. Assim como o bom investidor se cerca de informações sobre as condições do mercado para embasar suas decisões, para fundamentar o design da vacina os cientistas reúnem uma grande quantidade de informações que retratam a situação atual do vírus. Colhem amostras do vírus da gripe ao redor do mundo, registrando o local e a data de coleta. Identificam as sequências genéticas para acompanhar o ritmo da sua evolução. Além disso, como a interação do vírus com o sistema imune é fundamental para a vacina, quantificam quão semelhantes ou diferentes os vírus são nesse quesito.

Mas como extrair sentido desses dados? O que as sequências genéticas de fato podem nos dizer? Comparando-as, podemos determinar quais variantes do vírus são mais próximas ou mais distantes umas das outras, e com os métodos estatísticos adequados podemos até reconstruir a “genealogia” da gripe e identificar em quais linhagens a evolução ocorre de modo mais rápido. Com base em amostras de vírus do passado e informações bioquímicas das proteínas da gripe, é possível mapear as regiões das sequências que são os motores da evolução viral em cada temporada. É crucial, pois, desenvolver métodos estatísticos, geralmente envolvendo um grande componente computacional para integrar dados tão diferentes e deles extrair conhecimento que auxilie no design da vacina.

E assim, todo ano, a Organização Mundial da Saúde reúne um grupo de especialistas que, de posse dos dados disponíveis e do resultado dos estudos mais recentes, seleciona as variantes do vírus que serão empregadas para produzir a vacina do ano seguinte. É uma aposta. Apoiada em dados e na melhor ciência disponíveis, mas uma aposta. (Esse exercício deverá ser repetido anualmente, até que novas tecnologias o tornem obsoleto.)

E qual o resultado dessa aposta? Bem, todo ano milhares de vidas são salvas e milhões de pessoas deixam de ser infectadas devido à ação da vacina. Pouco não é.

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Gabriela Cybis é bióloga, professora de Estatística na UFRGS, atua em modelagem estatística para genética

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A dança entre buracos negros e estrelas em galáxias distantes https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/12/a-danca-entre-buracos-negros-e-estrelas-em-galaxias-distantes/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/12/a-danca-entre-buracos-negros-e-estrelas-em-galaxias-distantes/#respond Thu, 12 Mar 2020 05:00:41 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/ilustra-texto-karín.-Catarina-Bessell-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=69 Por Karín Menéndez-Delmestre

Para observar buracos negros, é preciso estar atento ao que se passa ao redor deles

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O leitor já se questionou como observamos buracos negros? Se, como se supõe, nem a luz consegue escapar à sua força gravitacional, então como construímos uma imagem real desses objetos? Para enxergar os buracos negros, precisamos ficar de olho no que acontece ao redor deles.

Comecemos pelo básico. Existem buracos negros ditos primordiais (os que se formaram logo depois do Big Bang), mas a maioria deles corresponde ao “cadáver” de uma estrela muito massiva – com pelo menos umas trinta vezes a massa do Sol — que colapsa sobre si mesma. A estrela implode e gera uma densidade muito alta numa região muito compacta, formando um campo gravitacional gigantesco — eis aí o buraco negro.

Se na Terra apenas partículas com uma velocidade que ultrapassa 11,2 km/s são capazes de deixar o planeta, num buraco negro a força de gravidade é tanta que nem a luz (com uma velocidade de 300 mil km/s) consegue escapar. Devido a essa grande força de atração, as partículas de gás que se aproximam do buraco negro (aquelas que ultrapassam o chamado “horizonte de eventos”) são “engolidas”. O leitor deve se lembrar do impacto na mídia que teve o anúncio da primeira imagem de um buraco negro, em 2019 –era precisamente o horizonte de evento, essa borda brilhante, que o poder de vários telescópios terrestres juntos conseguiu capturar.

A luz que forma as imagens capturadas dos buracos negros é a luz emitida pelo gás que orbita nas proximidades desses buracos. Este gás, aquecido pelo atrito, forma um fino disco ao redor do buraco negro, atingindo altas temperaturas e brilhando em diferentes energias, desde o mais “frio” no infravermelho, passando pelo ultravioleta e óptico, até o mais quente, em raios-X. E voilà: eis o potencial de imagens de buracos negros, a depender do telescópio usado.

Com massa equivalente a centenas de milhares, até dezenas de bilhões de massas solares, os buracos negros supermassivos têm a capacidade de alterar significativamente as órbitas das estrelas da vizinhança. Por isso, mesmo se eles não estiverem “engolindo” gás ativamente, podemos detectar sua presença ao observarmos seu efeito nos objetos próximos. Foi assim que soubemos que nossa Via Láctea abriga um buraco negro supermassivo bem em seu centro. Embora seja dormente, ou seja, não esteja “engolindo” grandes quantidades de gás, foi possível detectá-lo ao monitorar seu impacto nas órbitas das estrelas vizinhas, ao longo de mais de uma década, com os maiores telescópios do mundo (no Havaí e no Chile).

Os pesquisadores (entre os quais me incluo) estão empenhados em identificar e estudar buracos negros supermassivos em outras galáxias, pois hoje sabemos que toda galáxia massiva abriga um buraco negro em suas entranhas. Olhando para galáxias distantes, conseguimos ver como elas são palco de uma complexa dança entre o crescimento da massa estelar e o crescimento de um buraco negro supermassivo. Surtos de formação de estrelas se alternam com períodos em que fortes ventos gerados pelo buraco negro supermassivo “desligam” momentaneamente a formação de estrelas. Se quisermos entender como o nosso lar, a Via Láctea, se formou, precisamos entender os detalhes dessa dança.

As imagens de buracos negros nos permitem confirmar muitas das hipóteses sobre a natureza destes objetos, mas, além do horizonte de eventos, apenas podemos nos basear nos modelos teóricos. Para entender verdadeiramente o que acontece num buraco negro, precisamos juntar observações e teoria — o progresso do conhecimento depende tanto de um como do outro. Em 2020, esperamos ansiosamente pelo lançamento do telescópio espacial James Webb. Com um espelho dobrável de 6.5m, será o maior telescópio já lançado ao espaço e nos permitirá descobrir milhares de buracos negros supermassivos. Já estou preparando minha proposta para obter dados.

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Karín Menéndez-Delmestre é astrônoma, professora do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Tal pai, tal (epi)filho https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/02/20/tal-pai-tal-epifilho/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/02/20/tal-pai-tal-epifilho/#respond Thu, 20 Feb 2020 05:00:00 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ilustra-texto-hugo.-Valentina-Fraiz-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=55 Por Hugo Aguilaniu

Um enteado pode “herdar” características do padrasto?

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Ao longo das últimas décadas aumentou o número de divórcios, bem como o número de rearranjos familiares. Hoje em dia é comum crescer com um padrasto ou madrasta, embora a Justiça, por vezes, resista em equipará-los aos pais biológicos (ainda que cada vez menos). Aos olhos da sociedade, o elo genético prevalece sobre o laço afetivo. Implicitamente, consideramos que convivência e genética são elementos distintos. Mas será que essa separação é real? A vida em família pode ter consequências genéticas?

Por mais assustador que possa parecer, o DNA é considerado uma marca indelével, definitiva e impossível de ser falsificada. É uma ferramenta formidável para definir nossas afiliações e nossas legitimidades. Entretanto, agora esse absolutismo genético está sendo desafiado por nosso entendimento de uma área conhecida como epigenética, que estuda as mudanças no funcionamento de um gene provocadas por fatores ambientais, externos.

Em cada uma de nossas células há 46 moléculas de DNA organizadas em 23 pares. Elas se encontram no núcleo da célula, que representa apenas 10% de seu volume. Cada uma dessas moléculas é linear e tem unidades (chamadas genes) capazes de produzir um efeito na célula. Mais ou menos como uma partitura musical com notas que produziriam um som. O funcionamento adequado do corpo consiste então em tocar, ao mesmo tempo, 46 partituras em cada uma de nossas dez trilhões de células.

No caso do ser humano, nossa música tem cerca de vinte mil notas distribuídas entre 46 partituras – vinte mil genes em 46 moléculas lineares que são, consequentemente, muito longas. Estima-se que, em cada uma de nossas células, as moléculas de DNA enfileiradas meçam quase dois metros.

Quando os geneticistas entenderam a importância dessas notas e de sua ordem, chegaram a uma pergunta aparentemente trivial: como é possível haver dois metros de DNA dentro do minúsculo núcleo de uma célula (cerca de diz micrômetros cúbicos)? É óbvio que esses fios de DNA precisam ser dobrados e compactados com muito cuidado para caber em espaço tão reduzido. A forma como essas dobras ocorrem tornou-se o objeto de estudo da epigenética – não porque os cientistas tivessem um interesse especial por armazenamento e compactação, mas porque isso nos afeta enormemente e de maneira fascinante, por alguns motivos.

Em primeiro lugar, essa organização determina em grande medida a força com que nossos genes serão expressos. É como se essas dobras fossem o ritmo de nossa partitura. Dependendo do ritmo escolhido, podemos ignorar algumas notas, enquanto outras serão mais proeminentes.

Além disso, fatores externos como clima, nutrição, poluição etc. podem ter um impacto direto nessas dobras. Em outras palavras, as condições de vida precisam ser levadas em consideração. É muito provável, portanto, que membros de uma família, rearranjada ou não, apresentem as mesmas regulações epigenéticas (em parte), ainda que não compartilhem os mesmos genes. A despeito de suas notas serem ligeiramente diferentes, o ritmo será idêntico.

É extraordinário como essas alterações na organização – no ritmo – se perpetuam por toda a vida e às vezes são transmitidas de geração em geração, assim como os genes. Exemplo disso são os holandeses que passaram fome e sofreram de desnutrição durante a Segunda Guerra. Os descendentes herdaram marcas epigenéticas e, até hoje, seus netos e bisnetos manifestam uma maior incidência de doenças metabólicas como diabetes.

Isso significa que nossa expressão genética, que nos define biologicamente, é determinada tanto pelas notas em nossa partitura (os genes), que vêm conosco de nossos pais biológicos, quanto pelo ritmo dessa partitura (os fatores externos), que compartilhamos com as pessoas com quem vivemos. Tanto as notas quanto o ritmo em que as tocamos podem ser transmitidos aos nossos filhos. Seria então plausível, do ponto de vista biológico, que os futuros filhos do meu enteado venham, um dia, a se parecer um pouco comigo.

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Hugo Aguilaniu é biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira.

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Como estudar o impalpável? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/como-estudar-o-impalpavel/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/como-estudar-o-impalpavel/#respond Thu, 13 Feb 2020 05:00:44 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ilustr-texto-karín-valentina-fraiz-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=49 Por Karín Menéndez-Delmestre

A busca dos astrônomos pela matéria escura e seus mistérios

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O ser humano já deu grandes passos na conquista do conhecimento da natureza, mas ainda temos um longo caminho pela frente. A matéria cotidiana que nos rodeia, por exemplo, mar, terra, livros, cabelo e colheres, compreende o que chamamos de matéria “normal”. Toda ela ela corresponde a apenas 15% da matéria no Universo. O “resto”, ou seja, 85%, é uma substância invisível e impalpável chamada “matéria escura”. Como não emite nenhuma luz, ela é indetectável de forma direta pelos telescópios. Se não podemos enxergá-la, e muito menos encostar nela, como estudá-la e fazer avançar o entendimento desse grande mistério?

Aí é que entra a missão dos astrônomos — enxergando apenas a luz e as partículas emitidas por estrelas, gás e poeira, nós trabalhamos para construir modelos que expliquem e descrevam a formação e a distribuição de toda a matéria. A partir da posição e do movimento da matéria luminosa, determinamos o volume e a distribuição espacial da matéria escura. Seria como tentar reconstruir a forma e a disposição das folhas de uma árvore de Natal em meio ao breu, tendo como única referência a distribuição das lâmpadas coloridas.

Traçando o movimento de gás e das estrelas em galáxias individuais, percebe-se que cada galáxia está completamente embebida num halo de matéria escura. O movimento de galáxias em grupos sugere que estão inseridas num grande poço gravitacional de matéria escura, formando uma única estrutura gravitacionalmente ligada. Esse grande poço exerce uma forte atração gravitacional em halos menores, fazendo com que o efeito acumulativo de fusões ao longo de bilhões de anos leve às maiores estruturas no Universo compostas de até milhares de galáxias — um verdadeiro imã gravitacional.

A despeito dos avanços no entendimento da distribuição de matéria escura no Universo, ainda nos escapa a natureza da partícula dessa matéria. A interação gravitacional com a matéria normal permite traçar a distribuição da matéria escura em escalas de milhares, até centenas de milhares de anos luz. Mas é com a esperança de que a matéria escura interaja de forma não gravitacional com a matéria normal que diversos experimentos de detecção de partículas vêm sendo desenhados nas últimas décadas, na expectativa de flagrar a matéria escura numa colisão energética com partículas terrestres.

Ante a dificuldade em detectar as partículas que comporiam a matéria escura, alguns grupos de pesquisa consideram hipóteses alternativas: em vez de considerar a existência de matéria escura, estes modelos se baseiam na suposição de que a teoria da gravidade funciona diferentemente em escalas menores do que em escalas maiores. Embora algumas teorias alternativas consigam reproduzir várias observações astronômicas e cheguem a superar as falhas do modelo de matéria escura, elas claudicam em outros aspectos em que o modelo da matéria escura é bem-sucedido. Mesmo assim, as buscas alternativas têm um papel crucial para a solução de um problema ainda não resolvido. E é assim mesmo que funciona a ciência: ela consiste num processo orgânico de busca por respostas.

A incógnita da matéria escura desde seus primeiros indícios no começo do século XX tortura intelectualmente as comunidades científicas. Físicos teóricos e experimentais, astrofísicos observacionais, computacionais e teóricos — todos e todas se unem para encarar o problema. É juntando diferentes comunidades científicas, criando novas ideias híbridas que esperamos descobrir um dos maiores mistérios do século XX.

E a história não para por aí. O Universo não é composto apenas por matéria: na verdade, ele é dominado por uma energia misteriosa que chamamos de “energia escura”. No final das contas, aquela matéria “normal” que conhecemos e entendemos corresponde apenas a 4% de certeza que flutua em 96% de mistério — um mistério constituído de matéria escura e energia escura.

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Karín Menéndez-Delmestre é astrônoma e professora do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Uma abordagem holística para enfrentar os desafios ambientais https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/02/06/uma-abordagem-holistica-para-enfrentar-os-desafios-ambientais/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/02/06/uma-abordagem-holistica-para-enfrentar-os-desafios-ambientais/#respond Thu, 06 Feb 2020 05:00:44 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ilustr-texto-bernardo-valentina-fraiz-v1-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=46 Por Bernardo B. N. Strassburg

Quando a solução é maior que a soma dos problemas

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O ano de 2020 é mais importante para o futuro da humanidade e da vida na Terra do que maioria de nós desconfia. Claro, tem a eleição que decide sobre Trump, a tensão no Oriente Médio, e sobretudo o ressurgimento do Botafogo. Mas até o mais desconectado pastor de renas do Ártico sabe disso.

O que não é do conhecimento de todos, o que acho uma pena, são os passos que serão dados – ou não – sobre os três grandes desafios das próximas décadas: mudanças climáticas, crise de biodiversidade e transição rumo aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em conferências programadas ao longo ano, espera-se que as nações acelerem a implementação dos ODS (Nova York, julho), celebrem um novo e ambicioso acordo sobre a proteção da natureza do planeta (Kunming, outubro) e dobrem seus esforços planejados de combate às alterações do clima (Glasgow, novembro).

Em 2019 foi publicado o mais abrangente relatório científico já produzido sobre o estado da vida na Terra e sua consequência para as pessoas, com atenção aos tópicos acima. Os números principais apontam para mais de 1 milhão de espécies ameaçadas de extinção e forte redução na capacidade da natureza de apoiar o bem-estar humano – com preponderante impacto nos mais vulneráveis. A repercussão do relatório foi enorme, tendo dominado a mídia mundial e as redes sociais (por alguns minutos, até que Trump tuitasse alguma coisa).

Embora a atenção imediata tenha se dirigido ao colapso da vida no planeta, uma das mensagens mais importantes desta revisão do conhecimento científico (145 cientistas principais, dos quais fiz parte, analisaram mais de 10 mil artigos científicos ao longo de três anos) é incontestável: os três desafios estão interconectados de maneira indissociável.

Ou seja: não conseguiremos atingir os ODS sem combater as mudanças climáticas, que não serão resolvidas sem a conservação da natureza, que só ocorrerá de forma sustentável com um desenvolvimento socioeconômico mais justo. Aqui, o copo meio vazio mostra que é impossível solucionar qualquer um desses desafios globais de forma independente, o que complexifica o entendimento e a busca por soluções. Se estas forem pensadas para apenas um deles, elas impactarão negativamente os outros.

Um exemplo dessa complexidade pode ser depreendido de um estudo científico sobre a política de combustíveis renováveis dos Estados Unidos. Desenvolvida também com o objetivo de mitigar mudanças climáticas, tal política, ao substituir combustíveis fósseis por etanol, evitou a emissão direta de 18 milhões de toneladas de gás carbônico. Mas o etanol norte-americano é produzido à base de milho, e seu uso como combustível reduziu sua oferta como alimento, o que elevou o preço e a produção de milho em outros países, o que levou ao desmatamento e à emissão de 29 milhões de toneladas de CO2. O resultado final foi negativo para o clima, gerou insegurança alimentar e o mundo perdeu 700 mil hectares de floresta tropical nesse processo.

O copo meio cheio é que a ciência mostra que essas interconexões, se bem compreendidas, podem servir de alavancas para soluções que ataquem os três problemas simultaneamente. E é na captura das sinergias que repousa a esperança de que é possível, sim, superar ao mesmo tempo esses desafios. Se tivéssemos que encará-los de forma independente, com as gigantescas transformações socioeconômicas necessárias para cada um deles, não teríamos fôlego.

E o papel da ciência é fundamental aqui. A compreensão dessas relações intrincadas passa por pesquisas transdisciplinares que focam o entendimento de padrões de comportamento desses sistemas socioecológicos acoplados, complexos e dinâmicos. No próximo post, veremos como a ciência está iluminando sinergias rumo a um futuro mais saudável para o planeta e para nós.

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Bernardo Strassburg é professor da PUC-Rio em geografia e sustentabilidade e diretor do Instituto Internacional para Sustentabilidade


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O Brasil já foi um território de vulcões https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/30/o-brasil-ja-foi-um-territorio-de-vulcoes/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/30/o-brasil-ja-foi-um-territorio-de-vulcoes/#respond Thu, 30 Jan 2020 05:00:58 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/ilustr-texto-adriana-valentina-fraiz-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=35 Por Adriana Alves

Ainda não sabemos por que eles não estão associados a grandes extinções como a dos dinossauros

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O Brasil é um dos países mais estáveis do mundo em termos de desastres naturais. Ao contrário de nossos vizinhos, não somos assombrados pela possibilidade de erupções vulcânicas nem temos terremotos de grande magnitude. Mas nem sempre foi assim.

A evolução geológica do território brasileiro registra desde soerguimentos de cadeias de montanhas tão altas quanto os Himalaias até campos vulcânicos de tamanho tão impressionante que os cientistas os chamam de LIPs — Large Igneous Provinces, províncias ígneas gigantes.

A configuração continental da Terra é definida pela tectônica de placas. O encaixe perfeito entre os limites dos continentes sul-americano e africano é a evidência mais contundente de que os dois já estiveram juntos. A abertura do oceano Atlântico se deu há mais ou menos 134 milhões de anos e foi marcada pela formação de uma grande província vulcânica que recobriu cerca de 1/4 do território do país. As lavas podiam atingir até 1 km de espessura, chegavam a 1000º C e corriam até 10 km/h. Uma pequena parte dessa grande província ficou no continente africano e por isso se chama Província Paraná-Etendeka (90% da província ocorre no que chamamos de bacia Paraná, que recobre o estado homônimo e boa parte do Centro Sul do país, e Etendeka é o nome de um campo de montanhas na Namíbia).

O evento durou de 1 a 4 milhões de anos (um tempo curto, se considerarmos que a Terra tem 4,5 bilhões de anos) e implicou a liberação de 1,2 milhão de km3 de lava. Províncias vulcânicas como a brasileira são eventos raros, que despertam o interesse de geólogos e geofísicos por não estarem associadas aos limites de placas tectônicas (onde a atividade vulcânica geralmente se concentra) e por serem contemporâneas de três das cinco grandes extinções que afetaram a vida no planeta.

O exemplo mais significativo dessa associação vulcão-extinção é justamente aquele que quase dizimou a vida na Terra. Há 252 milhões de anos, cerca de 70% da vida desapareceu do registro de fósseis (90% das espécies marinhas pereceram e o evento ficou conhecido como Great Dying, grande morte). A única pista que temos é a coincidência temporal com a liberação de 2 milhões de km3 de lava observados no que hoje é a Sibéria.

Mas como os vulcões matam em escala global? A resposta ainda não está bem desenhada, mas acredita-se que mudanças climáticas catastróficas decorrentes do aporte de gases vulcânicos para a atmosfera (enxofre, gás carbônico, cloro e flúor) tenham desencadeado uma sucessão de eventos — aquecimento global, chuva ácida, acidificação e retirada de oxigênio dos oceanos — que teriam provocado um colapso da cadeia alimentar, com consequente extinção.

A essa altura o(a) leitor(a) atento(a) deve estar ansioso(a) por conhecer a taxa de extinção associada à província Paraná-Etendeka. Lamento, mas nossas lavas não causaram extinção em massa. E por que não houve extinção? Mais uma vez, lamento, mas a resposta é: ainda não sabemos.

Uma anedota da Segunda Guerra Mundial pode jogar luz sobre a questão. Os Aliados contrataram engenheiros para reforçar as partes dos aviões que voltavam cravadas de balas — o reforço das áreas mais afetadas (asas e estabilizadores horizontais da parte traseira) aumentaria a taxa de retorno dos aviões. O estatístico Abraham Wald observou que os aviões que regressavam eram justamente os que continuavam voando após os ataques: era preciso descobrir quais as áreas afetadas nos aviões que não regressavam. Esse erro lógico foi batizado de survivorship bias, viés de sobrevivência. Assim, Wald sugeriu reforçar as turbinas e o motor, e a taxa de regresso dos aviões aumentou significativamente.

Os geólogos têm feito o mesmo que os engenheiros da anedota. Todos os projetos dedicados a investigar a associação vulcão-extinção estão focados em províncias associadas a eventos de extinção. Ao que parece, as respostas começarão a ser mais bem delineadas quando olharmos para a peça que falta do quebra-cabeças: as informações trazidas pelas grandes províncias que não causaram extinção, como a brasileira.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP

 

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Por que bebês nascem jovens e não velhos? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/16/por-que-bebes-nascem-jovens-e-nao-velhos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/16/por-que-bebes-nascem-jovens-e-nao-velhos/#respond Thu, 16 Jan 2020 05:00:02 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/ilustr-texto-hugo-julia-debasse-3-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=15 Recém-nascidos não herdam a idade dos pais que os geraram, e a genética tem uma explicação para isso


Hugo Aguilaniu 

A inevitável pergunta das crianças, que às vezes pode nos deixar desconfortáveis, é a clássica “De onde vêm os bebês? Como eles são feitos?”. A melhor forma de responder sem chocar o curioso tem sido tema de debates fervorosos há muitas gerações.

Independentemente do que nós, adultos, respondemos, partimos sempre do pressuposto de que sabemos como são feitos os bebês. O sucesso evolutivo da espécie e o aumento contínuo da população mundial indicam claramente que a maioria de nós não ignora como proceder… Mas será que de fato entendemos como os bebês são “feitos”? Todos conhecemos os mecanismos biológicos que permitem que dois adultos gerem uma criança?

Dada nossa absoluta dependência deste processo, poderíamos imaginar que o compreendemos plenamente, porém não é bem assim. Milhares de equipes de pesquisa se dedicam ao estudo da fase de reprodução (como fazemos um ser a partir de dois?) e à fase de desenvolvimento (como passamos de uma célula para um ser complexo, altamente organizado?). E embora tenhamos o entendimento básico desses processos, um número significativo de questões fundamentais permanece sem resposta.

Tendo a genética do envelhecimento como tema central de minha pesquisa, me interessei por um aspecto em particular dessa grande discussão sobre os bebês. É fato sabido que os recém-nascidos não sofrem das doenças em geral associadas à velhice. Podemos afirmar que os bebês não são velhos —pelo contrário, são jovens “por definição”. Eu pergunto: Como assim? Como conseguimos criar um ser jovem a partir de dois seres que já não são tão jovens? Em outras palavras, qual é o processo, durante a reprodução, pelo qual a idade do filho é redefinida para zero?

Em 2003, um grupo de pesquisa do qual eu fazia parte na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, utilizou um dos sistemas biológicos mais básicos para tentar responder a essa pergunta: observou um organismo unicelular simples —uma levedura de cerveja com o nome encantador de Saccharomyces cerevisiae. Assim como nós, este fermento envelhece e gera “descendentes” que não herdam sua idade. Queríamos visualizar um marcador de envelhecimento conhecido durante a reprodução para identificar o momento mágico em que a idade é redefinida.

Graças a estudos anteriores, sabíamos que um dos marcadores mais comuns eram as proteínas danificadas pela oxidação. Quanto mais velhos ficamos, mais as acumulamos. Ao desenvolver uma técnica que nos permite visualizar apenas essas proteínas, pudemos ver que, no momento da divisão celular que dá origem a uma “célula bebê”, essas proteínas foram retidas na célula mãe para permitir que a célula filha nascesse jovem. Um sacrifício materno em prol da espécie, poderíamos dizer.

De fato, se essa redefinição não ocorresse, os bebês nasceriam com a idade dos pais e, após algumas gerações, assistiríamos à diminuição da espécie.

Em 2010, ampliamos o alcance da pesquisa ao estudar o mesmo fenômeno em um organismo multicelular, muito mais complexo: um pequeno verme, o Caenorhabditis elegans, um nematoide de 1 mm de comprimento. Nele também pudemos identificar o momento chave de “reset” que precede a reprodução. No processo de transformação das células em óvulos, a célula materna, que se funde com o espermatozoide paterno para conceber a primeira célula bebê, passa por uma fase preliminar durante a qual sua oxidação é eliminada por meio de uma máquina celular chamada proteassoma.

Nós, humanos, ainda não sabemos como isso funciona. Há muitas perguntas e experiências por fazer para responder cientificamente a uma das questões mais básicas da humanidade: Como são feitos os bebês?

Hugo Aguilaniu é biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira

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