Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O que é a vida? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/21/o-que-e-a-vida/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/21/o-que-e-a-vida/#respond Thu, 21 Oct 2021 10:05:12 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/vida-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=560 João Miguel de Oliveira, 6 anos, carioca, fez essa complexa pergunta fundamental para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”. O Serrapilheira chamou três cientistas de áreas diferentes para (tentar) respondê-la.

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A vida é a ordem em meio à desordem, por Hugo Aguilaniu, biólogo geneticista

Na condição de geneticista que pesquisa o envelhecimento, devo dizer que a definição mais estrita de vida não é, de fato, tão simples. A primeira ideia que vem à mente é que um ser vivo deve ser capaz de se mover. Se o movimento macroscópico não for sistemático, deve ser pelo menos molecular: as moléculas devem se transformar ativamente em outras moléculas. Embora isso seja observado em todos os seres vivos, o movimento molecular não é específico dos seres vivos, pois basta pôr duas moléculas reativas em presença uma da outra para dar início aos fluxos químicos, aos movimentos. É, portanto, uma condição necessária, mas não suficiente.

Outra característica da vida é a capacidade de se perpetuar. Os seres vivos são, em sua maioria, mortais, mas podem perpetuar a vida por meio da reprodução, quando então o código genético com todas as informações é fielmente replicado. Não é impossível, porém, que alguns organismos se perpetuem sem se reproduzir, por meio de uma eficiente regeneração. De todo modo, é sempre necessário perpetuar e/ou reproduzir nossa informação genética.

A replicação do código genético implica a capacidade de os seres vivos se manterem em ordem. Estar vivo é precisamente manter certa organização molecular dentro de si. Quando a vida sai de um organismo, podemos ver que os tecidos se decompõem e são logo reduzidos a compostos químicos individuais, não mais ordenados entre si. Essa manutenção da ordem é muito cara em termos energéticos: enquanto houver vida, ela não pode parar. O metabolismo e a ingestão de moléculas que carregam certa quantidade de energia química –o que chamamos nutrição– é que impulsionam esse processo.

Os seres vivos, portanto, consomem energia ao seu redor para se manter em ordem. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, sabemos que a ordem mantida nos indivíduos vivos só é possível ao preço da criação de uma desordem. E essa, por sua vez, é ainda maior que a ordem – tanto que a entropia, a desordem do universo, cresce inexoravelmente.

Uma tabela periódica da vida, por Daniel Valente, físico

Para um físico, a pergunta vai muito além de “como funcionam os organismos vivos tais como os conhecemos”. Há várias comunidades de cientistas buscando uma compreensão que englobe a vida-como-a-conhecemos e a vida-como-poderia-ser.

Suponhamos, por um instante, uma busca por vida fora da Terra. Caso encontremos um sistema auto-organizado e autorreplicante, porém de composição molecular completamente distinta da nossa, como reconhecê-lo como vivo? Tornados, por exemplo, são estruturas auto-organizadas que “sobrevivem” enquanto há energia disponível na atmosfera, mas ninguém os considera organismos realmente vivos. Fogo também sobrevive enquanto dura a energia que o alimenta e, curiosamente, é capaz de se autorreplicar (pense na chama de uma vela quanto toca um novo pavio).

Se a auto-organização e a autorreplicação não são critérios suficientes, será que seria suficiente adicionar a evolução darwiniana à lista? Para constatar que isso não tem muita serventia, basta analisar a chamada “vida artificial” –programas de computador capazes de se autorreplicar, competir por recursos (alocação de memória, energia elétrica na máquina) e desenvolver características complexas a partir de programas simples. Mas essa vida artificial poderia ser posta em pé de igualdade com a vida natural?

Alternativamente à busca por definições, ou por uma lista de atributos, cientistas têm procurado respostas na física do comportamento emergente. Tentamos ver emergir, nos mais diversos sistemas (do nanométrico ao macroscópico) e contextos (contendo fontes de energia luminosa, elétrica, química, térmica), imitações e sobretudo generalizações de todas as possíveis características excepcionalmente similares às dos organismos vivos tal como os conhecemos (auto-organização, automontagem, autorrecuperação, autorreplicação, mutação, adaptação). Algumas buscas se inclinam para os aspectos energéticos da auto-organização longe do equilíbrio termodinâmico (generalizando a noção de metabolismo como um processo emergente na matéria), enquanto outras se inspiram nos aspectos informacionais (imitando o código genético e a capacidade de processamento de informação que emergem em toda célula viva).

Físicos do passado primeiro precisaram responder “o que é gravidade?” para depois criar os satélites artificiais e o GPS. Cientistas do presente têm tentado inventar toda sorte de vida artificial, na expectativa de um dia responder de modo exato a “o que é vida”. Quem sabe ainda haverá uma “tabela periódica da vida”, na qual ordenaremos os sistemas por seu “grau de vida” desde os obviamente não vivos até os obviamente vivos?

A vida é uma obra de Gaia, por Adriana Alves, geóloga

Para um geólogo, a vida envolve os processos compreendidos entre o nascimento e a morte. Entretanto, ao contrário dos biólogos, nós não nos referimos necessariamente apenas a animais, plantas e bactérias como seres vivos. Planetas, estrelas e até vulcões fazem parte desse grupo. Uma estrela, por exemplo, como o Sol, vive para queimar combustível e fornecer luz e calor no processo; um planeta vive para diminuir a temperatura de seu interior até que sua dinâmica interna se paralise. Nós, seres viventes clássicos da biologia, nos originamos da combinação quase milagrosa e acidental de carbono, oxigênio, nitrogênio e hidrogênio… E foi o surgimento dos seres fotossintetizantes  –aqueles que consomem gás carbônico como combustível e soltam oxigênio como subproduto dessa reação– que nos propiciou a atmosfera rica em oxigênio que boa parte dos seres que conhecemos necessitam para seguir vivendo.

Não fosse o pulsante dinamismo da Terra, os continentes não existiriam e o planeta ainda seria uma bola de lava. Sem essa dinâmica tampouco haveria deriva continental, nem as placas tectônicas se encontrariam. Esse “não encontro” impossibilitaria a migração dos hominídeos, que existiriam isolados em algum ponto remoto da África.

Como uma mãe (Pacha Mama ou Gaia), a Terra nos fornece tudo o que precisamos para a vida biológica desde o surgimento da nossa (e de todas) espécie(s). Seja por influenciar a distribuição dos nutrientes do subsolo e a ocupação do território por caçadores coletores, seja por definir a distribuição de metais preciosos usados nos chips do computador em que ora escrevo, a vida humana e de todos os demais seres só se tornou viável por conta da dinâmica peculiar e caprichosa de Gaia.

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Hugo Aguilaniu é diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, Daniel Valente é professor da UFMT e Adriana Alves é professora da USP.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida cientistas para responderem uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta? Veja aqui como colaborar.

 

 

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O que faz um vulcão adormecido renascer das cinzas? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/09/o-que-faz-um-vulcao-adormecido-renascer-das-cinzas/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/09/o-que-faz-um-vulcao-adormecido-renascer-das-cinzas/#respond Sat, 09 Oct 2021 10:23:38 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/serrapilheira_vulcoes_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=545 Por Adriana Alves

Nem sempre conseguimos prever a natureza

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Desde o dia 19 de setembro, as imagens do vulcão Cumbre Vieja, na ilha espanhola de La Palma, nas Canárias, tomaram conta dos noticiários. A visão do rio incandescente que desce numa cadência voraz tem deslumbrado a todos, cientistas ou não, afligindo os moradores.

Depois de meio século adormecido, o Cumbre Vieja despertou furioso e suas lavas já recobrem quatro quilômetros quadrados. A chegada da língua de fogo à costa acendeu o alerta para a potencial emissão de gases tóxicos disseminados pelo súbito resfriamento da lava em choque com o mar.

Mas como é que um vulcão adormecido entra em erupção sem dar pistas? Por que as autoridades não evacuaram previamente as casas na rota da lava? Por que não foi possível impedir a destruição das cerca de mil edificações no entorno?

Perguntas similares, que variam apenas quanto à localização do fenômeno, vêm sendo pesquisadas há décadas, e a geologia já tem respostas satisfatórias para qualquer vulcão terrestre adormecido, porém ainda ativo. Já em janeiro de 2021 pesquisadores de diversas nacionalidades assinaram um texto na revista “Scientific Reports” alertando para a iminente erupção do lado mais jovem da ilha, o Cumbre Nueva. O trabalho, servindo-se de dados de radar de alta resolução e de uma inovadora técnica de tratamento e interpretação de imagens, destacava o aumento anômalo do edifício vulcânico, um dos principais indícios de retorno à vida de vulcões inativos.

O crescimento insólito decorre da injeção de grande volume de magma proveniente das profundezas do manto terrestre, uma massa quente e carregada de espécies voláteis, sobretudo água, gás carbônico e dióxido de enxofre. Só para se ter uma ideia, o vulcão expeliu cerca de 250 mil toneladas de enxofre desde o primeiro dia de erupção… O odor nas cercanias não deve estar agradável, mas a irritação dos olhos e vias aéreas deve incomodar muito mais.

Vulcões adormecem quando o magma do reservatório que os alimenta se cristaliza, impedindo que a lava se movimente. A chegada de novos pulsos de magma “rejuvenesce” o reservatório ao fundir parte desses cristais, permitindo que o sistema volte a fluir.

A pressão excessiva causada pelo efeito combinado do volume de magma recém-chegado e da expulsão de espécies voláteis desses novos pulsos (mais ou menos o que ocorre quando se abre a tampa de uma garrafa de bebida gaseificada) leva ao “inchaço” da estrutura, provocando o rompimento de zonas de fraqueza do edifício e a consequente erupção. Todo esse processo é acompanhado de uma mudança drástica na composição e no volume dos gases exalados pelo vulcão. Tal alteração, somada ao aumento no registro de sismos, são os marcadores da chegada de novos pulsos de magmas, potencialmente desencadeadores de erupções.

No caso do sistema vulcânico de La Palma, todos esses indícios estavam presentes, e o que impediu o sucesso do plano de preservação das edificações foi a imprevisibilidade dos fenômenos naturais. Os cientistas foram surpreendidos por uma migração do conduto vulcânico principal que implicou uma alteração do ponto de saída da lava, que era esperada para a região Cumbre Nueva –onde o inchaço do edifício era mais evidente no início do ano. Entretanto, a erupção foi deslocada para o sul, e a lava recobriu depósitos vulcânicos mais antigos do Cumbre Vieja. Ainda que a natureza siga sempre o caminho mais fácil, este nem sempre se mostra óbvio, a despeito dos avanços tecnológicos.

Tais avanços também não implicam maiores chances de alteração do curso das lavas, já que exemplos “bem-sucedidos” são irrisórios e duvidosos. Na Itália, por volta de 1670 foi construída uma trincheira em torno do Monte Etna com a intenção de redirecionar o fluxo de lava. A iniciativa funcionou em termos, já que a lava se desviou para uma comunidade vizinha. Muitas pelejas e algumas mortes depois, a trincheira se mostrou insuficiente para acomodar o crescente volume de lava e ambas as localidades foram afetadas pela erupção.

Se não temos poder para afetar a dinâmica interna da Terra, tampouco temos meios eficazes de impedir que sua pujança nos dobre sob o peso de nossa insignificância.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP.

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A teoria da evolução pensada pela inteligência artificial https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/05/16/a-teoria-da-evolucao-pensada-pela-inteligencia-artificial/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/05/16/a-teoria-da-evolucao-pensada-pela-inteligencia-artificial/#respond Sun, 16 May 2021 10:15:10 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/darwin_pixel-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=405 Por Adriana Alves

Um novo estudo usou ferramentas da IA para revisitar teorias já consolidadas

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Em trabalho publicado na revista “Nature”, no apagar das luzes de 2020, cientistas combinaram inteligência artificial e registro de fósseis para contribuir para uma das teorias mais aceitas da ciência: a evolução das espécies.

O surgimento da vida visível na Terra, há cerca de 540 milhões de anos, favoreceu a preservação fóssil de diferentes espécies. Foi o estudo desse registro que permitiu a identificação de cinco grandes extinções, bem como de inúmeros períodos de evolução acelerada das espécies. Curiosamente, a aceleração da evolução parecia decorrer de eventos de extinção em massa e da desimpedida evolução das espécies sobreviventes.

Até o ano passado, o link entre extinção e evolução estava sujeito a críticas baseadas, em parte, no caráter espacial e temporalmente irregular dos registros mais antigos de fósseis. Os resultados do novo estudo sugerem que, de fato, não há relação temporal entre a diversificação da vida e eventos catastróficos anteriores. Mais do que isso: em alguns casos, os períodos de diversificação acelerada da vida parecem, paradoxalmente, ter consequências similares às extinções em massa.

As ferramentas de inteligência artificial empregadas no estudo permitiram decifrar os padrões escondidos em uma base de dados paleontológicos que reúne pouco mais de 1,2 milhão de registros, referentes a mais de 170 mil espécies. Foi possível visualizar pela primeira vez nos últimos 540 milhões de anos os períodos de explosão da vida, de extinção em massa e de intenso surgimento de novas espécies desencadeado por crises biológicas.

Traduzidos em diagramas, os resultados do novo estudo permitem identificar não apenas as cinco maiores extinções em massa, mas também outros sete eventos de extinção de menor magnitude e quinze eventos de altíssimas taxas de surgimento de novas espécies. Além desses, dois eventos em que extinção e diversificação de espécies caminharam juntas são mostrados pela primeira vez com clareza.

Os padrões revelam um equilíbrio entre períodos de extinção em massa e de diversificação incrementada de espécies, com um contínuo de eventos separando esses dois extremos. Surpreendentemente, os resultados do trabalho indicam que os eventos de evolução acelerada da vida (aqueles com taxas incrementadas de mudanças adaptativas ou surgimento de novas espécies) não apresentam associação temporal com a maioria das extinções em massa que os precederam.

Muito pelo contrário, os padrões identificados indicam que a evolução acelerada pode ter efeitos destrutivos similares aos das grandes extinções em massa. Ao contrário do que se observa na dobradinha evolução/extinção, o papel da diversificação da vida na destruição de espécies seria promover maior competição, acarretando o desaparecimento de espécies menos adaptadas.

O quão disruptivo de fato será o novo estudo ainda descobriremos, pois essas conclusões com certeza serão alvo de escrutínio por parte de cientistas. O importante é que ele une duas tendências que vieram para ficar e que talvez fomentem avanços científicos sem precedência: de um lado, os recursos da inteligência artificial; de outro, o contraditório nos forçando a revisitar teorias já consolidadas.

Nota: alguns trechos do artigo foram editados no dia 19 de maio para que se tornassem mais claros.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP.

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Por que um país sem vulcões ainda deve se preocupar com eles? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/31/por-que-um-pais-sem-vulcoes-ainda-deve-se-preocupar-com-eles/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/31/por-que-um-pais-sem-vulcoes-ainda-deve-se-preocupar-com-eles/#respond Wed, 31 Mar 2021 13:09:18 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/vulcoes_serrapilheira_hor_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=362 Por Adriana Alves

Nem todos são tão inofensivos como o que está em erupção na Islândia

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Nas últimas semanas os noticiários nos brindaram com belas imagens da erupção de um vulcão islandês situado a 30 km da capital, Reykjavik. Cientistas aproveitam a oportunidade para coletar amostras frescas de lava, enquanto moradores jogam vôlei nas cercanias do vulcão que acabou se tornando uma atração turística. A aparente placidez da erupção pode enganar os espectadores sobre os perigos que vulcões ativos representam. Mas nem todo vulcão do país é tão inofensivo assim.

No século 18, nove mil islandeses morreram em decorrência de uma erupção vulcânica de grande magnitude. No vale do Nilo, a 5,5 mil quilômetros dali, os egípcios experimentaram uma das maiores crises agrícolas de sua história, que gerou uma onda de mortes por inanição e dizimou 1/6 dos habitantes da região.

Aparentemente desconectados, os dois eventos foram provocados por diferentes agentes de um mesmo autor: o vulcão Laki, no sul da Islândia. Os efeitos imediatos foram sentidos pelos islandeses, que inalaram gases tóxicos e conviveram com os funestos efeitos dos vastos volumes de lavas. No segundo sítio, as mortes foram desencadeadas pela nuvem de cinzas que se espalhou em direção ao sul, carregando, além de material particulado, gases como enxofre, que em altas concentrações pode levar à diminuição das temperaturas e causar chuvas ácidas, ambas com efeitos catastróficos para a agricultura.

Outro vulcão islandês teve efeitos que ficaram conhecidos no mundo todo. A explosão do Eyjafjallajökull em 2010 foi responsável por uma interrupção do tráfego aéreo global que acarretou graves consequências econômicas e sociais.

Mas por que vulcões de um mesmo país suscitaram efeitos significativos em áreas geográficas tão diversas? A resposta, desoladora para os cientistas, foi delineada em trabalho publicado na revista Nature Communications no início de 2021.

Historicamente, os vulcanólogos acreditavam que quanto maiores as partículas expelidas durante explosões vulcânicas, menor seria seu tempo de permanência na atmosfera e, por conseguinte, menor o alcance da nuvem de cinzas.

Entretanto, os resultados do trabalho indicam que, mesmo com diâmetros relativamente grandes, as partículas se mantêm em suspensão e viajam por dias e até meses a distâncias tão impressionantes quanto os mais de cinco mil quilômetros das cinzas do vulcão Laki, ou mesmo distâncias supra-oceânicas, como ocorreu com o Eyjafjallajökull.

Os mecanismos que governam a dispersão dessas partículas envolvem sofisticados fatores aerodinâmicos, mas as simulações numéricas e as observações de campo revelaram um sistema extremamente eficiente em que partículas de menor tamanho formam um invólucro em torno de partículas maiores, permitindo sua sustentação em suspensão. Essa viagem sustentada se dá em decorrência da maior interação proporcionada pelo aumento da área superficial do agregado de partículas e das intrincadas células de convecção do ar que se formam nos contatos entre elas. É como se ao pegar carona em uma partícula relativamente grande, as menores encontrassem um meio mais eficiente de chegar em maior número a distâncias substancialmente maiores. Não por acaso, o mecanismo foi apelidado de rafting, em alusão ao esporte radical.

A notícia é desoladora por um motivo em particular: os estudos foram conduzidos a partir da observação de vulcões relativamente pequenos, que não fazem sombra às maiores erupções que a Terra já testemunhou. Um desses gigantes, o sistema de Yellowstone, ora adormecido, tem potencial de causar explosões cuja magnitude sequer pode ser mostrada em livros, já que a magnitude do vulcanismo é representada em uma escala logarítmica –que está para os vulcões assim como a escala Richter está para os terremotos.

A cadeia vulcânica de Yellowstone, nos Estados Unidos, é composta por cerca de 60 mil quilômetros cúbicos do tipo mais explosivo de lava do planeta (as ricas em silício e gases). Se tal cenário já é assustador por si só, ele se torna mais catastrófico quando considerado o subsistema mais profundo, que apesar de menor potencial explosivo tem um volume quatro vezes maior que o sistema superficial.

O que aconteceria caso Yellowstone entrasse em erupção? Os seres petrificados de Pompéia e as superproduções hollywoodianas nos sugerem um prognóstico nada animador.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP.

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Como a vida se recupera das extinções em massa https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/04/16/como-a-vida-se-recupera-das-extincoes-em-massa/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/04/16/como-a-vida-se-recupera-das-extincoes-em-massa/#respond Thu, 16 Apr 2020 17:36:22 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/ilustra-texto-adriana.-Julia-Debasse-web.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=97 Por Adriana Alves

O planeta já viveu cinco grandes extinções –e uma sexta está a caminho. Mas a vida sempre parece prosperar

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But still, I will rise.” Se a vida pudesse dar uma resposta às extinções em massa pelas quais passou, o verso da poeta norte-americana Maya Angelou cairia como uma luva — “ainda assim, eu vou me erguer”. Repetidos eventos dessa ordem quase dizimaram por completo a vida, e ainda assim diferentes espécies se diversificaram e floresceram após cada um deles.

As mais expressivas extinções são aquelas associadas a atividades vulcânicas anomalamente volumosas, a eras do gelo repentinas ou ainda a efeitos combinados que criaram a tempestade perfeita, como no caso da última, que, ao somar atividade vulcânica intensa e o impacto de um meteoro, varreu os dinossauros da face da Terra.

Estima-se que esse último evento tenha dado fim não apenas aos dinossauros, mas também a 90% dos mamíferos. Em pouco mais de 300 mil anos, os 10% remanescentes deram origem a boa parte dos ancestrais dos mamíferos viventes, dentre os quais os primatas.

Um dos papas da biologia evolutiva, o já falecido paleontólogo e professor de Harvard Stephen Jay Gould, considerava as extinções em massa um dos três fatores determinantes dos grandes saltos evolutivos da vida, e a esses saltos ele chamava macroevolução. Mas há uma “reciclagem” natural da vida: espécies se extinguem e novas espécies surgem, ainda que não ocorram eventos catastróficos ou grandes mudanças ambientais. É a microevolução darwiniana (ou gradualismo), que responde pelas taxas naturais de extinção (até o surgimento dos humanos ela girava em torno de 5% das espécies, mas já foi de 15% há 300 milhões de anos). No entanto, as mudanças para uma vida progressivamente mais complexa e diversa foram catalisadas pelas experiências disruptivas no design da vida que sucederam as extinções em massa.

O desaparecimento súbito de espécies que outrora dominavam o cenário parece ser o fator que permite a diversificação da vida. Novas oportunidades de ocupação e exploração de ambientes antes tomados por predadores extintos fomentam a desimpedida especialização dos sobreviventes.

Com uma ajudinha de Hollywood e de Jurassic Park, vimos quais seriam nossas chances caso tivéssemos que dividir espaço com dinossauros de grande porte. De uma forma indireta (ou direta, se pensarmos bem), ao dizimar esses predadores, o último grande extermínio no globo permitiu a ascensão dos mamíferos e, por consequência, a evolução dos primatas e o surgimento dos humanos.

Muitos se indagam se a sexta extinção em massa está em curso. Para responder à pergunta é necessário saber o que define uma extinção em massa. Durante tais eventos, as taxas de extinção se aceleram em relação à taxa de surgimento de novas espécies, de modo que 75% das espécies desaparecem num tempo geologicamente curto, tipicamente inferior a 2 milhões de anos. As taxas de extinção atuais para mamíferos, anfíbios, pássaros e répteis estão mais altas ou semelhantes àquelas que produziram os grandes eventos anteriores. Então a resposta para a pergunta é: sim, a sexta extinção em massa está em curso –e com taxas muito semelhantes às do Great Dying, que quase dizimou a vida na Terra há 250 milhões de anos.

À diferença das cinco extinções em massa que o planeta já experimentou, a crise biológica do presente tem uma particularidade: está sendo causada por uma espécie (adivinhe qual) e não por eventos naturais catastróficos. A boa notícia para a vida em geral é que as cinco extinções anteriores têm algo em comum: as espécies dominantes pereceram. É razoável supor que após esta sexta extinção os humanos deixarão de ser a espécie dominante e que os poucos remanescentes evoluirão de modo a conviver de forma mais harmônica com as demais espécies que coabitam o planeta.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP

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O que de fato sabemos sobre o aquecimento global? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/25/o-que-de-fato-sabemos-sobre-o-aquecimento-global/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/03/25/o-que-de-fato-sabemos-sobre-o-aquecimento-global/#respond Wed, 25 Mar 2020 15:23:05 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/ilustra-texto-adriana.-Julia-Debasse.baixa_.png https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=79 Por Adriana Alves

Pistas deixadas no registro geológico da Terra mostram que sim, temos responsabilidade pelas mudanças climáticas

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Uma das perguntas recorrentes sobre aquecimento global é se a atividade humana é de fato culpada pelo aumento alarmante da temperatura. A dúvida é pertinente, pois tanto eras do gelo quanto períodos de clima tórrido são fenômenos naturais que refletem a intrincada dinâmica da Terra. Como os cientistas têm creditado o aumento de temperatura à ação antrópica?

O pouco que sabemos sobre essas alterações no clima se baseia nas pistas deixadas no registro geológico. Por exemplo, o período Criogeniano (kryos = gelo em grego) ocorreu entre 850 e 630 milhões de anos atrás e coincidiu com o surgimento da vida complexa. Acredita-se que, ao retirar gás carbônico (CO2) da atmosfera para utilizá-lo como combustível metabólico, os recém-chegados seres multicelulares teriam desencadeado a longa era do gelo que se seguiu.

Em contrapartida, erupções vulcânicas de grande porte podem transferir massivas quantidades de enxofre e gás carbônico para a atmosfera. Tais gases têm efeitos climáticos opostos, já que o enxofre causa reflexão da radiação solar e diminuição considerável das temperaturas (os chamados invernos vulcânicos), ao passo que o CO2 provoca o já conhecido efeito estufa, com aumento gradativo e duradouro das temperaturas globais.

As camadas de gelo da Antártica são espessas e registram os últimos 800 mil anos de evolução tanto da composição da água do mar quanto da composição atmosférica. Como as águas oceânicas estão em equilíbrio com a composição atmosférica, ao se determinar a quantidade de CO2 presente em geleiras pode-se inferir a evolução da composição atmosférica ao longo do registro geológico. Vêm daí as pistas para responder à pergunta inicial.

Em todo o registro histórico, as concentrações de CO2 nunca haviam excedido 300 ppm (300 microgramas por quilo de gelo analisado). Entretanto, a partir de 1950, as concentrações subiram vertiginosamente, atingindo algo em torno de 420 ppm em apenas setenta anos. Esse excedente de CO2 não é natural, já que sua composição isotópica (algo como o código de barras de procedência do CO2) é semelhante à produzida via queima de combustíveis fósseis e bastante distinta da composição atmosférica natural. Portanto, as forçantes da natureza (atividade vulcânica ou de degradação de rochas carbonáticas) estão recebendo uma contribuição importante de CO2 não natural (aquele oriundo dos motores a combustão).

Quando pensamos na magnitude dos eventos geológicos, somos confrontados com nossa própria pequenez e insignificância. Entretanto, se lembrarmos que nossa atmosfera atual deve sua composição à fotossíntese (sem as plantas e algas, os níveis de oxigênio atmosférico seriam muito menores) e que o surgimento da vida complexa parece ter desencadeado uma das maiores eras do gelo do registro geológico, é difícil não pensar que a Terra é regida por um tênue equilíbrio entre as dinâmicas externa (sobre a qual desempenhamos papel importante) e interna. Fazendo uma comparação rápida, a atividade vulcânica atual é responsável pela emissão de cerca de 0.4 bilhão de toneladas de CO2/ano, ao passo que a emissão antropogênica supera os 9 bilhões de toneladas por ano.

As atividades humanas representam um desequilíbrio considerável nessa dinâmica. Não apenas queimamos mais combustíveis fósseis, como também desmatamos mais e poluímos mais os oceanos, impedindo que parte desse CO2 emitido pelos motores seja “filtrada” via fotossíntese. Assim, a resposta à pergunta inicial fica clara: sim, temos responsabilidade pelo aquecimento global.

Ainda que o aquecimento global possa ter efeito limitado no funcionamento interno do planeta, as consequências de um aumento drástico na temperatura para a vida na Terra são bem conhecidas. Dentre as cinco extinções em massa pelas quais o planeta passou, pelo menos duas estão diretamente ligadas ao aumento da emissão de CO2 via atividade vulcânica e consequente aumento de temperatura.

Resta saber quais rumos a humanidade escolherá para evitar que a sexta grande extinção em massa ocorra. Para alguns estudiosos essa extinção já está em curso.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP

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O Brasil já foi um território de vulcões https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/30/o-brasil-ja-foi-um-territorio-de-vulcoes/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/30/o-brasil-ja-foi-um-territorio-de-vulcoes/#respond Thu, 30 Jan 2020 05:00:58 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/ilustr-texto-adriana-valentina-fraiz-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=35 Por Adriana Alves

Ainda não sabemos por que eles não estão associados a grandes extinções como a dos dinossauros

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O Brasil é um dos países mais estáveis do mundo em termos de desastres naturais. Ao contrário de nossos vizinhos, não somos assombrados pela possibilidade de erupções vulcânicas nem temos terremotos de grande magnitude. Mas nem sempre foi assim.

A evolução geológica do território brasileiro registra desde soerguimentos de cadeias de montanhas tão altas quanto os Himalaias até campos vulcânicos de tamanho tão impressionante que os cientistas os chamam de LIPs — Large Igneous Provinces, províncias ígneas gigantes.

A configuração continental da Terra é definida pela tectônica de placas. O encaixe perfeito entre os limites dos continentes sul-americano e africano é a evidência mais contundente de que os dois já estiveram juntos. A abertura do oceano Atlântico se deu há mais ou menos 134 milhões de anos e foi marcada pela formação de uma grande província vulcânica que recobriu cerca de 1/4 do território do país. As lavas podiam atingir até 1 km de espessura, chegavam a 1000º C e corriam até 10 km/h. Uma pequena parte dessa grande província ficou no continente africano e por isso se chama Província Paraná-Etendeka (90% da província ocorre no que chamamos de bacia Paraná, que recobre o estado homônimo e boa parte do Centro Sul do país, e Etendeka é o nome de um campo de montanhas na Namíbia).

O evento durou de 1 a 4 milhões de anos (um tempo curto, se considerarmos que a Terra tem 4,5 bilhões de anos) e implicou a liberação de 1,2 milhão de km3 de lava. Províncias vulcânicas como a brasileira são eventos raros, que despertam o interesse de geólogos e geofísicos por não estarem associadas aos limites de placas tectônicas (onde a atividade vulcânica geralmente se concentra) e por serem contemporâneas de três das cinco grandes extinções que afetaram a vida no planeta.

O exemplo mais significativo dessa associação vulcão-extinção é justamente aquele que quase dizimou a vida na Terra. Há 252 milhões de anos, cerca de 70% da vida desapareceu do registro de fósseis (90% das espécies marinhas pereceram e o evento ficou conhecido como Great Dying, grande morte). A única pista que temos é a coincidência temporal com a liberação de 2 milhões de km3 de lava observados no que hoje é a Sibéria.

Mas como os vulcões matam em escala global? A resposta ainda não está bem desenhada, mas acredita-se que mudanças climáticas catastróficas decorrentes do aporte de gases vulcânicos para a atmosfera (enxofre, gás carbônico, cloro e flúor) tenham desencadeado uma sucessão de eventos — aquecimento global, chuva ácida, acidificação e retirada de oxigênio dos oceanos — que teriam provocado um colapso da cadeia alimentar, com consequente extinção.

A essa altura o(a) leitor(a) atento(a) deve estar ansioso(a) por conhecer a taxa de extinção associada à província Paraná-Etendeka. Lamento, mas nossas lavas não causaram extinção em massa. E por que não houve extinção? Mais uma vez, lamento, mas a resposta é: ainda não sabemos.

Uma anedota da Segunda Guerra Mundial pode jogar luz sobre a questão. Os Aliados contrataram engenheiros para reforçar as partes dos aviões que voltavam cravadas de balas — o reforço das áreas mais afetadas (asas e estabilizadores horizontais da parte traseira) aumentaria a taxa de retorno dos aviões. O estatístico Abraham Wald observou que os aviões que regressavam eram justamente os que continuavam voando após os ataques: era preciso descobrir quais as áreas afetadas nos aviões que não regressavam. Esse erro lógico foi batizado de survivorship bias, viés de sobrevivência. Assim, Wald sugeriu reforçar as turbinas e o motor, e a taxa de regresso dos aviões aumentou significativamente.

Os geólogos têm feito o mesmo que os engenheiros da anedota. Todos os projetos dedicados a investigar a associação vulcão-extinção estão focados em províncias associadas a eventos de extinção. Ao que parece, as respostas começarão a ser mais bem delineadas quando olharmos para a peça que falta do quebra-cabeças: as informações trazidas pelas grandes províncias que não causaram extinção, como a brasileira.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP

 

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