Ciência fundamental https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br O que pensam os jovens cientistas no Brasil? Thu, 02 Dec 2021 15:29:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 É hora de produzir uma ecologia com a cara do Brasil https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/16/e-hora-de-produzir-uma-ecologia-com-a-cara-do-brasil/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/16/e-hora-de-produzir-uma-ecologia-com-a-cara-do-brasil/#respond Wed, 16 Jun 2021 10:14:28 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/blog_03_palmeiro_bustamante_crop-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=446 Por Pedro Lira

Referência na área, Mercedes Bustamante aposta em novas formas de pensar os sistemas naturais brasileiros

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“Você pode trabalhar com plantas, bactérias, bichos, mas em última instância está trabalhando com gente.” Essa visão holística foi o que moveu Mercedes Bustamante rumo à ecologia de ecossistemas, área em que ela investiga os impactos causados pelos seres humanos e como nós modificamos as relações entre os seres vivos e o ambiente. Referência no campo há quase 30 anos, a pesquisadora e professora da Universidade de Brasília defende: está na hora de produzirmos nosso próprio corpo teórico em ecologia.

Afinal de contas, somos o país com a maior biodiversidade do mundo e, apesar do reconhecimento internacional das ciências biológicas produzidas aqui, ainda temos muito a crescer na ecologia. Com experiência internacional em gestão de política científica e educacional na ONU, Bustamante aposta em mudanças na academia brasileira. “Estamos há anos testando como se aplicam aos sistemas tropicais teorias geradas lá fora, pensadas para sistemas temperados”, diz. Segundo ela, o salto qualitativo na pesquisa brasileira se dará quando começarmos a gerar um corpo teórico de ideias que vêm do entendimento de nossos próprios sistemas.

“Nós estamos em um cinturão tropical. Isso significa que a pesquisa que for desenvolvida aqui tem um potencial grande de ser replicado na África e Ásia”, explica. “O Brasil tem capacidade científica e técnica para isso, além da experiência necessária em monitoramento ambiental.”

A aposta de Bustamante é embasada pela evolução dos estudos de ecologia no país. Integrante do comitê de biodiversidade da Capes durante os anos 2000, ela explica que programas de pós-graduação mais tradicionais, com foco no trabalho de campo, começaram a se expandir em disciplinas teóricas. “A transformação dos sistemas naturais e a atividade humana são os principais motores dessa evolução. Os estudos da biologia passaram a conversar com outras áreas do conhecimento”, conta.

A lógica é simples. Se o problema passa por aspectos não apenas biológicos, mas sociais e econômicos, a solução também precisa passar por eles.

Mas como unir humanidades, ciências exatas e naturais? A resposta está na interdisciplinaridade. As duas últimas décadas foram marcadas pela exploração de ferramentas capazes de juntar informações de campo a aspectos teóricos. Matemática, computação, modelagem e outras áreas da informação nos permitem lidar com o enorme conjunto de dados biológicos e sociais que foram coletados. Exemplo disso é o desenvolvimento das metodologias de sensoriamento remoto: um levantamento que demandava anos de pesquisa em campo foi abreviado a dias, a partir de dados enviados por satélites.

“O que preocupa os especialistas nesse momento é que estamos vivendo essa expansão da ecologia em um momento de crise no financiamento. Enfrentamos um grave problema de governança que enfraqueceu a sociedade civil e o setor acadêmico.” A especialista lembra que o Brasil tinha um papel central nas negociações sobre mudanças climáticas, mas a nova gestão afetou esse direcionamento.

“Temos uma grande quantidade de dados e ferramentas para trabalhá-los. Como, a partir disso, a gente pensa novos conceitos sobre mudanças climáticas e impactos ambientais? O desafio atual é engajar a comunidade acadêmica nessa questão.” Mais do que vontade dos pesquisadores, no entanto, a ecóloga ressalta a necessidade de espaço nas instituições e sistemas de avaliação. “O momento é de estruturar um corpo teórico.”

O conselho que sempre passa aos alunos é abrir a mente a novas possibilidades. “Os limites da ecologia estão na cabeça do ecólogo. Você não precisa ser especialista em tudo, mas tem que estar apto a dialogar e manejar um conjunto mínimo de ferramentas nesse diálogo.” Por isso, a pesquisadora acredita também na formação em humanidades dos cientistas. “O diálogo com as ciências sociais é importante e será essencial daqui para frente.”

Na natureza, Bustamante lembra que nenhum organismo existe em absoluto isolamento e transpõe esse entendimento para as relações humanas na sua própria área. “Acho que isso se aplica à nossa carreira também. A forma como interagimos e nos conectamos é capaz de absorver pessoas para o nosso trabalho. Só temos a crescer se fizermos essas conexões. Não é fácil, mas é enriquecedor.”

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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Alienígenas dos mares: conheça a bioinvasão marinha https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/10/alienigenas-dos-mares-conheca-a-bioinvasao-marinha/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/10/alienigenas-dos-mares-conheca-a-bioinvasao-marinha/#respond Thu, 10 Jun 2021 13:47:56 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/alienigenas-do-oceano-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=442 Por Larissa Pires-Teixeira

Como a chegada de uma nova espécie pode arruinar o ambiente

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Quem estuda biologia marinha tem observado uma crescente ameaça ao equilíbrio dos oceanos, cujo nome, “alienígenas dos mares”, bem poderia ser título de filme de ficção científica. Poderia, mas não é: o fenômeno é real. Pouco conhecido, mas cada vez mais perigoso. As tais “alien species” atravessam longas distâncias, na maioria das vezes por meio de algum tipo de transporte, pegando carona no casco de embarcações ou em plataformas de petróleo.

Essa viagem que empreendem pode constituir um problema se, ao encontrar condições favoráveis no endereço novo e nele se estabelecer, a inquilina recém-chegada causar quaisquer tipos de dano ao ambiente, sejam imperceptíveis, sejam impactos difíceis de serem revertidos, e a partir daí se tornar uma espécie invasora.

Na maioria das vezes é o ser humano o principal responsável pelo deslocamento das espécies, tanto por terra quanto por mar, de forma proposital ou não. É o caso dos corais invasores do gênero Tubastraea, popularmente conhecidos como coral-sol. Nativos do oceano Pacífico e considerados invasores no mar do Caribe e no golfo do México, navegaram – e chegaram ao Brasil – de carona nas pilastras submersas de plataformas de petróleo, às quais se fixaram.

Pesquisas mais recentes dão conta de espécies transportadas no casco e na água armazenada no interior de embarcações, em boias de navegação, aviões anfíbios ou hidroaviões, e até no lixo marinho flutuante. (Ou seja: o que é jogado no mar não só polui como também pode ser um agente facilitador na introdução de espécies invasoras.) Outras atividades realizadas pelo ser humano que podem propiciar o acesso de uma espécie não nativa são o cultivo em mar aberto de ostras, mexilhões, vieiras, caranguejos, lagostas, peixes ou algas, a oferta de organismos como alimento para outras espécies, e o descarte acidental ou intencional de espécies de aquário. O coral mole Sansibia sp., nativo do oceano Indo-Pacífico, por exemplo, possui uma coloração azul que cativa qualquer apaixonado por espécies marinhas e faz dele um item comum em aquários de água salgada. Infelizmente, em 2017 essa espécie foi encontrada no fundo do mar em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e pesquisas sugerem que a introdução aconteceu após o descarte ilegal de organismos de um aquário marinho particular.

Os impactos ecológicos da bioinvasão podem ser considerados um dos principais responsáveis pela perda de biodiversidade em todo o mundo. Mas as complicações não se resumem a impactos ambientais, uma vez que a chegada e o estabelecimento de uma nova espécie podem acarretar problemas econômicos e até para a saúde humana. O molusco Isognomon bicolor, por exemplo, nativo do Caribe, introduzido no Brasil na década de 1990, vive na costa rochosa e está matando outras espécies de molusco, inclusive espécies economicamente importantes, usadas para cultivo e alimentação humana. Outro molusco, o caramujo africano Achatina fulica, que é terrestre, foi importado ilegalmente para o Brasil na década de 1980. O objetivo era servir como alimento substituto do famoso escargot, porém, quando os criadores perceberam que o brasileiro não tem o hábito de consumir esse tipo de comida, soltaram os caramujos na natureza. Ocorre que em pouco tempo esse molusco destrói hortas e jardins e pode transmitir doenças como meningite.

Em 2020, um levantamento feito por mim e pelo dr. Joel Creed, outro pesquisador que estuda bioinvasão marinha, identificou 138 espécies marinhas introduzidas no Brasil, cifra que representa um aumento de 160% no número de “alien species” invasivas desde o último levantamento, realizado há dez anos. Existem formas eficientes de evitar ou reduzir os impactos causados pela bioinvasão que, associadas, podem apontar a solução desse problema. Estudar os hábitos das espécies introduzidas e identificar os meios de transporte são algumas das alternativas para impedir novas introduções. Políticas públicas eficientes, conscientização e listas atualizadas de espécies introduzidas também ajudam.

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Larissa Pires-Teixeira é bióloga, professora de ciências e biologia e doutoranda do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Evolução da UERJ.

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Como as plantas sabem que horas são? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/06/como-as-plantas-sabem-que-horas-sao/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/06/como-as-plantas-sabem-que-horas-sao/#respond Sun, 06 Jun 2021 10:21:24 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/camilo-martins-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=436 Por Carlos Takeshi Hotta

Ao fazer pequenos cálculos, elas garantem a sobrevivência

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As plantas são seres muito subestimados. Por trás de uma simplicidade aparente, porém, elas estão aptas a executar operações sofisticadas, tanto assim que há quem confunda essa habilidade com inteligência. Para nos atermos a apenas um exemplo dessa complexidade, basta dizer que a fim de evitar morrer de fome durante a noite, elas são capazes de elaborar cálculos simples.

As plantas têm uma “rotina”. Assim como outros seres vivos, elas possuem um relógio interno, o relógio circadiano, que gera ritmos diários a fim de sincronizar seu corpo com os ritmos ambientais. Elas se preparam para colher a luz do sol antes do amanhecer; emitem cheiros para atrair polinizadores quando estes estão mais ativos; evitam perder água de tarde, quando a umidade do ar é menor e, de noite, se sustentam com reservas energéticas produzidas de dia.

O amanhecer e o anoitecer são eventos previsíveis, e os vegetais sabem disso. Ou seja: eles sabem que horas são.

De dia as plantas fazem fotossíntese e produzem os esqueletos de carbono necessários para a sua sobrevivência, seu crescimento e reprodução. Uma das moléculas por elas criadas é o amido, polissacarídeo que lhes serve de reserva energética. É esse açúcar que lhes fornece energia à noite, permitindo-lhes crescer e se preparar para o novo amanhecer.

A dinâmica do amido parece simples: ao alvorecer, ele é escasso. Com o passar das horas, sua quantidade aumenta de dez a vinte vezes, resultado da assimilação de carbono por meio da fotossíntese. De noite, a quantidade da molécula diminui linearmente até atingir os baixos níveis do início. Se por algum motivo esse polissacarídeo falta, a planta sofre de estresse energético e tem seu crescimento afetado.

Um grupo de pesquisa liderado pela dra. Alison Smith, do John Innes Centre, na Inglaterra, fez um experimento para entender melhor a dinâmica do amido. Os pesquisadores adiantaram em quatro horas o anoitecer de plantas cultivadas em câmaras de crescimento e observaram, surpresos, que elas passaram a utilizar a molécula mais devagar, de forma a fazer render o estoque até o amanhecer. Apesar da noite abrupta, não houve estresse energético. No dia seguinte, as plantas passaram a acumular amido mais rapidamente, de modo a atingir, em um dia quatro horas mais curto, níveis mais altos do polissacarídeo de reserva para sobreviver a noites mais longas. O mais interessante é que ainda não sabemos exatamente como elas fazem isso.

Para que as plantas consigam racionar o amido, elas precisam saber quanto elas possuem e estimar de quanto tempo dispõem até o próximo amanhecer, para então calcular a taxa de uso da molécula. Sabemos como as horas do dia são estimadas: o relógio interno das plantas tem um ritmo semelhante aos ritmos ambientais de claro e escuro. O mesmo relógio circadiano é usado para a percepção do encurtamento do período diurno que prenuncia o inverno, ou seu alongamento, antes do verão.

Em seus experimentos, o grupo da dra. Smith também utilizou plantas com relógios circadianos defeituosos. Quando esse relógio marcava um dia com menos de 24 horas, isto é, era um relógio mais apressado, a reserva acabava antes da chegada do sol, tanto em dias normais quanto em noites estendidas. Ou seja: quando a percepção do tempo das plantas é alterada, elas não conseguem racionar direito a molécula durante a noite e sofrem de estresse energético. Plantas com o relógio biológico avariado fazem menos fotossíntese, usam mais água e acabam crescendo menos.

Os modelos matemáticos desenvolvidos para tentar entender melhor como ocorre o racionamento do amido ressaltam a importância do relógio circadiano no processo e mostram que as plantas precisam ter mecanismos para saber quanto desse polissacarídeo possuem, quanto estão utilizando ou o seu nível energético. Não sabemos ainda como elas fazem isso, nem como integram essas informações. Entender como as plantas gerenciam sua energia ao longo das horas é uma das grandes perguntas nessa área. A resposta não avança somente nosso conhecimento básico sobre esses complexos organismos, mas também pode nos ajudar a fazê-los crescer mais e melhor para nosso próprio benefício.

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Carlos Hotta estuda o relógio biológico das plantas e é professor associado do Instituto de Química da Universidade de São Paulo.

Sabemos que as crianças fazem as melhores perguntas, e que a ciência pode ter boas respostas para elas. Todo mês, a série “Perguntas de criança, respostas da ciência” convida um cientista a responder uma dessas questões fundamentais. Você tem uma sugestão de pergunta ou de pauta para o blog? Veja aqui como colaborar.

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Biodiversidade brasileira, uma recompensa desconhecida https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/02/biodiversidade-brasileira-uma-recompensa-desconhecida/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/06/02/biodiversidade-brasileira-uma-recompensa-desconhecida/#respond Wed, 02 Jun 2021 10:18:48 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/web-blog_02_palmeiro_A_rev-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=432 Por Mario Moura

Oitenta por cento das espécies do planeta ainda não têm nome

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Imagine se 80% das pessoas do planeta não possuíssem nome. Provavelmente teríamos muita dificuldade em nos comunicar, um simples diálogo sobre a parentela poderia ser um verdadeiro problema: “Você é filho de quem?” “Eu sou filho da… sobrinho do… irmão do… É, não sei dizer!”.

Percebeu o drama? Pois é isso o que acontece com a nossa biodiversidade. Embora estima-se que existam cerca de 10 milhões de espécies no planeta, menos de 20% delas possuem nome próprio, isto é, foram formalmente descritas pela ciência. Sem a descrição formal dessas espécies ainda desconhecidas, permanecemos ignorantes sobre os possíveis valores ecológicos, serviços ecossistêmicos e relevância econômica que elas possam apresentar, seja na saúde, produção de alimentos, polinização, seja como pestes invasoras ou vetores de doenças. Em um estudo publicado na revista Nature Ecology and Evolution, mapeamos as regiões do planeta que abrigam o maior número de espécies desconhecidas.

Mas se são desconhecidas, como foi possível mapeá-las? Existem características das espécies que podem facilitar ou dificultar a sua descoberta na natureza. Algumas espécies foram nomeadas há mais de 200 anos, como a ema, ave de grande porte que é distribuída por quase toda América do Sul. Outras são verdadeiras miniaturas e ocorrem em locais remotos, como o sapinho-pingo-de-ouro descrito no final de abril. Tamanho do corpo, área de distribuição geográfica e outras características podem ser reunidas para construir modelos matemáticos que informam o percentual de espécies conhecidas em diferentes regiões do planeta.

Sabendo o percentual de espécies conhecidas para uma dada região, e também o número de espécies conhecidas, pode-se aplicar uma simples regra de três para encontrar a quantidade total de espécies esperadas. O próximo passo é ainda mais simples, basta subtrair o número de espécies conhecidas desse total estimado. A quantidade que sobra é, justamente, o número estimado de espécies desconhecidas.

O mapa da vida desconhecida revela que 10% da superfície terrestre do planeta pode abrigar quase 70% de todas as espécies ainda não conhecidas. Cerca de metade das futuras descobertas de novas espécies devem ocorrer em florestas tropicais úmidas, como a Mata Atlântica e a Amazônia. Em segundo e terceiro lugar nessa lista, empatadas com 12% das futuras descobertas, estão as florestas tropicais secas, como a Caatinga, e regiões de savana tropical, como o Cerrado.

Pessoas familiarizadas com os biomas brasileiros já devem ter notado que Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga cobrem a maior parte do Brasil. Qual a consequência dessa geografia biomática? Nosso país tropical bonito por natureza lidera o ranking de nações com maior número de futuras descobertas, abrigando cerca de 10% de todas as espécies inéditas do planeta. Esse achado reforça a posição do Brasil como país megadiverso, e acende um alerta para a importância de pesquisas em biodiversidade no país.

Elaborar o mapa do descobrimento é apenas o primeiro passo para conhecer essa biodiversidade sem nome. Comunidades tradicionais e organizações não governamentais podem usar os achados dessa pesquisa para agregar importância ambiental a regiões com alto potencial para descoberta de novas espécies. Na esfera governamental, a quantidade de espécies desconhecidas pode ser incorporada a estratégias de definição de áreas prioritárias para a conservação. Existe ainda a possibilidade de que esses resultados orientem políticas globais no pós-2020. No final de 2021 ocorrerá a COP15 –reunião da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade–, quando serão determinadas as metas internacionais de biodiversidade para 2030.

Tão grandiosa quanto a biodiversidade brasileira é a tarefa que temos pela frente. Para evitar a extinção de espécies ainda não conhecidas, é primordial a adoção de mecanismos eficientes para a proteção das florestas, incluindo zerar o desmatamento ilegal. Além disso, são necessários investimentos em pesquisas que acelerem a descrição de espécies novas. No mundo pós-pandemia que se aproxima de uma economia verde, o Brasil emergirá com destaque caso seja capaz de retirar do anonimato a sua biodiversidade.

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Mario Moura é biólogo, professor da Universidade Federal da Paraíba, e trabalha com biodiversidade, ecologia e conservação.

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Mais calor, mais doenças https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/mais-calor-mais-doencas/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/mais-calor-mais-doencas/#respond Fri, 21 May 2021 10:18:58 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/camilo-mosquitos1-web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=418 Por Fabio Gomes

O aquecimento global redistribui enfermidades transmitidas por mosquitos

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Os efeitos do aquecimento global já se fazem sentir: estudos sugerem que observamos um aumento da temperatura média global em torno de um grau Celsius desde o início da Revolução Industrial. Esse aumento, aparentemente pequeno para o leigo, já se reflete numa frequência alarmante de eventos climáticos extremos, tais como secas prolongadas que acarretam importantes perdas de produção agrícola. Se a tendência atual se mantiver, até o final do século poderemos ter acrescentado até quatro ou cinco graus Celsius à temperatura mundial, com consequências que poderão inspirar uma batelada de filmes-catástrofe. Resta saber se haverá espectadores.

Um dos efeitos pouco discutidos do aquecimento global é a redistribuição de enfermidades transmitidas por mosquitos, sobretudo os Anopheles, causadores da malária; e os Aedes, mais especificamente o Aedes aegypti e o Aedes albopictus, encarregados de alastrar vírus como os da dengue, da zika e da chikungunya.

Não é preciso ser especialista em mapas para constatar que é nas zonas mais quentes que se concentram esses insetos. Além de fatores históricos e socioeconômicos, tal adensamento também tem a participação direta da biologia dessas criaturas: como em outros invertebrados, a temperatura de seu corpo varia conforme a temperatura do ambiente, regulando assim sua fisiologia e afetando traços como longevidade, fecundidade e imunidade. De fato, em um estudo de 2019, um grupo de pesquisadores concluiu que diferenças entre a riqueza de países (PIB) explicam apenas 5% da distribuição atual de casos de dengue, enquanto que fatores como temperatura e pluviosidade tiveram um peso bem maior, 68% e 13%, respectivamente.

A alta adaptação dos insetos nessas áreas tropicais foi determinante em diversos empreendimentos humanos ao longo da história. Se a baixa aclimatação dos transmissores da malária no Sul dos Estados Unidos e na região do Mediterrâneo europeu colaborou para a erradicação da doença naquelas regiões, a dificuldade em controlar a população de vetores e o número de casos de malária e febre amarela foram fundamentais para a desistência dos franceses em construir o Canal do Panamá, e posterior transferência dos direitos para os americanos.

Com o aumento da temperatura, regiões hoje mais temperadas passarão a apresentar características propícias à proliferação de mosquitos, expandindo a sua zona de ocupação. A extensão desse espalhamento vai depender da intensidade do aquecimento global e de seu impacto sobre padrões de chuvas, além de fatores como o tamanho das áreas de desmatamento e o adensamento da ocupação humana. De qualquer modo, regiões hoje pouco afetadas pela malária ou a dengue estarão mais expostas a essas enfermidades. Pesquisadores dos Estados Unidos previram que até 1 bilhão de pessoas na Europa, Ásia e América do Norte passarão a enfrentar infecções transmitidas por Aedes caso o aquecimento global não seja controlado.

No Brasil, prevê-se uma multiplicação de zonas onde os mosquitos encontram condições favoráveis de reprodução ao longo do ano, o que aumentaria o número de casos de moléstias e a pressão sobre o sistema de saúde. Incluem-se aí estudos que previram a expansão na região amazônica da distribuição de vetores associados à transmissão da malária causada por Plasmodium falciparum, parasita responsável pela forma mais letal da doença. Diversos outros estudos com foco na África apontaram resultados semelhantes de expansão da ocupação desses animais. No entanto, em algumas regiões da África subsaariana, as temperaturas poderão se tornar tão altas a ponto de abreviar a longevidade dos mosquitos, que não vão dispor de tempo hábil para transmitir as doenças. Nesse cenário, a incidência de malária poderia até mesmo ser reduzida em algumas regiões.

Assim, parece haver consenso na previsão de emergência (ou reemergência) dessas enfermidades em locais hoje não afetados, e um aumento de casos em regiões hoje endêmicas. Em comum, todas as previsões sugerem que as consequências da expansão territorial de mosquitos vetores podem ser gravíssimas, visto que boa parte dessas regiões é habitada por uma população sem defesas imunes originadas pela exposição prévia a esses males e sem um sistema de saúde e vigilância treinado para acompanhar, identificar e tratar essas doenças.

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Fabio Gomes é professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e membro do Laboratório de Ultraestrutura Celular Hertha Meyer.

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Calculando o futuro da Amazônia https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/04/27/calculando-o-futuro-da-amazonia/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/04/27/calculando-o-futuro-da-amazonia/#respond Tue, 27 Apr 2021 10:30:31 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/ilustracao_hirota_serrapilheira_02-300x215.png https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=387 Por Pedro Lira

O xis da questão pode estar nas partes mais desmatadas

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Com a escalada do desmatamento na Amazônia –segundo o INPE, ele cresceu 34% em um ano–, os períodos de seca na região, além de mais intensos, estão mais longos. Estudos recentes apontam que um terço da umidade da Amazônia provém da floresta e, desse total, mais da metade é oriunda da transpiração das árvores. A situação cada vez mais preocupante impele os cientistas a investigar até que ponto a floresta consegue suportar a seca.

A matemática Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), utiliza uma abordagem inovadora para encontrar os limites de sobrevivência das mais de 40 mil espécies de árvores espalhadas pelo bioma. Valendo-se de modelos matemáticos, ela aposta na heterogeneidade dos ecossistemas para prever o futuro da Amazônia.

Considerando variáveis específicas, seu grupo busca avaliar a resistência da floresta a períodos prolongados de seca. O sistema atual mede a velocidade de superação da planta –depois da seca, de quanto tempo ela necessita para se reerguer? “Nós vamos fazer diferente”, ela destaca. Ou seja: os pesquisadores vão estimar até quando a planta fica de pé antes de sucumbir.

Os cientistas elaboraram um projeto que parte das plantas para entender como o clima ameaça a vegetação. Ao contrário do método de downscaling –que parte do clima para entender seu impacto na floresta–, tradicionalmente usado na ecologia, o upscaling faz um caminho em outra direção e analisa em quais condições de escassez de chuvas a floresta pode colapsar. Hirota esclarece: “Pegamos uma comunidade altamente estudada, ou seja, recortes de 10m x 30m da floresta, e por meio de um modelo matemático tentamos reproduzi-la para a bacia toda” –que tem mais de 5 milhões de quilômetros quadrados.

Mas com os incêndios e desmatamentos batendo recordes, por que apostar na seca? Hirota explica que este mediador é apenas o primeiro passo no vasto estudo de resiliência. “Com as adaptações necessárias das variáveis, essa ferramenta que estamos criando pode ser usada para prever outros impactos florestais, como os incêndios.”

Para a professora, as consequências das queimadas, seca e desmatamento são incontestáveis, embora seu resultado na floresta talvez não seja tão óbvio como possa parecer ao leigo. “Pensando na bacia inteira, a Amazônia é muito grande e heterogênea, não dá para dizer se ela vai se transformar numa enorme savana. Acho uma conclusão incerta, sobretudo se considerarmos as respostas de diferentes regiões da Amazônia a mudanças”, ela diz. “Mesmo que a floresta chegue a seu extremo, essas regiões ainda poderão sustentar uma floresta, ainda que de um tipo diferente da que conhecemos hoje.”

Hirota acredita que as áreas mais desmatadas –nas regiões leste, nordeste e sudeste da floresta– podem guardar o futuro da Amazônia. “Queremos testar a hipótese de que essas regiões, as menos estudadas e em geral os maiores alvos de desmatamento, influenciam diretamente na resiliência do bioma como um todo.”

Se sua hipótese se provar certa, nossos olhos deveriam estar voltados para essas partes mais desmatadas do território, e não para as regiões ainda virgens. A pesquisadora explica que, cortando-se uma árvore no sul da Amazônia, por exemplo, o sudeste da floresta também sofre, já que as regiões estão conectadas pelo fluxo de umidade e o sistema natural do amortecimento dos períodos de seca do bioma. “Tentamos dizer para quem implementa políticas de preservação que esses são lugares que precisam ser estudados. O conhecimento dessas plantas vai nos ajudar a prever o que vai acontecer com a Amazônia no futuro.”

Para investigar um ecossistema tão diverso, a equipe não poderia ser diferente. No grupo, quase integralmente brasileiro, matemáticos, físicos e economistas com um pé na biologia se uniram para pensar soluções para a maior floresta tropical do mundo –sempre em diálogo com os saberes tradicionais e comunidades locais. “Essa diversidade de ideias ajuda na abordagem de baixo para cima que usamos, o upscaling. Tem sido uma experiência maravilhosamente desafiadora”, conclui Hirota.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira

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Uma guerra sob nossos pés https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/24/uma-guerra-sob-nossos-pes/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/24/uma-guerra-sob-nossos-pes/#respond Wed, 24 Mar 2021 10:04:19 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/raizes-larissa-ribeiro-wide-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=358 Por Pedro Lira

Embaixo da terra, plantas travam briga silenciosa por água e minerais

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Como estudar a parte da vegetação que se esconde no subsolo? O crescimento das raízes das plantas se pauta por alguma regra? Pesquisadores do Brasil, Espanha e EUA se uniram para responder a essa questão fundamental da ecologia e as conclusões foram surpreendentes. As árvores competem entre si e “calculam” como e onde suas raízes devem crescer, de acordo com a proximidade das plantas vizinhas –e concorrentes.

A lógica é simples. Uma planta só vai expandir suas raízes se os recursos naturais no ponto onde ela se encontra forem suficientes para lhe gerar benefícios. Quem explica é um dos principais autores do estudo, o físico Ricardo Martinez-Garcia, docente no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e no Instituto Sul-Americano de Pesquisa Fundamental, em São Paulo. “É mais custoso para uma planta absorver recursos a dois metros de seu caule do que a dez centímetros dele, pois, como ela não pode se deslocar, é necessário produzir uma raiz mais longa.” Ou seja, ela precisa ponderar custos e ganhos.

O grau de complexidade aumenta se houver uma segunda planta nos arredores, quando então as duas passam a competir pelos recursos disponíveis. Imagine certa quantidade de água em determinado ponto, que fica a dois metros de uma planta e a meio metro de outra. Mesmo que as duas plantas dividissem essa água disponível de maneira idêntica, a mais próxima da fonte a obteria a um custo menor.

Os pesquisadores chegaram a essa conclusão graças a uma simulação de como as plantas espalham suas raízes sob a terra. O cálculo foi pensado a partir da teoria dos jogos, ramo da matemática que investiga situações estratégicas nas quais os objetos de estudo escolhem como agir em busca de um resultado melhor.

O estudo ganhou destaque após estampar a capa da revista Science, em dezembro de 2020. Até então havia duas teorias contraditórias para explicar o comportamento das raízes de uma planta em presença de uma concorrente. Uma sustenta que as plantas respondem à competição reduzindo o tamanho de seu sistema radicular, ou seja, elas investem menos em raízes diante de concorrentes. Já a outra mira a massa total de raízes produzidas, seja quando a planta cresce sozinha, seja quando disputa os recursos com concorrentes, quando então ela produz mais raízes.

Afinal, uma planta, na presença de outras plantas, reduz seu sistema radicular ou produz mais raízes? “Como nosso trabalho incorpora o número de raízes que uma planta produz e também a posição do espaço onde ela as produz, conseguimos conciliar as duas teorias: se têm concorrentes, as plantas produzem mais raízes perto do caule e menos longe dele.”

Do ponto de vista teórico, a descoberta é fundamental para entender melhor os ecossistemas do planeta. Segundo Garcia-Martinez, a ferramenta pode ajudar a prever como os biomas otimizam recursos hídricos e respondem a mudanças climáticas. “Em termos de ciência aplicada, o modelo pode nos ajudar a desenvolver cultivos otimizados, distribuindo as plantas de tal modo que elas produzam mais frutos, já que vão gastar menos energia espalhando raízes”, explica.

Esta foi apenas a primeira etapa do estudo. Os pesquisadores partem agora para aprofundar o modelo, investigando as interações em sistemas com mais de duas plantas, com espécies e em condições climáticas diferentes.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira

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Em quanto tempo o Pantanal vai se recuperar? https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/11/04/em-quanto-tempo-o-pantanal-vai-se-recuperar/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/11/04/em-quanto-tempo-o-pantanal-vai-se-recuperar/#respond Wed, 04 Nov 2020 15:11:47 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/Ilustração-Serrapilheira-_-Hugo-Fernandes-_Pantanal_web-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=245 Por Hugo Fernandes

Essa não é a grande questão

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Eu estava dando entrevistas com a roupa de campo e o rosto cobertos de fuligem. Tínhamos pouco descanso diante do maior índice de incêndios da história do Pantanal, bioma que teve mais de 30% de seu território comprometido em 2020. Pesquisador na área da conservação, acabei escalado para falar com imprensa. Duas perguntas eram onipresentes: “Dá pra estimar quantos animais foram perdidos?” e “Dá pra saber em quanto tempo o Pantanal se recupera?”. Até daria, mas para tanto precisaríamos de um arcabouço colossal de ciência básica.

Há cerca de 470 espécies de aves, 270 de peixes, 177 de répteis, 125 de mamíferos e 50 de anfíbios documentadas no Pantanal. Pode apostar com 100% de segurança que esse número é subestimado. Se considerarmos invertebrados e vegetais, são dezenas de milhares de espécies não descritas. Há pouquíssimos taxonomistas e sistematas –profissionais que revelam novas espécies– trabalhando com os dados desse bioma. E eles não realizam essas descobertas explorando os locais mais inacessíveis do planeta: na maior parte das vezes, elas ocorrem em museus de história natural. Como o Nacional, que pegou fogo no Rio de Janeiro em 2018, mesmo destino de outras coleções, como a do Butantan, em 2010, e da UFMG, em 2020. O fogo que ameaça a diversidade brasileira também destrói a possibilidade de conhecê-la melhor. E a conta dessa tragédia está no sucateamento público das instituições de pesquisa.

No Pantanal, são raras as espécies cujo número de indivíduos pode ser estimado. As ameaçadas geralmente possuem monitoramentos de longo prazo. O trabalho liderado por Neiva Guedes, por exemplo, nos permite saber o número mais aproximado de araras-azuis, mesmo porque boa parte delas nasceu de altos investimentos em pesquisas ecológicas e genéticas. Mas quando os cientistas não conseguem contar cada indivíduo, eles estimam. É o que fazem instituições como a Panthera, que mostra a concentração de onças pintadas por quilômetro quadrado no bioma por meio de armadilhas fotográficas e monitoramento por GPS, entre outros.

Mas não basta contar quantas onças há numa determinada área e multiplicar pelo tamanho total do Pantanal. Nos mais de 15 milhões de hectares da região –suficiente para abrigar Portugal, Bélgica e Suécia– há 11 tipos diferentes de Pantanal, com características ecológicas e ameaças próprias. Para um cálculo mais preciso, é necessário considerar o maior número possível dessas variáveis em análises estatísticas e programas de mapeamento que geram um mapa das áreas com maior probabilidade de altas densidades da espécie e que, portanto, requerem maior atenção.

Os exemplos com onça pintada e arara-azul são exceções, consideradas as graves lacunas de conhecimento para outras espécies, incluindo as mais de 40 listadas nacional e internacionalmente como ameaçadas de extinção. Se não temos um bom parâmetro sobre o que havia, só nos resta contar os mortos. É o que faz o biólogo José Cordeiro, da Fiocruz. Com auxílio de drones, sua equipe sobrevoa a Reserva Particular de Patrimônio Natural SESC Pantanal em busca das carcaças de mamíferos de grande porte, como cervos, tamanduás-bandeira e antas. Animais menores como roedores, lagartos e serpentes demandam um time de especialistas que percorre a pé a área recém-incendiada, caso da equipe de Walfrido Tomas, da Embrapa.

Imprensa e sociedade clamam por números cravados, mas isso é quase impossível. De que recuperação estamos falando? Gramíneas se recompõem em poucas semanas, já uma população de antas pode demandar dezenas de anos. À escassez de cientistas que pesquisam o Pantanal ou outros biomas somam-se outras dificuldades, como a incineração e a alta taxa de decomposição da matéria orgânica que chegam a impedir outras análises, como o impacto sobre invertebrados e plantas de pequeno porte. Se todo esse cenário dificulta o diagnóstico do que foi perdido, aferir o tempo para a recuperação é um tiro no escuro.

Não é o número exato de anos para a recuperação do Pantanal que precisamos saber, mas como ele vai se recuperar. Que ações vão permitir e acelerar essa recuperação? E, mais importante, o que precisamos deixar de fazer para que isso não se agrave? O caminho envolve política pública e quem deve dar as cartas para essas ações é a ciência. Mas toda ciência aplicada necessita de uma base muito maior de ciência básica. E em pesquisas sobre conservação isso não é diferente.

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Hugo Fernandes é biólogo, divulgador científico e professor da Universidade Estadual do Ceará

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Igualdade de gênero em revistas científicas só ocorrerá em 18 anos https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/09/16/igualdade-de-genero-em-revistas-cientificas-so-ocorrera-em-dezoito-anos/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/09/16/igualdade-de-genero-em-revistas-cientificas-so-ocorrera-em-dezoito-anos/#respond Wed, 16 Sep 2020 10:30:24 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/rafael-loyola-catarina-bessell-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=210 Por Rafael Loyola

Menos de 30% dos editores em periódicos da ciência da conservação são mulheres; disparidade também existe em outras áreas

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O último relatório do Fórum Econômico Mundial apontou que a desproporção de gênero no trabalho aumentou: só daqui a 257 anos o equilíbrio será alcançado. Por ora, os salários dos homens ainda são em média 40% maiores que os das mulheres.

Quer um exemplo de como essa segregação funciona estruturalmente? Com a crise da Covid-19, a renomada École Normale Supérieure de Paris cancelou as entrevistas presenciais para a admissão em seus cursos e aplicou uma prova escrita que não revelava a identidade dos candidatos. Sabe o que aconteceu? O teste selecionou duas vezes mais mulheres que homens. Um número fora da curva se comparado aos últimos cinco anos de seleção.

Esse é só mais um exemplo de que mulheres são sub-representadas em diversas áreas. Não é diferente na ciência, onde elas tendem a ser (erroneamente) consideradas menos aptas, sobretudo em STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática).

Pensando nisso, há quase dois anos fiz uma provocação aos meus alunos: em que pé estava a liderança e participação feminina em revistas de nossa área de estudo? A presença de mulheres no corpo editorial de publicações científicas é fundamental, uma vez que são os editores que decidem o que virá à luz, direcionando assim a pesquisa nas diferentes áreas da ciência. Tais editores são em geral escolhidos segundo sua liderança e contribuição acadêmica, além do reconhecimento dos pares.

Nosso estudo, que foi liderado por mulheres, avaliou a desigualdade de gênero no corpo editorial de revistas da área de conservação da natureza. Examinamos o expediente de 31 revistas internacionais, no intuito de verificar se houve maior atuação feminina ao longo do tempo.

Não foi surpresa a significativa disparidade de gênero entre os editores: de cada dez profissionais, três eram mulheres. Se considerarmos o cargo de editor(a)-chefe, a porcentagem era ainda menor, meros 19%. Tal desproporção persistia em todos os continentes, independentemente do impacto do periódico no meio acadêmico. É um fenômeno global e consistente.

Tal discrepância numérica não envergonha apenas o campo das ciências de conservação: porcentagem inferior a 30% de mulheres editoras também ocorre em outras áreas da ciência, como ecologia, matemática e medicina. Embora tenha crescido o número de mulheres em cargos editoriais das revistas de conservação, seguindo o ritmo atual, estimamos que a igualdade entre os gêneros só será atingida daqui a 18 anos.

São diversos os fatores que explicam essa assimetria. A homofilia é um deles: homens tendem a publicar pesquisas em parceria com colegas do mesmo gênero e editores homens tendem a convidar profissionais do mesmo gênero para revisar os artigos submetidos às revistas. Esse padrão cria um círculo vicioso: homens publicam mais e por isso são mais frequentemente convidados para atuar como editores de revistas científicas.

Projetos e ações inclusivas focando questões de gênero, cor, etnia e idade têm dado gás à consciência da necessidade de diminuir as desigualdades. A própria ciência já provou que grupos de pesquisa e de trabalho que valorizam a diversidade são mais produtivos e capazes de encontrar melhores soluções para problemas complexos.

A conservação da biodiversidade é um desafio complexo por natureza, que beneficia uma comunidade diversa e inclusiva disposta a solucioná-lo. A Agenda 2030 da ONU listou entre seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) a garantia de oportunidades iguais para a liderança feminina em todos os níveis de deliberações. O mesmo acontece em outras agendas internacionais como a convenção da ONU sobre diversidade biológica. Do ponto de vista acadêmico, não precisamos esperar até 2038 para que mulheres possam tomar decisões importantes na ciência internacional da conservação.

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Rafael Loyola é biólogo e doutor em ecologia. É diretor científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, professor da Universidade Federal de Goiás e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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É possível inverter degradação da natureza até 2050, mostra estudo na Nature https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/09/09/e-possivel-inverter-degradacao-da-natureza-ate-2050-mostra-estudo-na-nature/ https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/2020/09/09/e-possivel-inverter-degradacao-da-natureza-ate-2050-mostra-estudo-na-nature/#respond Wed, 09 Sep 2020 23:02:26 +0000 https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/ilustra-texto-bernardo.-Catarina-Bessell2-300x215.jpg https://cienciafundamental.blogfolha.uol.com.br/?p=204 Por Clarice Cudischevitch

Para isso, são necessárias ações como a redução do consumo global de carne e desperdício. Brasileiro Bernardo Strassburg é um dos autores

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Sempre ouvimos a máxima de que é preciso cuidar melhor do planeta para preservá-lo. Agora, cientistas quantificaram o que de fato precisa ser feito para isso. O estudo, publicado na revista Nature nesta quarta-feira, 9, conclui que ainda é possível agir para inverter a curva de degradação e regenerar a natureza. Ou seja: nós podemos ser a primeira geração a deixar o planeta mais sustentável do que o encontrou.

Para isso, é preciso atuar em cinco frentes interligadas: conservação e restauração ambiental; redução do desperdício; intensificação sustentável da produtividade agrícola; dietas menos impactantes e um comércio internacional mais sustentável. “Os esforços requerem vontade política e mobilização da sociedade, mas são factíveis”, explica o professor de ciência da sustentabilidade da PUC-Rio Bernardo Strassburg, único coautor brasileiro do estudo.

Isso significa que não é necessário que todo mundo vire vegetariano. Se a sociedade caminhar para uma redução de 50% do consumo de carne e outros alimentos cuja produção demanda muito espaço, já será suficiente. Da mesma forma, bastaria diminuirmos o desperdício em 50% (atualmente, jogamos fora um terço do que produzimos). O aumento sustentável da produtividade, por sua vez, requer a aplicação de tecnologias que já estão disponíveis.

“Se adotarmos essas medidas, as recompensas serão enormes: vamos reverter a curva de perda da natureza e biodiversidade projetada para esse século e regenerar o que destruímos ao longo de 10 mil anos, sem deixar de alimentar ninguém”, ressalta Strassburg, que também é diretor executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade.

Os modelos preveem que, com os esforços recomendados, conseguiríamos inverter a curva de degradação antes de 2050 e evitar a perda futura de dois terços da biodiversidade. Em torno do ano de 2070 seria possível restaurar o planeta para o estágio em que ele está hoje (veja o gráfico abaixo). “Se migrarmos da aposta em queimadas e desmatamento e a inevitável perda de valor e mercados, o Brasil terá um potencial comprovado para liderar esta transição global, agregando valor ao agronegócio ao se posicionar como o produtor mais limpo do planeta.”

 

Crédito: IIASA. O gráfico ilustra as principais conclusões do artigo, mas não tem a intenção de representar seus resultados de forma precisa. DOI: https://doi.org/10.1038/s41586-020-2705-y

A inovação do estudo foi fazer uma abordagem ampla que incluísse modelos diferentes de biodiversidade, ecossistemas e comunidades e pensasse em estratégias integradas. “Queríamos avaliar de forma robusta se seria viável dobrar a curva de declínio da biodiversidade terrestre devido ao uso atual e futuro da terra, evitando colocar em risco nossas chances de alcançar outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, explica o autor principal do estudo e pesquisador do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA/ Áustria), David Leclère. “E, com isso sendo possível, também queríamos explorar como chegar lá e como a combinação de várias ações poderia promover sinergias.”

Ciência brasileira na Nature – três vezes

A contribuição de Strassburg foi com conhecimento sobre conservação e restauração, a partir da pesquisa desenvolvida com apoio do Instituto Serrapilheira em 2018. O trabalho, no entanto, não acaba aí: nas próximas semanas, o brasileiro vai aprofundar esse assunto em outros dois artigos que também sairão na Nature.

O segundo artigo deve ser publicado ainda este mês e aborda a conservação em sentido mais estrito. Fala sobre o papel das áreas protegidas nesse século e como ele deve ser repensado para dialogar com o entorno, as comunidades que vivem ali.

Já o paper seguinte tem Strassburg como autor principal e vai destrinchar, especificamente, os esforços de restauração. O trabalho vai detalhar em escala global como otimizar tais medidas a partir de uma abordagem múltipla, considerando elementos como as mudanças climáticas e biodiversidade. A publicação deve acontecer até o início de outubro.

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Clarice Cudischevitch é jornalista, coordenadora do blog Ciência Fundamental e gestora de comunicação no Instituto Serrapilheira.

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