Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Levaram nosso meteorito de Marte https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/levaram-nosso-meteorito-de-marte/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/levaram-nosso-meteorito-de-marte/#respond Tue, 09 Nov 2021 14:54:44 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/meteorito-alienígena-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=581 Por Diana Andrade

Por que precisamos proteger os fragmentos extraterrestres que caem por aqui?

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Recentemente, a comunidade meteorítica brasileira foi surpreendida com a classificação de um novo meteorito nacional. O fragmento de 4,5 quilogramas, batizado com o nome da cidade onde foi encontrado, Socorro, no interior de Pernambuco, entrou oficialmente para o Meteoritical Bulletin (um banco de dados com informações sobre os novos meteoritos do mundo) no dia 31 de outubro de 2021. Segundo a publicação, a rocha foi encontrada em 2019 por um lavrador que não quis se identificar, e que a princípio não desconfiou da origem extraterrestre de seu achado. Em agosto de 2020, porém, por ocasião da queda de um outro meteorito na cidade também pernambucana de Santa Filomena, ele tomou conhecimento da importância destes fragmentos espaciais e decidiu enviar a peça a um parente que mora em Miami, nos Estados Unidos. Lá, ela foi comprada pelo americano Michael Farmer, um dos maiores comerciantes de meteoritos do mundo. Farmer enviou um pedaço de vinte gramas ao pesquisador Carl Agee, da Universidade do Novo México, para análise e classificação. Após os resultados, ele revendeu sua aquisição a um colecionador anônimo por 800 mil dólares.

Meteoritos são fragmentos de corpos celestes que chegam naturalmente até nós. Por vezes chamados de “sonda espacial do homem pobre”, uma vez que caem de graça no nosso “quintal”,  a maioria deles vem do Cinturão Principal de Asteroides, uma  larga faixa entre Marte e Júpiter. Portadores de informações fundamentais sobre a formação de nosso sistema solar, eles podem nos dar pistas sobre as condições físico-químicas na época do nascimento do nosso sistema planetário, assim como sobre sua evolução. Alguns, mais raros, podem ser provenientes da Lua, de Marte e até mesmo de restos de cometas, a respeito dos quais nos trazem dados diretos. São objetos que vagam pelo nosso sistema planetário, mas que devido a perturbações podem mudar de rota e acabam por colidir com a Terra.

O Socorro é um fragmento proveniente de Marte que a Universidade do Novo México classificou como um shergottito marciano, ou seja, uma amostra daquele planeta. Em todo o mundo são conhecidos apenas 263 meteoritos desse tipo, o que faz dele uma raridade. Não há no Brasil nenhum outro semelhante, seja para estudo científico, seja para ser exposto em universidades ou museus. Ter uma peça assim equivale a ter um objeto capturado por uma sonda enviada a Marte. Desnecessário dizer que sua saída do país representou uma perda do tamanho de um bólido.

Infelizmente, até o momento não existe lei que impeça a saída desses turistas espaciais do território nacional, e portanto não há como recuperar tesouro tão raro e vultoso. Não é a primeira vez que meteoritos brasileiros são enviados para fora antes que nossos cientistas possam estudá-los e antes que instituições brasileiras possam decidir se querem ficar com eles.

A comercialização do Socorro é mais um episódio que reforça a necessidade da criação de leis que protejam esse patrimônio de enorme importância científica para a comunidade acadêmica. Com o intuito de apresentar uma solução para o problema, criou-se uma comissão, formada por especialistas de diferentes instituições brasileiras, que busca apresentar a nossos governantes um projeto de lei a ser votado com urgência.

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Diana Andrade é pesquisadora no Laboratório de Análise de Material Espacial (LAMEsp) do Observatório do Valongo/ UFRJ.

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O que é a vida? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/21/o-que-e-a-vida/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/21/o-que-e-a-vida/#respond Thu, 21 Oct 2021 10:05:12 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/vida-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=560 João Miguel de Oliveira, 6 anos, carioca, fez essa complexa pergunta fundamental para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”. O Serrapilheira chamou três cientistas de áreas diferentes para (tentar) respondê-la.

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A vida é a ordem em meio à desordem, por Hugo Aguilaniu, biólogo geneticista

Na condição de geneticista que pesquisa o envelhecimento, devo dizer que a definição mais estrita de vida não é, de fato, tão simples. A primeira ideia que vem à mente é que um ser vivo deve ser capaz de se mover. Se o movimento macroscópico não for sistemático, deve ser pelo menos molecular: as moléculas devem se transformar ativamente em outras moléculas. Embora isso seja observado em todos os seres vivos, o movimento molecular não é específico dos seres vivos, pois basta pôr duas moléculas reativas em presença uma da outra para dar início aos fluxos químicos, aos movimentos. É, portanto, uma condição necessária, mas não suficiente.

Outra característica da vida é a capacidade de se perpetuar. Os seres vivos são, em sua maioria, mortais, mas podem perpetuar a vida por meio da reprodução, quando então o código genético com todas as informações é fielmente replicado. Não é impossível, porém, que alguns organismos se perpetuem sem se reproduzir, por meio de uma eficiente regeneração. De todo modo, é sempre necessário perpetuar e/ou reproduzir nossa informação genética.

A replicação do código genético implica a capacidade de os seres vivos se manterem em ordem. Estar vivo é precisamente manter certa organização molecular dentro de si. Quando a vida sai de um organismo, podemos ver que os tecidos se decompõem e são logo reduzidos a compostos químicos individuais, não mais ordenados entre si. Essa manutenção da ordem é muito cara em termos energéticos: enquanto houver vida, ela não pode parar. O metabolismo e a ingestão de moléculas que carregam certa quantidade de energia química –o que chamamos nutrição– é que impulsionam esse processo.

Os seres vivos, portanto, consomem energia ao seu redor para se manter em ordem. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, sabemos que a ordem mantida nos indivíduos vivos só é possível ao preço da criação de uma desordem. E essa, por sua vez, é ainda maior que a ordem – tanto que a entropia, a desordem do universo, cresce inexoravelmente.

Uma tabela periódica da vida, por Daniel Valente, físico

Para um físico, a pergunta vai muito além de “como funcionam os organismos vivos tais como os conhecemos”. Há várias comunidades de cientistas buscando uma compreensão que englobe a vida-como-a-conhecemos e a vida-como-poderia-ser.

Suponhamos, por um instante, uma busca por vida fora da Terra. Caso encontremos um sistema auto-organizado e autorreplicante, porém de composição molecular completamente distinta da nossa, como reconhecê-lo como vivo? Tornados, por exemplo, são estruturas auto-organizadas que “sobrevivem” enquanto há energia disponível na atmosfera, mas ninguém os considera organismos realmente vivos. Fogo também sobrevive enquanto dura a energia que o alimenta e, curiosamente, é capaz de se autorreplicar (pense na chama de uma vela quanto toca um novo pavio).

Se a auto-organização e a autorreplicação não são critérios suficientes, será que seria suficiente adicionar a evolução darwiniana à lista? Para constatar que isso não tem muita serventia, basta analisar a chamada “vida artificial” –programas de computador capazes de se autorreplicar, competir por recursos (alocação de memória, energia elétrica na máquina) e desenvolver características complexas a partir de programas simples. Mas essa vida artificial poderia ser posta em pé de igualdade com a vida natural?

Alternativamente à busca por definições, ou por uma lista de atributos, cientistas têm procurado respostas na física do comportamento emergente. Tentamos ver emergir, nos mais diversos sistemas (do nanométrico ao macroscópico) e contextos (contendo fontes de energia luminosa, elétrica, química, térmica), imitações e sobretudo generalizações de todas as possíveis características excepcionalmente similares às dos organismos vivos tal como os conhecemos (auto-organização, automontagem, autorrecuperação, autorreplicação, mutação, adaptação). Algumas buscas se inclinam para os aspectos energéticos da auto-organização longe do equilíbrio termodinâmico (generalizando a noção de metabolismo como um processo emergente na matéria), enquanto outras se inspiram nos aspectos informacionais (imitando o código genético e a capacidade de processamento de informação que emergem em toda célula viva).

Físicos do passado primeiro precisaram responder “o que é gravidade?” para depois criar os satélites artificiais e o GPS. Cientistas do presente têm tentado inventar toda sorte de vida artificial, na expectativa de um dia responder de modo exato a “o que é vida”. Quem sabe ainda haverá uma “tabela periódica da vida”, na qual ordenaremos os sistemas por seu “grau de vida” desde os obviamente não vivos até os obviamente vivos?

A vida é uma obra de Gaia, por Adriana Alves, geóloga

Para um geólogo, a vida envolve os processos compreendidos entre o nascimento e a morte. Entretanto, ao contrário dos biólogos, nós não nos referimos necessariamente apenas a animais, plantas e bactérias como seres vivos. Planetas, estrelas e até vulcões fazem parte desse grupo. Uma estrela, por exemplo, como o Sol, vive para queimar combustível e fornecer luz e calor no processo; um planeta vive para diminuir a temperatura de seu interior até que sua dinâmica interna se paralise. Nós, seres viventes clássicos da biologia, nos originamos da combinação quase milagrosa e acidental de carbono, oxigênio, nitrogênio e hidrogênio… E foi o surgimento dos seres fotossintetizantes  –aqueles que consomem gás carbônico como combustível e soltam oxigênio como subproduto dessa reação– que nos propiciou a atmosfera rica em oxigênio que boa parte dos seres que conhecemos necessitam para seguir vivendo.

Não fosse o pulsante dinamismo da Terra, os continentes não existiriam e o planeta ainda seria uma bola de lava. Sem essa dinâmica tampouco haveria deriva continental, nem as placas tectônicas se encontrariam. Esse “não encontro” impossibilitaria a migração dos hominídeos, que existiriam isolados em algum ponto remoto da África.

Como uma mãe (Pacha Mama ou Gaia), a Terra nos fornece tudo o que precisamos para a vida biológica desde o surgimento da nossa (e de todas) espécie(s). Seja por influenciar a distribuição dos nutrientes do subsolo e a ocupação do território por caçadores coletores, seja por definir a distribuição de metais preciosos usados nos chips do computador em que ora escrevo, a vida humana e de todos os demais seres só se tornou viável por conta da dinâmica peculiar e caprichosa de Gaia.

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Hugo Aguilaniu é diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, Daniel Valente é professor da UFMT e Adriana Alves é professora da USP.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida cientistas para responderem uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta? Veja aqui como colaborar.

 

 

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Por que o Nobel de Física representa o futuro da ciência https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/16/por-que-o-nobel-de-fisica-representa-o-futuro-da-ciencia/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/16/por-que-o-nobel-de-fisica-representa-o-futuro-da-ciencia/#respond Sat, 16 Oct 2021 10:23:37 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/Ilustração-retangular_941x598-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=557 Por Ricardo Martínez García

Sistemas complexos estão na fronteira do conhecimento

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O prêmio Nobel de Física de 2021 reconheceu três cientistas por seus “aportes inovadores para nossa compreensão dos sistemas físicos complexos” e o desenvolvimento de métodos para descrever e prever o comportamento deles. Metade do valor caberá a Syukuro Manabe, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e a Klaus Hasselmann, do Instituto Max Planck de Meteorologia, na Alemanha, que apresentaram contribuições fundamentais para o desenvolvimento de modelos que permitem fazer predições mais precisas sobre as mudanças climáticas. Já a outra metade irá para Giorgio Parisi, da Universidade de Roma La Sapienza, na Itália, que se destacou por descobrir padrões ocultos em materiais complexos e desordenados que permitiram melhorar nosso entendimento sobre vários processos aleatórios em campos tão diversos como a matemática, a biologia, a neurociência e o aprendizado de máquina.

Neste ponto, são muitas as perguntas que podemos nos fazer: o que é um sistema complexo? O que têm em comum dois climatologistas e um físico teórico como Parisi para compartilhar prêmio tão importante? Por que esses trabalhos são merecedores de um Nobel? As respostas não são simples, mas podem nos ajudar a entender a força extraordinária da ciência da complexidade, o papel que pode desempenhar nas próximas décadas e por que são necessários cientistas multidisciplinares sem medo de navegar entre as fronteiras de diferentes áreas do conhecimento.

Um sistema complexo é um conjunto de múltiplas entidades que interagem entre si; dessas interações resulta o desenvolvimento de novos comportamentos, diferentes dos observados em suas entidades, quando consideradas individualmente. Tais fenômenos são comumente chamados “fenômenos emergentes”. Como sempre acontece na física, uma definição tão abstrata se torna muito mais fácil de entender com exemplos. O cérebro é um sistema complexo no qual as interações entre milhões de neurônios causam fenômenos emergentes como a inteligência, a consciência ou a memória. Outros exemplos típicos são as sociedades (humanas e animais), as cidades, os ecossistemas ou, voltando ao objeto de estudo da dupla laureada, o clima.

Essa variedade de exemplos e sua relação com muitos dos problemas que nos assombram explica, em grande medida, o crescimento espetacular da ciência da complexidade nas últimas décadas, endossado essa semana com o Nobel de Física. Muitos dos problemas que a humanidade enfrenta e enfrentará no futuro se relacionam com os sistemas complexos. A propagação de doenças, por exemplo, na maioria das vezes decorre do modo como estão estruturadas nossas cidades, nossa sociedade, e os padrões de deslocamento da população. A perda de biodiversidade e o colapso de muitos ecossistemas são fortemente determinados por alterações, muitas vezes causadas pelos humanos, nas interações complexas entre espécies que sustentam esses ecossistemas. Muitas das doenças que nos ameaçam, como o câncer, e a maneira como nosso organismo responde a elas são, de certo modo, resultado de mudanças na interação de nossas células entre si e com o entorno.

Para abordar todos esses problemas na fronteira entre disciplinas e com uma transferência tão ampla de ferramentas entre uma e outra, é necessária uma nova forma de treinar nossos cientistas. Pessoas que relevem a classificação da ciência em áreas, movidas pela curiosidade e o debate, com uma visão ampla do mundo a seu redor e munidas de um potente arsenal de ferramentas matemáticas e computacionais. Só assim poderemos identificar, atacar e resolver os grandes desafios que nos esperam. O prêmio Nobel de Física de 2021 reconhece essa visão e essa nova abordagem de estudar a natureza.

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Ricardo Martínez García é físico e pesquisador SIMONS-FAPESP no Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) e no Instituto de Física Teórica da UNESP.

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Quantas galáxias existem no universo? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/07/03/quantas-galaxias-existem-no-universo/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/07/03/quantas-galaxias-existem-no-universo/#respond Sat, 03 Jul 2021 10:22:22 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/galáxias-em-um-universo-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=465 Por Thiago Signorini Gonçalves

O desafio de fazer um censo do cosmo

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O artigo abaixo responde à pergunta feita por Penélope Alves, 6 anos, baiana, que quer ser astrônoma, para a série “Perguntas de criança, respostas da ciência”.

A pergunta pode parecer trivial, mas a resposta é complexa, senão desconhecida. Estimativas variam entre 200 bilhões e 2 trilhões, e esse valor assim alto já justifica nossa ignorância.

Para começar, quantas galáxias já foram catalogadas? Como determinar quantas são, se há centenas de projetos astronômicos, cada um mapeando uma parte do céu? O Levantamento de Energia Escura, um dos maiores, uma colaboração internacional com participação brasileira, recentemente anunciou um total de 226 milhões.

Muitas vezes, porém, elas não passam de borrões em uma imagem. Um algoritmo de computador sugere que seja uma galáxia, mas a identificação dos astros –sobretudo os menos brilhantes– é imprecisa. O que para um telescópio é uma galáxia, para outro pode ser uma estrela.

Levando tudo isso em conta, somando os esforços dos diferentes projetos e as possíveis duplicatas, podemos supor que temos um catálogo de alguns bilhões de galáxias catalogadas. Um número muito distante do total de talvez mais de um trilhão. Como chegamos então a este valor?

Nesse ponto, estamos sujeitos a estimativas estatísticas. Imaginemos uma campanha presidencial: não podemos perguntar a todos os eleitores do país em quem eles pretendem votar, e as pesquisas dependem de uma amostra de alguns milhares para prever como dezenas de milhões se comportarão nas urnas.

A definição dessa amostra é fundamental. O voto de eleitores do Sudeste do Brasil provavelmente será distinto daqueles do Nordeste: não se pode fazer a pesquisa em um único estado e projetar o resultado para o país todo. Da mesma forma, não podemos contar as galáxias em uma região do céu e supor que aquele número se aplique a todo o universo.

Como, então, fazer um censo do universo? Um dos grandes problemas é que as galáxias mais numerosas são as menos luminosas, de difícil detecção, portanto. Quanto mais poderoso o telescópio, melhor nossa capacidade de observar uma galáxia — mas qual é o limite de sensibilidade dos observatórios? Quais são as menores galáxias do universo? Para responder, devemos conhecer intrinsicamente o processo de formação desses sistemas, o que em muitos aspectos ainda é um mistério.

A Segue 2, distante de nós cerca de 100 mil anos-luz, ilustra essa diversidade. Ela brilha com intensidade de apenas oitocentas vezes a luminosidade do Sol; em comparação, a Via Láctea tem o brilho de 100 bilhões de estrelas. No entanto, a massa total de Segue 2 é 500 mil vezes a massa do Sol, o que, combinado com o seu brilho fraco, indica a presença de enorme quantidade de matéria escura, que não emite luz. Como essa galáxia se formou? Quantas iguais a ela existem? São incógnitas que afetam as estimativas do total de galáxias no cosmo.

A questão fica mais complexa se pensamos em distâncias consideradas grandes mesmo para os astrônomos. Conseguimos ver vários tipos de galáxias vizinhas, como Andrômeda ou as Nuvens de Magalhães, mas a bilhões de anos-luz, só vislumbramos as mais brilhantes.

Isso não seria um problema se as galáxias tão distantes fossem idênticas às nossas vizinhas. A velocidade da luz é finita, porém. Se uma galáxia está muito distante, isso significa que a luz levou muito tempo, bilhões de anos, até, para chegar aqui. Estamos vendo o universo em sua infância.

Podemos supor que as galáxias no passado eram as mesmas de hoje? De jeito nenhum. Continuando com a analogia das pesquisas eleitorais, imagine se perguntássemos a opinião política dos eleitores da década de 60 sobre candidatos à eleição de 2022! Os movimentos políticos estão em constante evolução, e não podemos admitir que a população se comporte de maneira idêntica em épocas tão distintas.

Da mesma maneira, o universo distante reflete determinado momento da evolução de galáxias, e a contabilidade deve ser calculada à parte. Como fazer isso se só vemos a ponta do iceberg, somente as galáxias mais luminosas? Telescópios mais poderosos poderão responder com precisão –tomara que o James Webb, a ser lançado no final do ano, possa nos ajudar.

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Thiago Gonçalves é astrônomo no Observatório do Valongo/ UFRJ e divulgador de ciência.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida um cientista a responder uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta ou de pauta para o blog? Veja aqui como colaborar.

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Que segredos estão escritos nas estrelas? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/24/que-segredos-estao-escritos-nas-estrelas/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/24/que-segredos-estao-escritos-nas-estrelas/#respond Thu, 24 Jun 2021 10:14:05 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/farinaldo-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=455 Por Murilo Bomfim

Na física de astropartículas, descobertas surgem do que não podemos ver

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Qualquer um que tenha contemplado um céu cheio de estrelas já matutou sobre esses pontos de luz. Talvez procure as Três Marias ou tente entender se determinada luzinha é estrela ou planeta. Mais raro é se perguntar a respeito da área escura onde as estrelas flutuam.

Hoje se sabe que essa área não é um imenso vazio. Tem matéria, a tal matéria escura. Um dos grandes desafios da ciência é desvendar a composição das partículas dessa matéria, tarefa dificultada justamente por essas partículas não emitirem luz. Ou seja: não conseguimos enxergá-las.

Entender mais sobre a matéria escura é abrir espaço para uma revolução na ciência. A física tem um modelo padrão para partículas elementares que explica o comportamento de todas as partículas… menos as partículas de matéria escura. Decifrar o mistério pode dar novas direções à ciência, sobretudo no campo da cosmologia, astronomia e astrofísica.

Poucos pesquisadores no mundo se debruçaram sobre a questão. Um deles foi o brasileiro Farinaldo Queiroz.

Quando o filho de Francisco Farinaldo Queiroz entrou no curso de física da Universidade Federal da Paraíba, em 2002, o mundo acadêmico lhe parecia uma matéria escura. “No início, achei que não daria conta de me formar. Quando vi uma disciplina de seis créditos, não entendia que era uma referência à carga horária. Achei que custaria seis reais por semestre, ou por aula, o que seria difícil de bancar”, lembra.

Ao longo da graduação, tudo foi ficando mais claro: ele entendeu o que eram créditos e aprendeu física de partículas quando conseguiu uma bolsa de iniciação na área. Logo tomou gosto pelo tema, aprofundado no mestrado e no doutorado –com direito a premiação da Sociedade Brasileira de Física como melhor tese em 2013.

À época, o cientista teve uma sacada que marcou o início de sua trajetória meteórica. Sabe-se que, para cada partícula, há uma antipartícula –com atributos semelhantes, como a massa, mas com características opostas, como a carga elétrica. Se partícula e antipartícula se chocam, o que ocorre aleatoriamente, há emissão de fótons (ou raios gama).

Em seus estudos, Queiroz entendeu que, se fosse possível captar um sinal destes fótons, haveria grandes chances de que as partículas de matéria escura fossem de um tipo específico, as chamadas WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles, ou partícula massiva de baixa interação).

O físico conseguiu captar um raio, e o trabalho foi bem sucedido. Mas o resultado é apenas uma boa hipótese. Com possibilidades restritas de pesquisas no país, ele buscou um pós-doutorado na Universidade da Califórnia. Seu desejo por desvendar a matéria escura rendeu um financiamento da Nasa, o que acabou por lhe abrir portas para pesquisar e lecionar em universidades europeias.

Após observar o universo a partir de outros países, o físico foi selecionado para atuar como cientista em um local muito mais próximo de sua origem paraibana: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

As ambições, no entanto, seguem astronômicas. Hoje ele é um dos poucos no mundo que tentam desvendar as particularidades da matéria escura pelo método específico da análise de estrelas de nêutrons. Presentes em diversas galáxias, essas estrelas têm massa superior à do Sol, mas têm um raio muito menor.

Esta grande densidade gera um forte campo gravitacional, ou seja: tudo que passa por uma estrela de nêutron é engolido. Ocorre que, no ciclo de vida da estrela, sua temperatura reduz gradativamente. Caso se registre algum aumento, Queiroz e seus colegas apostam na entrada de partículas de matéria escura nas estrelas. Pela mensuração da temperatura, é possível inferir a natureza das partículas.

A ideia é animadora e desafiante. Sobretudo porque exige um trabalho multidisciplinar: Queiroz entende de física de partículas, mas precisa de quem entenda de astrofísica e de astronomia (para medir a temperatura das estrelas de nêutrons, por exemplo).

“Estamos competindo com outros grupos internacionais, vendo quem chega primeiro”, diz o cientista. “Se tivermos sucesso, você nos verá na cerimônia do prêmio Nobel.”

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Murilo Bomfim é jornalista.

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Um herege na física https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/um-herege-na-fisica/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/um-herege-na-fisica/#respond Wed, 14 Apr 2021 12:03:07 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/linoca-tsallis-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=374 Por Murilo Bomfim

A controvérsia de Tsallis

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No século 16, Copérnico disse que a Terra girava em torno do Sol. No século seguinte Galileu Galilei confirmou e por isso acabou a vida em prisão domiciliar. Passados quase quatro séculos, outro físico desenvolveu ideias que não foram bem digeridas –dessa vez por seus pares, não pela Igreja.

Hoje professor emérito do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e radicado no Rio de Janeiro, Constantino Tsallis nasceu na Grécia e migrou para a Argentina. Fez doutorado e lecionou na Universidade de Paris, fixando-se no Brasil em 1975. Talvez os deslocamentos já anunciassem o tema de sua vida, a entropia, ou o grau de desordem de um sistema.

Tsallis propôs uma generalização da entropia. Para explicar, é importante voltar uma casa. Na física contemporânea, primeiro se apresenta uma grande hipótese que, mais tarde, é confrontada por uma segunda teoria. Assim ocorreu com a teoria mecânica de Newton. Aplicável em diversas situações, ela não funciona bem quando se analisam objetos que se deslocam a velocidades próximas à da luz. A solução, neste caso, veio com a teoria da relatividade de Einstein. A este processo dá-se o nome de generalização: se, antes, a teoria tinha uma limitação, ela passa a ser generalizada e pode ser aplicada a mais situações.

A entropia, um dos pilares da física, ganhou forma com a teoria de Boltzmann-Gibbs, que na prática serve para analisar sistemas, medir sua desordem e fazer predições. As moléculas de um cubo de gelo, por exemplo, estão mais organizadas do que as moléculas de vapor, que se movimentam mais e ocupam um espaço maior –logo, têm mais entropia. Já um cubo de gelo é um sistema simples, só influenciado pela pressão e temperatura do entorno. Como medir a entropia de sistemas complexos, relacionados a fatores fortemente conectados?

Em 1988, Tsallis publicou um artigo no Journal of Statistical Physics propondo a generalização da entropia (que ficou conhecida como “entropia de Tsallis”), uma teoria que estaria apta a analisar sistemas complexos. A controvérsia não demoraria. “Fui acusado de rasgar uma fórmula da física que era crucial”, ele diz. “Era como se eu dissesse que E = mc2 não funciona para alguns casos.”

Uma renomada publicação chegou a aconselhá-lo a não se referir à teoria como “entropia generalizada”. “Entropia está para os físicos como Jesus está para os cristãos. Jesus não pode ser generalizado”, disse o editor, que era judeu. Como Galilei, Tsallis virou um herege.

A pesquisa foi um marco na carreira do físico –hoje ela soma quase dez mil citações, o que faz dele o cientista brasileiro (mesmo que naturalizado) mais citado no mundo, segundo a Universidade de Stanford. Mas, se os primeiros anos da teoria incitaram a curiosidade e a busca por testá-la, tempos depois a comunidade científica se dividiu: há quem chancele a ideia, mas não faltam críticos. Tsallis pode ter agradado a gregos, mas a física parece ser um campo com vários troianos.

Os opositores mais ferrenhos reconhecem a importância do pesquisador, sobretudo na formação de cientistas, mas alegam que sua teoria é uma simples alteração matemática da fórmula de Boltzmann-Gibbs. Ao adicionar um parâmetro na expressão original, ele teria elaborado apenas uma ferramenta. Com o tempo, outras soluções aplicadas na física estatística se mostrariam igualmente úteis.

Os questionadores ressaltam que Tsallis não teria criado um modelo físico que explicasse um fenômeno, como Einstein fez com a gravidade. Seria como se a equação ajudasse a definir a posição de Júpiter no sistema solar, mas, por falta de fundamento físico, não explicasse por que o planeta se situa aqui e não ali.

Por outro lado, em vários países há pesquisadores que trabalham com a entropia de Tsallis, buscando entender seu melhor nicho de aplicação. Um exemplo, comemorado pelo físico, ocorreu na Índia: a análise de mamografias ancorada em sua teoria praticamente suprimiu os resultados do tipo falso positivo em microcalcificações (que dão origem ao tumor).

No fim das contas, Tsallis rendeu à física uma controvérsia que deu pano para a manga –-algo considerado saudável e inerente ao fazer científico. Seus seguidores mais fiéis continuam fazendo uso de sua teoria, enquanto outros preferem ignorá-la. Se gregos ou troianos ganharão essa batalha, só o tempo dirá.

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Murilo Bomfim é jornalista.

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O que esperar da grande revolução astronômica https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/10/o-que-esperar-da-grande-revolucao-astronomica/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/10/o-que-esperar-da-grande-revolucao-astronomica/#respond Wed, 10 Feb 2021 14:05:11 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/ilustra_thiago_serrapilheira_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=322 Por Thiago Gonçalves

Promessas dos telescópios que vêm por aí

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Estamos à beira de uma revolução em nosso entendimento sobre o universo. Nos próximos 10 anos, assistiremos à inauguração de telescópios e observatórios que nos permitirão ver mais longe e mais detalhadamente. Mas, ainda que munida de novos olhos, a ciência não trabalha apenas com dados –vale-se de modelos e teorias. E é a partir de estudos que se constroem instrumentos que vão confirmar os modelos aventados.

Para compreender como funciona esse processo, tomemos como exemplo o telescópio James Webb, prometido para meados da década passada. Com novas câmeras e um espelho de 6,5 metros de diâmetro, 4 metros maior que o do revolucionário Hubble, ele foi desenhado para observar as primeiras galáxias do Universo. Se lembrarmos que a luz tem uma velocidade finita, podemos concluir que quanto mais distante um objeto, mais tempo a luz leva para chegar a nós, e mais antigo é o objeto observado. O Hubble , que reescreveu a astronomia nos últimos 30 anos, foi crucial para quebrar récordes, mas não alcançou às primeiras estrelas, às primeiras galáxias. Diversos modelos preveem as características desses fósseis cósmicos, mas sem dados não há como avaliar qual é o correto.

Tal feito caberá ao James Webb, com o qual poderemos não só ver a primeira geração de estrelas no Universo, mas também encontrar nossas origens cósmicas e tentar entender como tudo começou. Mas não só. Ele também poderá investigar as atmosferas de planetas ao redor de estrelas diferentes do Sol. Nos últimos anos, descobrimos milhares de planetas, muitos deles semelhantes à Terra, simplesmente medindo a diminuição do brilho da estrela quando o planeta passa na frente dela.

Já a descoberta de vida é muito mais difícil. Uma das principais estratégias consistiria em medir a alteração da luz da estrela quando ela atravessa a atmosfera planetária. Para tanto, seria necessário um telescópio com enorme sensibilidade –e mais uma vez o James Webb figura com potencial de protagonizar essa descoberta.

E ele não virá sozinho. Até 2029, serão inaugurados três telescópios colossais: o Magalhães Gigante, com 24 metros de diâmetro; o Trinta Metros (de nome autoexplicativo), e o Europeu Extremamente Grande, com impressionantes 39 metros de diâmetro. (Hoje os maiores do mundo têm 10 metros.)

Em conjunto, esses observatórios terrestres poderão acompanhar as descobertas espaciais, oferecendo pistas como o movimento de estrelas ou a composição química das primeiras galáxias, ajudando a compreender os processos físicos que culminaram na primeira geração de estruturas no cosmos. Ao criar novos instrumentos, porém, devemos estar abertos ao que não esperamos encontrar –é a tal serendipidade.

Alexandre Fleming e Henry Becquerel, responsáveis pela descoberta da penicilina e da radioatividade, respectivamente, ilustram a surpresa positiva do inesperado. Para ambos, os avanços se deram por acaso, se bem que decorreram de técnicas com as quais eles já trabalhavam –e os dois estavam permeáveis a evidências que à época fugiam da compreensão.

O mesmo pode ser dito de Fritz Zwicky, que na década de 1930 descobriu a matéria escura. Seus estudos, no entanto, foram descreditados por seus pares, e a matéria escura só foi levada a sério a partir da década de 1970, com Vera Rubin.

Outros astrônomos tiveram melhor sorte. Arnold Penzias e Robert Wilson observaram pela primeira vez a radiação cósmica de fundo (uma confirmação observacional do Big Bang); Jocelyn Bell e seu supervisor Anthony Hewitt descobriram os pulsares, remanescentes energéticos de estrelas mortas; as equipes lideradas por Adam Riess, Brian Schmidt e Saul Perlmutter viram as primeiras evidências da energia escura. Todos esses trabalhos obtiveram resultados imprevisíveis, e todos foram agraciados com o prêmio Nobel .

O importante com a revolução tecnológica é manter a mente aberta. Os novos telescópios poderão observar fenômenos inéditos, e os cientistas deverão esperar o inesperado.

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Thiago Gonçalves é astrônomo no Observatório do Valongo/ UFRJ e divulgador de ciência.

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Nesta notícia, nenhum asteroide se choca com a Terra https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/01/26/nesta-noticia-nenhum-asteroide-se-choca-com-a-terra/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/01/26/nesta-noticia-nenhum-asteroide-se-choca-com-a-terra/#respond Tue, 26 Jan 2021 10:22:06 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/serrapilheira_renatafontanetto_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=314 Por Renata Fontanetto

Títulos caça-cliques mais desinformam do que comunicam os processos da ciência

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Que atire a primeira pedra (ou meteorito) quem nunca se deparou com um título sensacionalista sobre astronomia. No dia 7 de janeiro, um jornal informou que, segundo a Nasa, o asteroide 2009 JF1, de 130 metros de diâmetro, poderia se chocar com a Terra em 6 de maio de 2022. No dia seguinte, Thiago Signorini Gonçalves, professor no Observatório do Valongo (OV) da UFRJ e membro da Sociedade Astronômica Brasileira, foi ao Twitter dizer que o objeto tem 0,026% de chance de colidir com o planeta e que, na realidade, ele tem 13 metros.

Notícias que pintam a astronomia com as tintas do fim do mundo, ou que apenas pensam na conversão de tráfego on-line para um site –a famosa tática “caça-cliques”– prestam um desserviço: “Transformam o noticiário científico num sensacionalismo que não tem a ver com a pesquisa, separando o público mais ainda da comunidade científica”, diz Gonçalves. Para o astrônomo, que estuda a formação e evolução de galáxias, o propósito seria mais impressionar do que informar: “Estamos perdendo a chance de apresentar o que é o método científico”.

E quais seriam as chances reais de um asteroide colidir com a Terra? Depende. Um objeto é considerado potencialmente perigoso se, ao passar próximo à órbita da Terra, chegar a uma proximidade menor do que 20 vezes a distância até a Lua e caso tenha mais de 100 metros de diâmetro. O monitoramento é efetuado, entre outros, por astrônomos que trabalham com a mecânica celeste e estudam a dinâmica das órbitas dos objetos que estão no Sistema Solar. Diana Andrade, também pesquisadora no OV, tem entre seus objetos de estudo os meteoritos. Com o grupo Meteoríticas, ela viaja o Brasil com outras pesquisadoras em busca de materiais caídos do céu para analisá-los em laboratório.

“Entre Marte e Júpiter, existe um cinturão com muitos asteroides, a maioria com diâmetros pequenos, menores que 100 metros. Há três grupos que têm órbitas próximas à da Terra: Apollo, Atenas e Amor. Os Objetos Próximos à Terra (NEOs, na sigla em inglês) são muito estudados porque duas destas classes –Atenas e Apollo– podem cruzar com a nossa órbita e oferecer algum tipo de risco”, explica a astrônoma. Isso não significa que eles cairão no planeta, mas apenas que as trajetórias precisam ser monitoradas. “A própria atmosfera terrestre consome objetos pequenos por meio do atrito ocasionado por sua entrada. Ele não chegará aqui ou, então, chegará em pedaços menores”, esclarece.

No site da Nasa, existe uma lista com corpos celestes em constante monitoramento. O 2009 JF1 está lá, em quarto lugar. A página traz muitos termos técnicos, mas uma coluna, a última, comunica de forma simples e objetiva, utilizando a escala de Torino. Criada pela União Astronômica Internacional, a escala informa se um corpo próximo à órbita da Terra é perigoso, se pode cair e qual seria o grau de devastação no planeta. De zero a dez, cada número informa o potencial risco, onde zero significa baixíssimo risco de colisão e dez, colisão certa, com destruição em escala global. Atualmente, na última coluna a maioria dos objetos apresenta risco zero.

“Mesmo que um objeto seja sinalizado nos níveis um, dois, três ou quatro, é possível enquadrá-lo no nível zero a partir de novas observações”, informa a astrônoma. Do nível cinco em diante, os corpos são considerados grandes e muito próximos à Terra, o que motivaria um esforço internacional para estudá-los e, se for o caso, buscar minimizar os danos decorrentes do impacto. Eventos dos últimos três níveis são raros –o último acontecimento no nível dez foi o provável asteroide que contribuiu para a extinção dos dinossauros há cerca de 66 milhões de anos.

Se a probabilidade é pequena, grande é a importância de investir nesse tipo de ciência básica. Na opinião de Gonçalves, a ciência não é imediatista, mas uma atividade a longo prazo. “À medida que vamos entendendo, podemos aplicar o conhecimento de formas que a gente nem esperava”, observa. Astronomia, para ele, tem a ver com origens: a do universo e a do nosso lugar nele.

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Renata Fontanetto é jornalista, coordenadora do Núcleo de Mídias e Diálogo com o Público do Museu da Vida, da Fiocruz.

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Tal qual o cosmos, a ciência deve englobar tudo e todos https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/01/13/tal-qual-o-cosmos-a-ciencia-deve-englobar-tudo-e-todos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/01/13/tal-qual-o-cosmos-a-ciencia-deve-englobar-tudo-e-todos/#respond Wed, 13 Jan 2021 10:00:07 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/mulheres_negras_valentina-fraiz.alan-brito.web_-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=304 Por Wyllian Torres

O astrônomo Alan Brito busca uma nova cultura científica

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Desde pequeno Alan Alves Brito sabia que queria ser astrônomo. Aos oito anos, por ocasião da passagem do cometa Halley, ele teve certeza. Em seu quintal na cidadezinha de Valença, ao sul da Bahia, o céu livre da poluição dos centros urbanos alimentava sua curiosidade e dava asas a sua imaginação. “A ciência também é um exercício de criatividade”, ele diz hoje, aos 42 anos.

Brito está à frente de pautas importantes como o antirracismo na ciência e na divulgação científica. Ele compartilha sua experiência em projetos de pesquisa que promovem a equidade racial e de gênero no ensino.

Professor e pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Sul desde 2014, o astrofísico coordena duas iniciativas. A primeira, “Akotirene: Kilombo Ciência”, busca aumentar a participação de mulheres negras na ciência. Surgiu em 2018 como parte do edital “Elas nas Exatas” –parceria do Instituto Unibanco, Fundo ELAS, Fundação Carlos Chagas e ONU Mulheres. Mesmo com o fim do edital, que durou um ano, o trabalho continua sob sua coordenação e das matriarcas do Morada da Paz, quilombo localizado no município de Triunfo, interior do estado.

Por meio da “pedagogia do encantamento”, o projeto constrói um lugar onde aprender e ensinar se mesclam nas tradições do pensamento africano. Os orixás, divindades da religião iorubá, também são os professores, pois ensinam sobre a natureza e a ancestralidade.

Já o “Zumbi Dandara dos Palmares” é um projeto de pesquisa aplicada que mobiliza uma equipe de professores e pesquisadores de diferentes áreas, sob a coordenação de Brito. A ideia é ambiciosa. “Engloba movimentos sociais, a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul e 15 escolas –metade delas recebe estudantes dos quilombos urbanos, situados em Porto Alegre, e a outra metade em territórios quilombolas espalhados pelo estado”, diz. O trabalho, que deve durar 18 meses, propõe a elaboração de políticas públicas que abracem a pauta da equidade racial.

Por meio do currículo de ciências da natureza, ele trabalha a etnoastronomia e explora a relação cultural e milenar com os astros. Sua intenção é construir o conhecimento ancorado nos saberes populares dos quilombos, “historicamente inviabilizados por conta do racismo estrutural”, comenta Brito.

O astrofísico ressalta o constante diálogo da astronomia com diversas áreas do conhecimento. Para responder a perguntas sobre, por exemplo, o surgimento das estrelas, precisamos da física para entender o processo da gravidade, e da química para explicar as estruturas moleculares. “A astronomia atrai estudantes de todas as idades. As pessoas são curiosas, querem entender como tudo se formou, o que são galáxias, o que são estrelas. Ela fomenta essa curiosidade científica”, diz Brito.

E mais: a astronomia humaniza os processos da ciência ao nos dar a perspectiva de que todos somos cidadãos e cidadãs do cosmos. “Ela nos traz essa responsabilidade de cuidar do planeta Terra, nessa relação intrínseca do sujeito com a natureza.”

Para Brito, é necessário articular uma nova cultura científica no país, que ajude a pensar uma outra construção de ciência e tecnologia. “A gente precisa de mais observatórios, planetários, museus de ciência que tragam narrativas de todos os povos que passaram pela Terra, ao longo de milênios, que olharam para o céu e contaram histórias”, diz o pesquisador.

Brito não vê, no futuro, como responder às questões da ciência moderna e contemporânea sem uma contribuição direta da astronomia. Afinal, estamos sozinhos? É a astrobiologia, com os avanços das pesquisas na biologia, que contribui na busca dessa resposta, por exemplo. Pluralizar as narrativas também é essencial para construir nossa cosmovisão. A ciência, tal qual o cosmos, deve englobar tudo e todos.

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Wyllian Torres é jornalista.

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O exorcismo mais famoso da física https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/08/20/o-exorcismo-mais-famoso-da-fisica/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/08/20/o-exorcismo-mais-famoso-da-fisica/#respond Thu, 20 Aug 2020 15:51:11 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/rafael-chaves-catarina-bessell-demonio.web_-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=190 Por Rafael Chaves

A teoria da informação resolveu um paradoxo centenário

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Nada na natureza contraria a segunda lei da termodinâmica. A não ser uma criatura imaginada pelo físico James Maxwell em 1871. Por violar uma aparente lei básica da física, ela ficou conhecida como “o demônio de Maxwell”.

A segunda lei implica que, na ausência de um agente externo, o fluxo de calor sempre se dá do quente para o frio, e nunca vice-versa. Ao colocarmos uma cerveja morna na geladeira, ela cede calor para o ar frio e gela.

Vista de outra forma, essa lei implica que a entropia, a medida da desordem de um sistema, nunca diminui. Voltemos à cerveja. Quanto mais quente, mais velocidade e liberdade têm suas moléculas e, portanto, maior a desordem e a entropia. Por isso, num dia de verão uma cerveja gelada logo esquenta fora do gelo. É o universo em seu caminho irreversível de aumento da entropia. Para contrariar essa tendência, é preciso gastar energia. Para que a geladeira transfira calor de seu interior frio (ordenado) para o ambiente externo quente (desordenado) e assim possa gelar a cerveja, ela precisa da energia elétrica (um agente externo).

Voltemos ao demônio de Maxwell. Imagine-o no meio de uma caixa dividida em dois compartimentos conectados por uma pequena janela, a qual ele pode abrir sem despender energia. No compartimento esquerdo há gás frio, no direito, o mesmo gás a uma temperatura maior. Se abrirmos a janela que separa os gases, eles tenderiam a se misturar e atingir uma temperatura intermediária de equilíbrio. Ou seja, conforme a segunda lei, o gás quente cederia calor ao gás frio. O demônio, entretanto, pode reverter esta lógica.

Microscopicamente, segundo a teoria termodinâmica, um gás é composto de moléculas que se movem em diferentes velocidades. Quanto maior a velocidade média dessas moléculas, maior será a temperatura do gás. O demônio observa essas moléculas e, sempre que uma molécula mais rápida/quente do gás frio vem em sua direção, ele abre a janela, permitindo sua passagem para o gás quente. Em contrapartida, moléculas mais lentas/frias do gás quente têm sua passagem franqueada em direção ao gás frio. Assim, com o tempo, o gás inicialmente frio esfria ainda mais e o gás quente fica ainda mais quente. Ocorre um fluxo de calor do frio para o quente sem que se gaste nenhuma energia — uma clara violação da segunda lei!

A primeira peça desse quebra-cabeças foi encontrada por acaso em 1948, quando o matemático Claude Shannon se fez uma pergunta aparentemente sem conexão com o problema: o que é informação?

Pense em duas moedas: uma sempre cai como cara; a outra cai aleatoriamente, ora dá cara, ora coroa. Antes de jogar a primeira, já conhecemos o resultado, não aprendemos nada. Ao jogar a segunda, ao contrário, nossa incerteza é máxima, e ao observar o resultado aprendemos algo novo. A informação pode ser entendida tanto como a incerteza que temos antes de observar um evento ou como o conhecimento que obtemos após essa observação. A informação se relaciona à incerteza, e como incerteza se relaciona a desordem, temos aqui, ainda que forma rudimentar, a primeira conexão entre informação e entropia.

A segunda peça para a resolução do paradoxo foi encontrada em 1961, novamente por acaso, quando o físico Rolf Landauer percebeu que a informação não é apenas um conceito abstrato; para ser representada, ela precisa estar associada a um sistema físico. Assim, ela está sujeita às leis naturais, em particular à segunda lei da termodinâmica. Como consequência, para se apagar informação, seja uma letra no papel ou um bit em um disco rígido, alguma energia sempre será dissipada.

O demônio de Maxwell foi enfim exorcizado quando, em 1982, o físico Charles Bennett percebeu que o diabo tem que memorizar informação sobre as moléculas do gás. Após adquirir informação sobre uma molécula e permitir o fluxo de calor do frio para o quente, para continuar seu ciclo demoníaco a criatura terá que apagar sua memória. Pelo princípio de Landauer, esse processo de apagamento sempre dissipa uma quantidade de energia igual ou superior à energia gerada pela ação do demônio, salvaguardando assim a segunda lei.

Uma vez encontrada, a solução do paradoxo parece quase óbvia. Mas para tanto foi necessário que um novo campo de pesquisa, a teoria da informação, fosse concebido. Quando consideradas no mundo do muito pequeno, regido pela mecânica quântica, as interconexões entre informação e termodinâmica prometem feitos ainda maiores.

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Rafael Chaves é físico e pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN

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