Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O Tinder dos medicamentos https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/07/25/o-tinder-dos-medicamentos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/07/25/o-tinder-dos-medicamentos/#respond Sun, 25 Jul 2021 10:30:44 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/tinder-web-jpg-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=486 Por Murilo Bomfim

Na selva da biodiversidade, cientista busca compostos que deem match com doenças

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Independentemente de onde você mora, é bem possível que exista ao menos uma farmácia perto da sua casa. O Brasil é um dos países com mais drogarias no mundo: segundo a consultoria IQVIA, temos uma para cada 2.700 habitantes. Na Argentina, uma farmácia atende 3.200 pessoas; na Índia, 2 milhões.

No entanto, além de campeão das drogarias corriqueiras, o Brasil é destaque no quesito “farmácias do futuro”: da imensa e desconhecida biodiversidade de sua flora poderão ser extraídas moléculas para a formulação de novos medicamentos. Mas, à diferença do estabelecimento da esquina, a biodiversidade não tem senha nem atendente de balcão –garimpar moléculas, presentes em qualquer bioma, é tarefa mais complexa.

Daniela Trivella é uma das cientistas que mergulham na natureza atrás de compostos com atividade farmacológica. Em seu cotidiano, ela caça moléculas em amostras coletadas em lugares tão distintos quanto a Amazônia ou o fundo do mar, por exemplo, onde foi encontrada uma carcaça de baleia em decomposição, com potenciais compostos, a cerca de 4 mil metros de profundidade.

Graduada em biologia, a pesquisadora fez mestrado em biotecnologia, doutorado em física biomolecular e pós-doutorados em química e farmacologia. Trajetória acadêmica tão diversificada lhe possibilitou desenvolver técnicas voltadas à interação de proteínas e compostos bioativos, tendo em vista novos medicamentos. É comum que proteínas estejam envolvidas em mecanismos de doenças; alguns antidepressivos, por exemplo, agem sobre proteínas para aumentar concentrações do hormônio noradrenalina. Para que um composto ativo interaja com uma proteína, é preciso haver um match, um encaixe entre eles. E este encaixe depende do formato e dos átomos presentes no composto: é esta conformação que pode estimular ou inibir a atividade proteica.

Trivella coordena uma equipe do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, para onde são enviadas amostras de plantas e bactérias colhidas por parceiros especializados que se aventuram pelos mais distintos cantos do país –o que garante a diversidade na biblioteca de produtos naturais que o LNBio vem montando, atualmente com 6 mil amostras cadastradas. A questão é que cada amostra contém diversos compostos bioativos, sendo que apenas alguns são relevantes para inspirar novos medicamentos. Como, então, identificar o composto específico que interage com determinada proteína?

Os pesquisadores se valem de duas técnicas. Uma é a cristalografia de proteínas, que funciona como uma pesca: a proteína (em forma de cristal) é a isca, e a amostra a ser testada é o mar. Quando o composto da amostra se liga à proteína, ambos formam um complexo que, posteriormente, é analisado pelo Sirius, o acelerador de partículas inaugurado em Campinas em 2018. No fim do processo, tem-se a estrutura tridimensional da proteína com o composto conectado.

A estratégia é complementada pela espectrometria de massas, que fornece o que seria a impressão digital do composto, e a partir da qual é possível conhecer os átomos que formam a molécula bioativa. Munida das informações obtidas por ambas as técnicas, a equipe cruza dados e identifica a molécula em questão, que pode dar origem aos tão esperados medicamentos.

Estes cruzamentos, no entanto, levam tempo e estão sujeitos a erros e frustrações –a molécula pode já ser conhecida ou mesmo irrelevante para a produção de um fármaco. Para agilizar o processo, Trivella agora se dedica à construção de uma interface computacional que dê conta desses cruzamentos. É como se fosse o Tinder dos medicamentos: as informações são inseridas e o programa aponta quem combina com quem e quais casais serão mais frutíferos.

Para desenvolver a ideia, a equipe, composta de químicos, farmacêuticos e biólogos, conta ainda com uma cientista da computação e um matemático. Esta diversidade de conhecimentos é essencial para unir alta tecnologia e biodiversidade brasileira. Se tudo der certo, novos medicamentos chegarão ao mercado. Farmácias não vão faltar.

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Murilo Bomfim é jornalista.

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Uma solução ambiental não tão óbvia https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/10/uma-solucao-ambiental-nao-tao-obvia/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/10/uma-solucao-ambiental-nao-tao-obvia/#respond Wed, 10 Mar 2021 10:03:52 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/serrapilheira_vania-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=348 Por Vânia Pankievicz

Como alimentar 7 bilhões de pessoas sem prejudicar solos e mares?

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Não desperdiçar água, evitar plásticos, produzir menos lixo e optar por fontes de energias renováveis são, como se sabe, ações que promovem a sustentabilidade do planeta. Mas existem muitas outras que podem ter impacto na nossa vida. A fertilização biológica de alimentos, por exemplo, é uma delas. Não é um tema popular, não está na pauta do dia, mas, independentemente da rotina alimentar de uma pessoa, em algum momento ela vai precisar de alimentos cultivados com a aplicação de fertilizantes. O problema é que o aditivo químico vem desequilibrando a biosfera de forma silenciosa e contínua.

Desde a Revolução Verde, ou seja, a partir da década de 1960, a produção em massa desses aditivos nitrogenados transformou a agricultura, proporcionando um colossal aumento na produção de alimentos, sem que necessariamente se multiplicasse a área plantada. No entanto, o composto aplicado ao solo acaba escoando para rios e mares e as consequências podem ser desastrosas, como ocorre no golfo do México, nos Estados Unidos: do alto já avistamos a mancha provocada pelo excesso de aditivo, fonte nutricional para alguns organismos que crescem desenfreadamente e, ao consumir o oxigênio do ambiente aquático, desencadeiam a morte de outros seres vivos.

O alto custo desses compostos e sua forma de produção, que exige grande quantidade de gás natural, fonte não renovável, são outros complicadores. Sem contar que, depois de aplicados no solo, estes fertilizantes, quando não penetram os lençóis freáticos, são degradados em gases de efeito estufa.

O que fazer? Parar de usar fertilizantes? Não são eles, porém, os vilões da história. Fertilizar o solo com nitrogênio é questão de sobrevivência: como alimentar mais de 7 bilhões de bocas? Uma solução possível consiste na transformação do nitrogênio atmosférico em amônia.

Mesmo com toda abundância desse gás, as plantas não o absorvem diretamente do ar, daí a necessidade da sua conversão, que pode ser biológica, física ou industrial. Na biológica, bactérias especializadas fixam o nitrogênio e o convertem em amônia, transferindo o composto para o solo ou diretamente para a raiz da planta. Na física, raios entram em contato com o nitrogênio na atmosfera, formando nitratos. Na industrial, emprega-se grande quantidade de energia natural para produzir os fertilizantes nitrogenados.

O Brasil se beneficia da fixação biológica de nitrogênio nas culturas de soja há mais de 30 anos. O caminho molecular das plantas leguminosas favorece a interação com essas bactérias, os rizóbios, contribuindo com 50% do nitrogênio utilizado pelas plantas. Ou seja, no Brasil, 50% de fertilizante está sendo poupado na soja, fazendo dessa cultura uma das mais importantes na nossa economia. Já culturas de gramíneas, como milho, trigo e arroz, três das cinco mais produzidas no mundo, interagem com outros tipos de bactérias, as associativas, que, comparadas aos rizóbios, fixam nitrogênio em menor escala.

Cientistas mundo afora trabalham para melhorar o modo como as bactérias fixadoras de nitrogênio interagem com essas gramíneas. Johanna Döbereiner, microbiologista brasileira, dedicou a vida ao estudo desses organismos. Se hoje o país é o maior produtor de soja da América do Sul, ela em muito contribuiu para isso, graças a suas pesquisas sobre inoculantes bacterianos, que são alternativas eficientes ao uso intensivo de fertilizantes químicos. A produção de cana-de-açúcar, da qual o Brasil é o maior exportador, também se beneficiou dos resultados de suas pesquisas –essa cultura utiliza até 60% de seu nitrogênio dos inoculantes.

A forma como nosso alimento é produzido não é sustentável e precisa se reinventar para dar conta da demanda. O investimento em ciência e desenvolvimento de produtos biológicos deve estar na ordem do dia, assim como o engajamento popular pela substituição do plástico e combustíveis fósseis. Soluções como essa contribuem para uma agricultura sustentável para as futuras gerações e precisam se popularizar.

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Vânia Pankievicz é bióloga, pesquisadora e co-fundadora da GoGenetic, empresa de biotecnologia incubada na Universidade Federal do Paraná.

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