Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Ciência Fundamental agora tem novo endereço na Folha https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/12/02/ciencia-fundamental-agora-tem-novo-endereco-na-folha/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/12/02/ciencia-fundamental-agora-tem-novo-endereco-na-folha/#respond Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=603 Caro (a) leitor (a),

Este blog continua na Folha, mas, agora, em um novo endereço. Acesse https://www1.folha.uol.com.br/blogs/ciencia-fundamental/ para continuar lendo os textos publicados pelo Ciência Fundamental.

Os textos anteriores permanecerão neste espaço para serem lidos e relidos.

Clique a seguir para ler o novo texto do blog:

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 Por que o coração bate? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/29/por-que-o-coracao-bate/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/29/por-que-o-coracao-bate/#respond Mon, 29 Nov 2021 10:21:51 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/coração-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=600 Por Rossana Soletti

A origem dessa estrutura complexa

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O texto abaixo responde à pergunta de Pedro Henrique Nagai, paulistano, 5 anos, para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”.

A batida de um coração tem um simbolismo todo especial: ela significa vida, amor, paixão, ansiedade. Mas quando Pedro Henrique, de 5 anos, pergunta por que o coração bate, a resposta precisa ser reduzida a uma explicação biológica.

Vamos começar pelo coração já pronto, e depois voltamos para o início, quando nosso corpo ainda estava se formando. O coração é uma estrutura complexa, uma obra-prima que tem quatro câmaras: dois átrios, que recebem sangue do corpo e o repassam para dois ventrículos, que então bombeiam o sangue para grandes vasos. E ele produz seus próprios impulsos. Suas batidas são controladas por sinais elétricos que se espalham pelas células das câmaras cardíacas. Os átrios se contraem primeiro, para depois contrair os ventrículos, e assim surge a batida que a gente conhece.

Em geral imaginamos o coração como uma grande estrutura, mas ele não passa de um conjunto de células individuais: células musculares cardíacas formam as camadas de músculo; algumas células ajudam na sustentação e na forma do órgão; células nervosas coordenam os batimentos cardíacos e outras compõem os vasos sanguíneos. E é a interação entre todas elas que confere a habilidade de bombear sangue ao coração, o primeiro órgão funcional a ficar pronto, ainda quando somos um embrião. Uma das maiores descobertas sobre seu desenvolvimento foi constatar que muitas de suas células derivam de uma mesma célula-mãe logo nas primeiras semanas de vida.

À medida que o embrião vai se desenvolvendo, as células se diferenciam e se especializam, num processo comandado por sinais químicos. Algumas enviarão sinais a suas vizinhas, que se transformarão em células cardíacas, e por isso todas as células precursoras precisam estar no lugar certo e na hora certa. Por volta da terceira semana, o embrião é um sanduíche de três camadas e o coração começa a surgir na camada intermediária a partir de dois aglomerados de células que se diferenciam e originam outros tipos celulares.

Num embrião humano com quatro semanas, o coração é um tubo de duas câmaras que depois passará por um dobramento. Nessa etapa as células já fazem uma contração rítmica e há um fluxo de sangue, e essa pressão ajuda o coração a se dobrar e formar as quatro câmaras enquanto o embrião cresce. É por essa pulsação precoce que uma gestante consegue ouvir as batidas do coração do bebê logo nas primeiras semanas de gestação, quando o embrião ainda é muito primitivo.

Se separarmos essas células musculares cardíacas que se contraem e as pusermos em uma placa para serem cultivadas em laboratório, elas poderão reproduzir o batimento cardíaco. Se isoladas na placa, o batimento de cada célula é independente; quando aumentam em número e se encostam, o batimento começa a ser uníssono. Essa habilidade fantástica já foi observada por cientistas há mais de duas décadas e agora as pesquisas continuam, com o intuito de fazer com que essas células pulsantes se desenvolvam num coração de verdade, e de produzir tecido cardíaco a partir da transformação de outros tecidos nossos, como a pele, e encontrar explicações e tratamentos para diversas doenças.

E essas condições não são poucas: como vimos, com toda sua complexidade, depois que o coração está pronto tudo precisa funcionar em harmonia, como numa orquestra. As câmaras e as passagens entre elas precisam funcionar corretamente, as células devem bater no ritmo certo. Caso isso não aconteça, os batimentos podem ficar dessincronizados ou o volume de sangue necessário pode não ser bombeado. É por isso que as alterações cardíacas estão entre os defeitos mais frequentes em recém-nascidos, e que as doenças cardiovasculares estão entre as causas de morte mais comuns.

Há séculos os cientistas procuram compreender essa estrutura fantástica, complexa e poética, no encalço de mais longevidade e qualidade de vida para as pessoas.

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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida um cientista a responder uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta? Veja aqui como colaborar.

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As montanhas que destruíram a vida https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/23/as-montanhas-que-destruiram-a-vida/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/23/as-montanhas-que-destruiram-a-vida/#respond Tue, 23 Nov 2021 10:13:00 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/montanhas-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=594 Por Fabrício Caxito

Os indícios de uma relação não tão amistosa

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Já sabemos que por meio de seu intemperismo e erosão as montanhas podem ter influenciado o surgimento de formas de vida complexas, fornecendo os nutrientes e o oxigênio necessários ao metabolismo dos animais (como abordei em um texto anterior, “As montanhas que criaram a vida”). Mas será que a ligação entre elas e a vida no planeta foi sempre tão amistosa?

Em algumas regiões do globo, como na costa sudoeste da África, os pescadores já estão familiarizados com um fenômeno: as águas se turvam e adquirem forte coloração esverdeada, vermelha ou amarelada. A despeito da beleza do espetáculo, causado por uma proliferação descontrolada de algas microscópicas, essas “marés vermelhas” ou “florações algais” podem ser bastante prejudiciais ao ecossistema marinho. Ao bloquear a luz solar e diminuir a quantidade de oxigênio nas águas, esses microrganismos podem expulsar ou levar à morte peixes e outros organismos complexos. Atualmente, uma das razões mais comuns da eutrofização, que é o nome que os cientistas dão ao fenômeno, é a poluição humana despejada nos oceanos, rica em nutrientes para as algas, que assim se reproduzem em excesso.

E por que as florações algais nos ajudam a entender a relação entre as montanhas e a vida complexa no planeta?

No período Ediacarano –lá se vão 600 milhões de anos–, surgiram algumas novidades: as primeiras grandes cadeias de montanha de estilo moderno, isto é, altas e contínuas como os Himalaias;  as primeiras formas de vida mais complexas do que simples bactérias e protozoários, como os animais; as conchas e outros mecanismos de proteção e ornamentos. Essas inovações e o desenvolvimento acelerado dos organismos foram possíveis devido à erosão das cadeias de montanhas que, recém-formadas, entregaram aos mares adjacentes uma quantidade balanceada de nutrientes e oxigênio.

Para as formas de vida que habitavam alguns mares, porém, a história não teve final feliz. Em muitos deles, hoje situados em continentes do hemisfério norte, os primeiros organismos complexos deram lugar às formas de vida ricas e variadas que caracterizam a chamada explosão cambriana, no período geológico que se seguiu. Já em alguns mares antigos preservados no hemisfério sul, como o mar Bambuí, em Minas Gerais, Bahia e Goiás, não há registros dessa explosão de vida complexa.

O mar Bambuí foi desenvolvido em uma situação peculiar no Ediacarano: ele começou por volta de 630 a 600 milhões de anos, ao lado de uma grande cadeia de montanhas cujos remanescentes se encontram hoje no Brasil central. A erosão dessas montanhas forneceu os nutrientes e o oxigênio necessários para o desenvolvimento de formas de vida ediacaranas, como organismos do tipo Cloudina sp., os primeiros a apresentar conchas calcáreas para se proteger de predadores no fundo do mar. Porém, logo na sequência, há uns 540 milhões de anos, o Bambuí viu-se cercado de montanhas por todos os lados, e acabou por se tornar uma bacia fechada, semelhante ao que hoje é o mar Morto. A erosão dessas montanhas forneceu uma quantidade descontrolada de nutrientes para a bacia, e a falta de conexão com o oceano impediu a renovação das águas. Com a estagnação das águas, a bacia sofreu forte eutrofização –as florações algais tóxicas exauriram o oxigênio e impediram o desenvolvimento de uma fauna típica cambriana.

Existe um efeito “Cachinhos Dourados” na relação entre cadeias de montanhas e vida complexa. Na história, a menina não consegue comer o mingau do Papai Urso por ser muito quente, nem o da Mamãe Ursa, por ser muito frio, mas o do Urso Filho está na temperatura certa para ela, bem como a cama do ursinho e assim por diante. Efeitos desse tipo ou de nível ótimo são conhecidos e discutidos em várias áreas, como na definição das zonas habitáveis de sistemas estelares, onde um planeta deve estar a uma distância ótima de uma estrela. Se as montanhas provêm os fatores necessários para a vida, um excesso delas ao redor de um antigo mar pode ter ocasionado um efeito contrário, deletério para a vida complexa. Falamos sobre isso neste artigo publicado recentemente na revista Scientific Reports.

A história registrada nos antigos mares pode nos ensinar. Lemos nas rochas a devastação e até a extinção de antigas formas de vida, causadas pelo excesso de nutrientes nas águas. Infelizmente, hoje estamos simulando esses efeitos naturais por meio do derramamento de poluentes nos oceanos, a intervalos muito mais rápidos do que a história da Terra já conheceu. Cabe a nós compreender os avisos que o planeta nos dá, e evitar seguir deliberadamente por caminhos que já se provaram catastróficos.

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Fabrício Caxito é professor de geologia e aluno de filosofia na UFMG.

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Ciência não é feita por indivíduos isolados https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/ciencia-nao-e-feita-por-individuos-isolados/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/ciencia-nao-e-feita-por-individuos-isolados/#respond Wed, 17 Nov 2021 10:13:28 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/serrapilheira_individuos_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=591 Por Kleber Neves

Como organizar o modo de fazer pesquisa?

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Diz a história que o físico Richard Feyman adotava uma estratégia para sua pesquisa: enumerava uma lista de problemas importantes e não resolvidos, e toda vez que ouvia a respeito de um novo método ou achado, verificava se aquela novidade colaborava para o avanço de um desses tópicos.

Só que ele era físico teórico, e seguir essa estratégia em biologia experimental é mais difícil. Ainda que um resultado recente indique um caminho novo, ou que uma técnica nova pareça útil, os equipamentos são caros e adquirir competência nas técnicas, estabelecer protocolos e aprender os macetes leva meses ou anos de prática.

Disso decorre uma especialização maior, que estreita o leque de técnicas e modelos disponíveis para cada cientista experimental. Como consequência, as linhas de pesquisa não são tão orientadas por uma pergunta fundamental quanto poderiam, mas sim pelas técnicas e modelos já disponíveis, que não são necessariamente os melhores para responder a pergunta. Guiar-se exclusivamente pela pergunta exige uma variedade de abordagens maior do que cabe em um único grupo de pesquisa.

Nessa mesma lógica, é difícil para um laboratório típico descrever sozinho algum achado científico por completo. Antes que a comunidade científica tome como robustos os achados iniciais, eles devem ser confirmados com outras técnicas, modelos, populações e abordagens que, de novo, vão além do que um laboratório consegue acomodar. De um laboratório que testa tratamentos em linhagens celulares, não se espera que ele também confirme os achados em modelos animais ou organize ensaios clínicos com humanos  –esse é o tema de um recente artigo que publicamos na revista Nature.

Se para responder a grandes perguntas ou obter resultados mais consistentes é preciso um esforço coletivo que ultrapassa os limites de um laboratório isolado, então precisamos de maneiras de facilitar a articulação de vários laboratórios em torno de um objetivo compartilhado. A biologia é cada vez mais colaborativa, mas essas colaborações tendem a ser pontuais, não se escoram num plano explícito e mais amplo que orquestre as atividades.

Ter um plano mais abrangente entre laboratórios requer a adoção de outros modelos de governança que não só podem aumentar a burocracia, como vão exigir um equilíbrio entre, de um lado, a missão comum, e, de outro, a autonomia dos grupos de pesquisa individuais. E essa é uma questão delicada: uma das razões que levam as pessoas a ser cientistas acadêmicas é exatamente a liberdade de conduzir uma linha de pesquisa própria.

De qualquer modo, “ciência grande” é um jeito cada vez mais comum de organizar a pesquisa. Exemplos como o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN)  ou o Projeto Genoma Humano mostram que é possível executar projetos científicos de grande porte, coordenando vários grupos de pesquisa em torno de objetivos comuns. A própria Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade, da qual faço parte, é um exemplo desse tipo de projeto, assim como outras iniciativas recentes —Many Primates, Many Babies, Psychological Science Accelerator— focadas em realizar experimentos multicêntricos.

Um modelo particular é o da Defense Advanced Research Projects Agency, a DARPA, dos EUA, conhecida pelas apostas arriscadas que originaram grandes avanços como a Internet e o GPS, que serve de inspiração a várias outras agências norte-americanas.  A DARPA conta com diretores de programa, especialistas no tema da pesquisa, que não fazem a pesquisa em si: têm um papel executivo, coordenando e distribuindo fundos para pesquisa feita externamente, em diversas instituições.

É importante ressaltar que ciência “pequena”, financiada a partir de grupos de pesquisa individuais, e ciência “grande”, com projetos coordenados entre vários grupos,  não são os únicos formatos possíveis e nem são exclusivos. Pelo contrário, a ciência como um todo se beneficia de uma variedade de modelos de fomento e organização. Uma questão importante e não respondida na “ciência do financiamento da ciência” é em que casos e para quais perguntas científicas esses modelos “grandes” funcionam na biologia.

Se quisermos encontrar maneiras melhores de organizar a ciência, precisamos de dados sobre esses diferentes modelos. Ainda que uma iniciativa num novo formato de fomento venha a falhar, aprenderemos com isso talvez até mais do que se tivesse dado certo. Alguma experimentação institucional já existe nesse sentido: recentemente, o Wellcome Trust lançou o Wellcome Leap, cuja objetivo é ser a “DARPA da saúde”. Cada programa é coordenado por uma pessoa que recruta os esforços de uma dezena de laboratórios pelo mundo. Os ambiciosos desafios desses programas passam por psiquiatria personalizada, desenvolvimento de órgãos em laboratório e uma plataforma para antecipar a transição de células para um estado cancerígeno.

Ciência não é feita por indivíduos isolados. Uma forma de organizar a produção de conhecimento científico que reconheça isso pode contribuir não só para lidar com problemas de reprodutibilidade, mas também para que sejamos realmente guiados pelas grandes perguntas e problemas, e para que a ciência responda a mais perguntas que precisam ser respondidas em vez de simplesmente se limitar a perguntas que conseguimos responder.

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Kleber Neves é biomédico, neurocientista e metacientista. Faz parte da equipe coordenadora da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade, na UFRJ.

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A forma mais perfeita de comunicação https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/13/a-forma-mais-perfeita-de-comunicacao/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/13/a-forma-mais-perfeita-de-comunicacao/#respond Sat, 13 Nov 2021 10:23:16 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/luna-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=585 Por Pedro Lira

Na matemática, Luna Lomonaco busca dar sentido à aleatoriedade

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Quem via Luna Lomonaco na creche, aos quatro anos, escrevendo cartas de amor em nome dos colegas –era a única da sala que já sabia ler e escrever–, poderia apostar que aquela criança de olhos atentos e pensamento rápido seguiria carreira literária. Não foi bem assim. Interessada em questões filosóficas sobre a vida, ela decidiu cursar matemática para buscar respostas nos números, segundo ela “a forma mais perfeita de comunicação”. 

Mas a relação com a disciplina nem sempre foi harmoniosa. Nascida nos arredores de Milão em 1985, e criada numa cidadezinha perto de Verona, no ensino médio Lomonaco optou pelo clássico –estudou línguas, literatura, filosofia. Então resolveu cursar matemática, acreditando que a disciplina poderia responder a questões fundamentais da humanidade, como “o que é a verdade?”. “Cheguei na graduação com ideias filosóficas. Com 19 anos eu era muito sem noção”, brinca. 

No primeiro ano na Universidade de Pádua, sentiu um choque. Ela, que sempre fora a primeira da turma, não conseguia acompanhar as aulas de exatas. “Se você é parte de uma minoria social e te falta conhecimento, as pessoas te tratam como burro. Por eu ser mulher na matemática e não ter aprendido certos conceitos da área no ensino médio, me convenceram de que eu era ruim.” Mesmo com as adversidades e a tentação de voltar a estudar filosofia, o orgulho e a paixão falaram mais alto e ela não desistiu. 

Lomonaco conseguiu uma bolsa Erasmus para estudar na Espanha. Financiada pela Comissão Europeia, a bolsa é parte de um programa que permite a mobilidade de alunos do ensino superior pela Europa. “Eu era ótima em línguas mortas, como latim, mas não tão boa nas outras. A escolha da Universidade de Barcelona foi fácil pois espanhol é a língua mais próxima do italiano”, confessa. 

Sua relação com os números se consolidou. “Os professores respondiam minhas perguntas e eu já não era tratada como inferior”, lembra. Voltou a Pádua apenas para se formar e retornou à Espanha; engatou no mestrado, também em Barcelona. Dez dias depois da defesa da dissertação, partiu para Dinamarca, para um doutorado na Universidade de Roskilde. 

O clima frio e as relações humanas distantes dificultaram a vida da pesquisadora, apaixonada por interações sociais. Mas foi lá que ela engatou uma parceria com o matemático Carsten Lunde Petersen. O artigo que escreveram juntos rendeu à italiana o prêmio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), que reconhece o melhor trabalho original de pesquisa na área. E não só: foi na Dinamarca que conheceu um pesquisador holandês de física teórica, com quem se casou. Seguem juntos, agora nos trópicos. 

O doutorado não foi suficiente para Lomonaco. Ainda com dúvidas fundamentais sobre a matemática pura, ela conseguiu uma bolsa da Academia Chinesa de Ciências. A experiência na Ásia foi libertadora. “Pela primeira vez senti que podia trabalhar no meu ritmo, sensação desconhecida na Europa”, conta. Mas não só isso. Foi lá que a italiana viu o mundo com outros olhos. “Eu percebi que tinha uma visão limitada, eurocêntrica. Ir trabalhar na China abriu muito meus horizontes.” 

A partir de então não quis mais saber do continente europeu. Ainda na China, um professor lhe recomendou que procurasse uma vaga na Universidade de São Paulo. “Passar no concurso da USP foi um dos momentos mais felizes da minha carreira”, ela relembra. 

Especialista em sistemas dinâmicos, Lomonaco estuda o conjunto de Mandelbrot, um tipo de forma geométrica determinada por fórmulas matemáticas que consegue dar sentido a eventos aparentemente aleatórios. Hoje é uma autoridade em dinâmica complexa, campo da matemática dedicado à investigação dos fenômenos caóticos. “No Brasil, minha carreira progrediu de uma forma que nunca poderia ter imaginado.” 

Atualmente docente do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro –uma das duas mulheres no quadro com 48 pesquisadores–, Luna Lomonaco é um nome de peso na matemática brasileira. Em 2018 recebeu o prêmio Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências. O programa, que visa favorecer o equilíbrio de gênero na pesquisa brasileira, apoia nomes de destaque em diferentes áreas da ciência. 

Ela também foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio da Sociedade Brasileira de Matemática e o Reconhecimento Umalca, distinção internacional que homenageia pesquisadores de excelência na América Latina e Caribe. Na cerimônia, Lomonaco dedicou a honraria a todas as mulheres cientistas.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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Levaram nosso meteorito de Marte https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/levaram-nosso-meteorito-de-marte/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/levaram-nosso-meteorito-de-marte/#respond Tue, 09 Nov 2021 14:54:44 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/meteorito-alienígena-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=581 Por Diana Andrade

Por que precisamos proteger os fragmentos extraterrestres que caem por aqui?

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Recentemente, a comunidade meteorítica brasileira foi surpreendida com a classificação de um novo meteorito nacional. O fragmento de 4,5 quilogramas, batizado com o nome da cidade onde foi encontrado, Socorro, no interior de Pernambuco, entrou oficialmente para o Meteoritical Bulletin (um banco de dados com informações sobre os novos meteoritos do mundo) no dia 31 de outubro de 2021. Segundo a publicação, a rocha foi encontrada em 2019 por um lavrador que não quis se identificar, e que a princípio não desconfiou da origem extraterrestre de seu achado. Em agosto de 2020, porém, por ocasião da queda de um outro meteorito na cidade também pernambucana de Santa Filomena, ele tomou conhecimento da importância destes fragmentos espaciais e decidiu enviar a peça a um parente que mora em Miami, nos Estados Unidos. Lá, ela foi comprada pelo americano Michael Farmer, um dos maiores comerciantes de meteoritos do mundo. Farmer enviou um pedaço de vinte gramas ao pesquisador Carl Agee, da Universidade do Novo México, para análise e classificação. Após os resultados, ele revendeu sua aquisição a um colecionador anônimo por 800 mil dólares.

Meteoritos são fragmentos de corpos celestes que chegam naturalmente até nós. Por vezes chamados de “sonda espacial do homem pobre”, uma vez que caem de graça no nosso “quintal”,  a maioria deles vem do Cinturão Principal de Asteroides, uma  larga faixa entre Marte e Júpiter. Portadores de informações fundamentais sobre a formação de nosso sistema solar, eles podem nos dar pistas sobre as condições físico-químicas na época do nascimento do nosso sistema planetário, assim como sobre sua evolução. Alguns, mais raros, podem ser provenientes da Lua, de Marte e até mesmo de restos de cometas, a respeito dos quais nos trazem dados diretos. São objetos que vagam pelo nosso sistema planetário, mas que devido a perturbações podem mudar de rota e acabam por colidir com a Terra.

O Socorro é um fragmento proveniente de Marte que a Universidade do Novo México classificou como um shergottito marciano, ou seja, uma amostra daquele planeta. Em todo o mundo são conhecidos apenas 263 meteoritos desse tipo, o que faz dele uma raridade. Não há no Brasil nenhum outro semelhante, seja para estudo científico, seja para ser exposto em universidades ou museus. Ter uma peça assim equivale a ter um objeto capturado por uma sonda enviada a Marte. Desnecessário dizer que sua saída do país representou uma perda do tamanho de um bólido.

Infelizmente, até o momento não existe lei que impeça a saída desses turistas espaciais do território nacional, e portanto não há como recuperar tesouro tão raro e vultoso. Não é a primeira vez que meteoritos brasileiros são enviados para fora antes que nossos cientistas possam estudá-los e antes que instituições brasileiras possam decidir se querem ficar com eles.

A comercialização do Socorro é mais um episódio que reforça a necessidade da criação de leis que protejam esse patrimônio de enorme importância científica para a comunidade acadêmica. Com o intuito de apresentar uma solução para o problema, criou-se uma comissão, formada por especialistas de diferentes instituições brasileiras, que busca apresentar a nossos governantes um projeto de lei a ser votado com urgência.

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Diana Andrade é pesquisadora no Laboratório de Análise de Material Espacial (LAMEsp) do Observatório do Valongo/ UFRJ.

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A idade da Terra e o abismo do tempo https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/03/a-idade-da-terra-e-o-abismo-do-tempo/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/03/a-idade-da-terra-e-o-abismo-do-tempo/#respond Wed, 03 Nov 2021 18:57:52 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/caxito-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=577 Por Fabrício Caxito

Sem vestígio de um começo, sem perspectiva de um fim

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“A mente pareceu rodopiar ao olhar tão fundo no abismo do tempo…” Assim o cientista e matemático John Playfar resumiu sua perplexidade quando, em 1788, o amigo James Hutton o levou até Siccar Point, um penhasco na Escócia. O naturalista, químico, médico e geólogo Hutton ocuparia uma posição central no iluminismo escocês do século XVIII, ao lado de figuras como Joseph Black, Adam Smith, David Hume, James Watt e Benjamin Franklin.

O ser humano havia muito já se perguntava sobre a idade da Terra. Já Aristóteles, ao observar que trechos de terra acabaram se tornando mar e vice-versa, havia interpretado o fenômeno como prova de que mudanças observadas na superfície terrestre indicavam um enorme tempo geológico, talvez infinito. Esta ideia de um tempo cíclico e infinito, porém, logo começa a ser desafiada pelos epicuristas, contemporâneos de Aristóteles, que acreditavam num tempo linear, com começo, meio e fim.

Na Idade Média e no Renascimento foram feitas várias tentativas para estimar a data do começo da Terra. O arcebispo James Ussher foi o responsável pela mais famosa delas, de 1658 –partindo da contagem retroativa das gerações da Bíblia, ele concluiu que o mundo havia surgido no dia 23 de outubro de 4004 a.C.

Para aqueles que conheciam e estudavam o mundo natural, porém, esses números eram fantasiosos. Em 1666, Nicolau Steno, médico anatomista da corte de Fernando II de Médici, apresentou uma explicação para as chamadas glossopetrae, ou pedras-língua, rochas de formato triangular imersas no interior de outras rochas na natureza. A explicação para a ocorrência dessas pedras era controversa: Plínio, o Velho, achava que elas haviam caído do céu em noites de lua; Athanasius Kirchner, contemporâneo de Steno, falava de uma “virtude lapidificante”, que com o tempo transformaria todas as coisas naturais em pedra. Steno foi o primeiro a apresentar a interpretação correta: as glos­sopetrae são de fato dentes fósseis de tubarão solidificados em novas rochas. Com o avanço dos estudos de campo e o reconhecimento de diversas camadas com conteúdo fóssil distinto, os cientistas consideraram modestas as estimativas de Ussher e outros religiosos: para o desenvolvimento, e mesmo a extinção, de todas aquelas formas de vida, meros 6 mil anos eram uma idade equivocada.

E aqui entra em cena James Hutton. Em 1875, ele apresentou à Sociedade Real de Edimburgo suas ideias sobre o tempo necessário para a formação da superfície terrestre, mas a recepção de suas hipóteses não foi das mais calorosas. Em busca de provas, Hutton decide empreender uma série de viagens de campo na Escócia, durante as quais descobre diversas evidências.

Em Siccar Point, por exemplo, camadas de rochas com mergulhos diferentes são separadas por uma superfície que os geólogos chamam de “discordância”. Por mergulho, entende-se o ângulo com o qual que cada camada de rocha faz com a superfície da Terra. Hutton foi o primeiro a interpretar corretamente o significado disso. O conjunto de rochas inferior, abaixo da discordância, teria se depositado horizontalmente em um fundo de oceano, lago ou outro tipo de bacia sedimentar. Depois, este conjunto de rochas precisaria ter sido soerguido acima do nível do mar e sofrido uma inclinação de suas camadas devido à deformação no momento de soerguimento, como se fossem levantadas por uma retroescavadeira.

Hoje sabemos que isso ocorre sobretudo nas zonas em que duas placas tectônicas se encontram, formando as cadeias de montanhas. Após o soerguimento das rochas, estas começam a ser erodidas pela ação do vento, da chuva e outros agentes intempéricos. Uma vez que a montanha é erodida até a base, nova bacia sedimentar pode se formar por cima dela, e novos sedimentos podem se acumular horizontalmente sobre a superfície que marca a linha erosiva da cadeia de montanhas. Estes sedimentos que se depositam por cima da superfície podem, por sua vez, ser também soerguidos posteriormente e sofrer erosão, recomeçando assim o ciclo. Hutton reconheceu o enorme significado das discordâncias: o tempo geológico devia ser muito mais extenso do que se pensava, dados os diversos ciclos de deposição, soerguimento, erosão, deposição, soerguimento…

E qual é a resposta para a pergunta inicial de Aristóteles, dos epicuristas, de Ussher, Steno e tantos outros? Por métodos de datação utilizando o decaimento radioativo, hoje sabemos que a Terra tem na verdade cerca de 4,5 bilhões de anos. Você consegue imaginar o que significa este número, ou, assim como Playfar, sua mente parece também “rodopiar ao olhar tão fundo no abismo do tempo”?

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Fabrício Caxito é professor de geologia e aluno de filosofia na UFMG.

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Epidemias e comportamentos: quem muda o quê? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/30/epidemias-e-comportamentos-quem-muda-o-que/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/30/epidemias-e-comportamentos-quem-muda-o-que/#respond Sat, 30 Oct 2021 10:14:01 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/manchuria-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=573 Por Mellanie Fontes-Dutra

O legado da pandemia da Covid-19

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Importantes vetores de nosso comportamento, os grandes desafios –como a pandemia da Covid-19– nos incitam a discutir o que provocou os cenários de conflagração e inspiram mudanças profundas, tanto em escala individual quanto social. Hoje, o que aplicamos na tentativa de contornar os impasses reflete um conjunto de conhecimentos e experiências de um tempo muitas vezes não tão remoto.

Resgatar medidas e enfrentamentos do passado pode favorecer estratégias mais eficazes no presente, daí a importância de relembrar crises sanitárias já enfrentadas –não só no Brasil, mas também no mundo.

Em 1910, um surto de uma doença misteriosa –que ficaria conhecida como praga da Manchúria – assolou o nordeste da China, somando 60 mil óbitos num período de quatro meses. Foi graças ao médico malaio Wu Lien-teh que uma ideia inovadora foi lançada, baseada em conclusões de que essa peste, causada pela bactéria Yersinia pestis (sim, você já ouviu falar dela na peste bubônica) poderia se transmitir de pessoa a pessoa, possivelmente por gotículas respiratórias. A partir de então, o médico aconselhou que se usassem máscaras para tratar pacientes infectados, protocolo que se estendeu a todos os profissionais de saúde, tivessem ou não às voltas com essa praga. E também recomendou a criação de centros de quarentena, bem como insistiu que as autoridades decretassem medidas de restrição da movimentação das pessoas. Lembra alguma coisa?

Logo depois, em 1918, o mundo conheceu a gripe espanhola, provocada pelo vírus influenza, responsável por cerca de 35 mil óbitos só no Brasil. Diante de todas as dificuldades e desafios para esse enfrentamento, a sociedade brasileira passou por uma transformação profunda e necessária envolvendo a saúde pública no país, uma vez que, em muitos lugares (no Brasil e no mundo), indivíduos de classe média ou alta detinham o privilégio de consultas médicas. Nossa história com os vírus influenza teve outros capítulos, um dos quais em 2009, com a tal “gripe suína” que deve estar na memória de muita gente. Foi então que se disseminou o uso do álcool gel, não mais um alien oferecido na entrada de um restaurante ou local público. Ao longo da epidemia dessa gripe, fechamos escolas e reduzimos a circulação das pessoas para enfrentar esse agente infeccioso. De novo, lembra alguma coisa?

Grandes pandemias apresentam um fator em comum: a transmissão alta e generalizada de um agente infeccioso que passa a infectar nossa espécie, e para o qual ainda não temos alternativa terapêutica. Mas experiências anteriores nos revelam que medidas não-farmacológicas, às quais podemos aderir tanto individual quanto socialmente, são críticas para conter a propagação. Por outro lado, modificações significativas na sociedade precisam ser um legado do pós-pandemia. Não devemos temê-las ou enxergá-las como uma tentativa de sequestro do que costumávamos entender como “normal” antes desse evento. São, antes, uma oportunidade de trilhar novos caminhos capazes de driblar situações futuras passíveis de se transformarem em grandes desafios, evitando assim incorrer em erros do passado. É possível ainda que muitas das mudanças daqui para frente, no comportamento da sociedade, já estivessem sendo preparadas, e acabaram sendo antecipadas como resposta à crise.

Nosso estilo de vida nos levou a grandes avanços tecnológicos, bem como a uma forte expansão territorial da nossa presença, todavia nos revelou o quanto precisamos amadurecer enquanto sociedade, entendendo nossa responsabilidade para com o planeta e todas as espécies que nele habitam. Mostrou-nos que talvez precisemos revisitar os conceitos de “viver em sociedade” e refletir como a evolução dessa sociedade está intrinsecamente relacionada às maneiras como o grupo trabalha de forma cooperativa, na saúde ou na doença.

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Mellanie Fontes-Dutra, biomédica, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS) e coordenadora da Rede Análise Covid-19.

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Como as plantas identificam inimigos? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/como-as-plantas-identificam-inimigos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/como-as-plantas-identificam-inimigos/#respond Wed, 27 Oct 2021 10:13:01 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/cacau-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=569 Por Pedro Lira

Paulo Teixeira busca a resposta nos pés de cacau da Bahia

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Quando, ainda no colegial, escutou falar do Projeto Genoma, Paulo Teixeira soube que seria cientista. As conversas com o pai, médico, sobre o genoma humano e as infinitas possibilidades da biologia molecular o levaram à carreira de pesquisador. Hoje professor da Universidade de São Paulo, seu laboratório investiga o sistema imunológico das plantas. Mais precisamente, como elas reconhecem os microrganismos que representam perigo.

Plantas, bem como humanos e outros animais, detectam a presença de organismos invasores. Tal percepção provoca uma resposta imune, mas os patógenos –fungos, vírus ou bactérias que causam doenças– possuem estratégias para manipular esse mecanismo de defesa. “A maior parte dos microrganismos com que as plantas interagem não são patogênicos. Algumas bactérias e fungos são benéficos e as ajudam a crescer, obter nutrientes, se defender de invasores. Como uma planta filtra o que é bom?”

O interesse do pesquisador se consolidou na graduação, na Unicamp. Na disciplina de genética e biologia molecular, ministrada pelo prof. Gonçalo Pereira, Teixeira teve seu primeiro contato com a genômica. “O professor –que anos depois se tornou meu orientador de doutorado– fez um miniprojeto genoma da vassoura-de-bruxa, doença que ataca os cacaueiros da Bahia. Simulamos todas as etapas de sequenciamento para entender a fundo o DNA do fungo”, conta.

O impacto da experiência foi tão positivo que Teixeira fez sua iniciação científica no laboratório de Pereira, onde trabalhou por anos. “Meu primeiro projeto de pesquisa, financiado pela Fapesp, foi para trabalhar com o fungo da vassoura-de-bruxa. Foi aí que mergulhei na relação entre plantas e microrganismos.” Quinze anos depois, ele ainda estuda os cacaueiros. “Olhando para trás, vejo que essa experiência na graduação construiu o que eu faço e o que sou como cientista.”

A pesquisa, que buscava melhorar a produção de cacau no Brasil, tomou outro rumo quando o pesquisador ingressou no pós-doutorado na Universidade da Carolina do Norte (EUA), com o objetivo de entender mais a imunidade das plantas. Adotou como objeto de estudo a Arabidopsis, organismo modelo sem importância econômica, mas de grande valor científico. “Mergulhei na ciência básica e exercitei minha criatividade na manipulação genética”, conta.

De volta ao Brasil, Teixeira retornou às origens, agora como professor. Em 2019, passou no concurso da USP e montou seu próprio laboratório, no qual onze cientistas investigam o sistema imune das plantas, incluindo um fenômeno muito conhecido mas pouco compreendido: a resistência do “não hospedeiro”. Funciona assim: em uma floresta habitada por diferentes espécies de plantas existe uma bactéria que adoece apenas uma espécie. Esta bactéria pode entrar em contato com outras plantas, as chamadas não hospedeiras, mas não lhes causa mal algum. O que determina a compatibilidade entre planta e patógeno?

A resposta talvez esteja nos receptores do sistema imune das plantas. “Os não hospedeiros conseguem detectar o patógeno usando receptores que a planta infectada não possui. O desafio é identificar quais são eles”, explica. No laboratório, eles utilizam como modelo uma bactéria que infecta laranjas. Mas em vez de estudar a ação do patógeno na laranjeira, injetam-no em plantas não hospedeiras, como o tomate e o tabaco. O passo seguinte é ver qual delas apresenta uma resposta imune. Ou seja, se o tomate ou o tabaco a reconhecem como ameaça. Em caso positivo, precisam saber como ocorre tal reconhecimento.

Uma bactéria invasora injeta no interior da célula em média trinta proteínas que são nocivas para a planta. A equipe se dedica a identificar qual a proteína responsável por ativar o sistema imunológico do hospedeiro. “É como estar numa sala com apenas uma lâmpada, mas trinta interruptores. Qual deles acende a lâmpada? É preciso testar um por um.”

Entender bem esse sistema pode, no futuro, ser a resposta para extinguir doenças como a vassoura-de-bruxa. Mas Teixeira avisa que pode levar um tempo até aplicar essas descobertas. “Estudo ciência básica para entender o que estou investigando. Primeiro vamos saber como funciona o sistema, depois transferir esse conhecimento para aplicar na prática.” Se o receptor imune de uma planta não hospedeira funcionar em uma planta hospedeira, a transferência de genes pode se tornar uma prática comum.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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O que é a vida? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/21/o-que-e-a-vida/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/21/o-que-e-a-vida/#respond Thu, 21 Oct 2021 10:05:12 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/vida-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=560 João Miguel de Oliveira, 6 anos, carioca, fez essa complexa pergunta fundamental para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”. O Serrapilheira chamou três cientistas de áreas diferentes para (tentar) respondê-la.

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A vida é a ordem em meio à desordem, por Hugo Aguilaniu, biólogo geneticista

Na condição de geneticista que pesquisa o envelhecimento, devo dizer que a definição mais estrita de vida não é, de fato, tão simples. A primeira ideia que vem à mente é que um ser vivo deve ser capaz de se mover. Se o movimento macroscópico não for sistemático, deve ser pelo menos molecular: as moléculas devem se transformar ativamente em outras moléculas. Embora isso seja observado em todos os seres vivos, o movimento molecular não é específico dos seres vivos, pois basta pôr duas moléculas reativas em presença uma da outra para dar início aos fluxos químicos, aos movimentos. É, portanto, uma condição necessária, mas não suficiente.

Outra característica da vida é a capacidade de se perpetuar. Os seres vivos são, em sua maioria, mortais, mas podem perpetuar a vida por meio da reprodução, quando então o código genético com todas as informações é fielmente replicado. Não é impossível, porém, que alguns organismos se perpetuem sem se reproduzir, por meio de uma eficiente regeneração. De todo modo, é sempre necessário perpetuar e/ou reproduzir nossa informação genética.

A replicação do código genético implica a capacidade de os seres vivos se manterem em ordem. Estar vivo é precisamente manter certa organização molecular dentro de si. Quando a vida sai de um organismo, podemos ver que os tecidos se decompõem e são logo reduzidos a compostos químicos individuais, não mais ordenados entre si. Essa manutenção da ordem é muito cara em termos energéticos: enquanto houver vida, ela não pode parar. O metabolismo e a ingestão de moléculas que carregam certa quantidade de energia química –o que chamamos nutrição– é que impulsionam esse processo.

Os seres vivos, portanto, consomem energia ao seu redor para se manter em ordem. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, sabemos que a ordem mantida nos indivíduos vivos só é possível ao preço da criação de uma desordem. E essa, por sua vez, é ainda maior que a ordem – tanto que a entropia, a desordem do universo, cresce inexoravelmente.

Uma tabela periódica da vida, por Daniel Valente, físico

Para um físico, a pergunta vai muito além de “como funcionam os organismos vivos tais como os conhecemos”. Há várias comunidades de cientistas buscando uma compreensão que englobe a vida-como-a-conhecemos e a vida-como-poderia-ser.

Suponhamos, por um instante, uma busca por vida fora da Terra. Caso encontremos um sistema auto-organizado e autorreplicante, porém de composição molecular completamente distinta da nossa, como reconhecê-lo como vivo? Tornados, por exemplo, são estruturas auto-organizadas que “sobrevivem” enquanto há energia disponível na atmosfera, mas ninguém os considera organismos realmente vivos. Fogo também sobrevive enquanto dura a energia que o alimenta e, curiosamente, é capaz de se autorreplicar (pense na chama de uma vela quanto toca um novo pavio).

Se a auto-organização e a autorreplicação não são critérios suficientes, será que seria suficiente adicionar a evolução darwiniana à lista? Para constatar que isso não tem muita serventia, basta analisar a chamada “vida artificial” –programas de computador capazes de se autorreplicar, competir por recursos (alocação de memória, energia elétrica na máquina) e desenvolver características complexas a partir de programas simples. Mas essa vida artificial poderia ser posta em pé de igualdade com a vida natural?

Alternativamente à busca por definições, ou por uma lista de atributos, cientistas têm procurado respostas na física do comportamento emergente. Tentamos ver emergir, nos mais diversos sistemas (do nanométrico ao macroscópico) e contextos (contendo fontes de energia luminosa, elétrica, química, térmica), imitações e sobretudo generalizações de todas as possíveis características excepcionalmente similares às dos organismos vivos tal como os conhecemos (auto-organização, automontagem, autorrecuperação, autorreplicação, mutação, adaptação). Algumas buscas se inclinam para os aspectos energéticos da auto-organização longe do equilíbrio termodinâmico (generalizando a noção de metabolismo como um processo emergente na matéria), enquanto outras se inspiram nos aspectos informacionais (imitando o código genético e a capacidade de processamento de informação que emergem em toda célula viva).

Físicos do passado primeiro precisaram responder “o que é gravidade?” para depois criar os satélites artificiais e o GPS. Cientistas do presente têm tentado inventar toda sorte de vida artificial, na expectativa de um dia responder de modo exato a “o que é vida”. Quem sabe ainda haverá uma “tabela periódica da vida”, na qual ordenaremos os sistemas por seu “grau de vida” desde os obviamente não vivos até os obviamente vivos?

A vida é uma obra de Gaia, por Adriana Alves, geóloga

Para um geólogo, a vida envolve os processos compreendidos entre o nascimento e a morte. Entretanto, ao contrário dos biólogos, nós não nos referimos necessariamente apenas a animais, plantas e bactérias como seres vivos. Planetas, estrelas e até vulcões fazem parte desse grupo. Uma estrela, por exemplo, como o Sol, vive para queimar combustível e fornecer luz e calor no processo; um planeta vive para diminuir a temperatura de seu interior até que sua dinâmica interna se paralise. Nós, seres viventes clássicos da biologia, nos originamos da combinação quase milagrosa e acidental de carbono, oxigênio, nitrogênio e hidrogênio… E foi o surgimento dos seres fotossintetizantes  –aqueles que consomem gás carbônico como combustível e soltam oxigênio como subproduto dessa reação– que nos propiciou a atmosfera rica em oxigênio que boa parte dos seres que conhecemos necessitam para seguir vivendo.

Não fosse o pulsante dinamismo da Terra, os continentes não existiriam e o planeta ainda seria uma bola de lava. Sem essa dinâmica tampouco haveria deriva continental, nem as placas tectônicas se encontrariam. Esse “não encontro” impossibilitaria a migração dos hominídeos, que existiriam isolados em algum ponto remoto da África.

Como uma mãe (Pacha Mama ou Gaia), a Terra nos fornece tudo o que precisamos para a vida biológica desde o surgimento da nossa (e de todas) espécie(s). Seja por influenciar a distribuição dos nutrientes do subsolo e a ocupação do território por caçadores coletores, seja por definir a distribuição de metais preciosos usados nos chips do computador em que ora escrevo, a vida humana e de todos os demais seres só se tornou viável por conta da dinâmica peculiar e caprichosa de Gaia.

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Hugo Aguilaniu é diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, Daniel Valente é professor da UFMT e Adriana Alves é professora da USP.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida cientistas para responderem uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta? Veja aqui como colaborar.

 

 

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